Banqueiros alertam Lula em reunião que governo precisa afastar incertezas fiscais
Encontro de quase duas horas teve tom ameno, com pedidos para que o presidente diminua ruídos sobre contas públicas
Marianna Holanda Renato Machado Adriana Fernandes
Brasília
Os banqueiros que se reuniram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta quarta-feira (16) alertaram para a necessidade de o governo afastar os ruídos em relação às contas públicas.
Representantes das instituições financeiros disseram ao presidente que reconheciam os resultados positivos da economia brasileira, com crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) mais robusto, renda em alta e desemprego em queda. Mas ponderaram que o ambiente de incertezas fiscais não ajuda a reduzir o dólar e a taxa de juros de mercado com prazo de vencimento longos para facilitar o trabalho do Banco Central de controle da inflação.
De acordo com relatos do encontro obtidos pela Folha, um dos banqueiros afirmou a Lula que ele “sabe, lê e vê” o porquê de os ativos estarem desconectados. O executivo continuou dizendo que o dólar não está caindo, a Selic voltou a aumentar e a inflação está “batendo no teto”, concluindo que o presidente precisa dissipar os ruídos e as incertezas.
O tom da conversa foi ameno e sem cobranças, mas de reforço da agenda do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de corte de despesas.
A dinâmica da reunião permitiu que cada um dos seis representantes das instituições financeiras falassem separadamente e interagissem livremente no diálogo com o presidente. Eles disseram a Lula que seria importante que o governo fizesse sinalizações concretas na área fiscal para o dólar e os juros caírem.
Ao longo da reunião, o presidente fez intervenções pontuais, com algumas perguntas, deixando para falar mais ao final. Lula disse que tinha muita confiança no trabalho do seu ministro da Fazenda, e que fará o necessário para o Brasil crescer com equilíbrio fiscal.
O presidente se mostrou, segundo os relatos, aberto a ter um diálogo mais frequente com os bancos e disse aos banqueiros que, ainda que tivessem visões diferentes, não tinha o direito de errar, nem mais tempo para isso.
Haddad, por sua vez, afirmou que não há outro caminho para que o Brasil possa crescer com equilíbrio fiscal se não houver realmente medidas concretas. A leitura dos banqueiros da fala do presidente foi a de que Lula concordou com Haddad da necessidade de medidas de corte de despesas.
De acordo com um dos presentes, o presidente relatou que está a aberto a ouvir ideiais, sem barreira ou preconceito. Lula teria dito que muitas vezes os temas não chegam até ele.
Após a reunião no Palácio do Planalto, que durou quase duas horas, o presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Isaac Sidney, disse que Lula, assim como os ministros Haddad e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), tem “firme compromisso” com o equilíbrio fiscal.
O executivo afirmou também que é preciso dissipar ruídos, e que o governo passa por uma conjuntura econômica favorável. Para ele, isso deveria levar a mudanças estruturais, sem dizer de que forma. A declaração foi feita ao lado dos ministros Haddad e Padilha.
O encontro foi solicitado pelos próprios banqueiros. Lula já havia recebido alguns dos nomes presentes, mas esta foi a primeira agenda com os dirigentes das principais instituições financeiras do país.
“Percebemos por parte do presidente, do ministro Haddad e do ministro Padilha, que é um firme compromisso do governo em avançar na busca efetiva do equilíbrio fiscal, para que as despesas possam não só caber dentro do Orçamento, mas para que possam se equilibrar, para que nós possamos ter uma trajetória de equilíbrio das despesas”, disse Sidney.
“Nós acreditamos que esse é o momento de aproveitar essa janela, que o Brasil está crescendo, com a inflação controlada, para que a gente possa, do ponto de vista estrutural, atacar alguns problemas importantes.”
Participaram do encontro Luiz Trabuco Cappi (Bradesco e presidente do Conselho Diretor da Febraban), André Esteves (BTG), Milton Maluhy (Itaú Unibanco), Mario Leão (Santander) e Marcelo Noronha (Bradesco).
Antes da reunião, o presidente participou de evento no Planalto sobre o Dia Mundial da Alimentação, onde voltou a defender gastos com saúde e educação, em seu discurso.
O chefe do Executivo disse que é preciso saber para quem governar e mencionou que, dos 213 milhões de brasileiros, 81 milhões ganham no máximo três salários mínimos.
O encontro com os banqueiros ocorre no momento em que a equipe econômica, a dois meses e meio do fim do ano, busca formas de reestruturar as despesas para impedir que elas inviabilizem o arcabouço fiscal.
À Folha, o ministro Fernando Haddad disse que é “premente” e está “na ordem do dia” alterar a dinâmica dos gastos do governo e o impacto deles na dívida pública —que só cresce.
É tão urgente resolver o problema que a reestruturação das despesas deve ocorrer antes mesmo da reforma tributária sobre a renda, até então prevista para ser enviada ao Congresso até o fim do ano, disse.
Haddad afirmou ainda que Lula “conhece o contexto e está atento”, e que é possível resolver essa questão prioritária sem transformar o Brasil na Argentina, em que a taxa de pobreza disparou para 52,9% depois do ajuste fiscal promovido pelo presidente Javier Milei.
O governo prepara medidas de contenção de gastos obrigatórios para apresentar ao Congresso após a realização do segundo turno das eleições, em 27 de outubro.
Um primeiro pacote buscará tratar pontualmente de gastos específicos, iniciativa que deve ser acompanhada de um segundo eixo com propostas mais estruturais e “mais duras”, acrescentou, sem dar detalhes. Uma das medidas em estudo na Fazenda para cortar despesas é limitar os supersalários no setor público e mudanças no desenho do seguro-desemprego.
Fonte: Folha de São Paulo