Fiagros enfrentam crise com queimadas, recuo de commodities e alta de juros
Setor esbarra em endividamento dos produtores e relação incipiente com centros financeiros, mas há espaço para recuperação
Vitor Azevedo
São Paulo
Os últimos meses não foram exatamente positivos para o agronegócio brasileiro, que enfrenta uma bateria de pedidos de recuperações judiciais e um certo abalo da confiança do mercado. No entanto, especialistas defendem que a situação é normal e parte de um processo maior
Os problemas do setor rural foram ecoados principalmente por uma espécie de crise nos chamados Fiagros, sigla para “Fundos de Investimento Agroindustriais”. Criados em 2021, eles ganharam espaço: segundo dados da B3, até agosto eram quase 550 mil investidores —sendo 547 mil pessoas físicas.
Esses fundos, basicamente, atuam comprando terrenos em áreas rurais (com foco em arrendamento) ou emprestando dinheiro para empresas ligadas ao agronegócio.
Entre 2021 e 2022, um boom dos preços das commodities agrícolas e os juros mais baixos criaram um ambiente favorável para o florescimento desses ativos: os lucros das empresas do agro estavam altos e investidores aceitavam tomar mais risco, já que a renda fixa pagava menos.
Mas o cenário, agora, mudou. “O agronegócio também tem ciclos. Tivemos a guerra da Ucrânia, que pressionou o preço de fertilizantes, fim da pandemia, que equilibrou as políticas monetárias, e uma superprodução em 2022”, explica Lincoln Guabajara, gestor da NexGestão, gestora de Goiânia.
Além disso, este ano foi marcado por uma série de tragédias climáticas no Brasil, como as queimadas de setembro e as chuvas no Rio Grande do Sul em abril, que também impactaram diversos produtores rurais, trazendo a quebra de safra.
“O El Niño trouxe uma seca forte no Brasil. E apesar da nossa quebra de safra, países concorrentes, como a Argentina, que produz muita soja, foram bem, porque lá esse evento gerou mais chuvas. Fora que os estoques já estavam altos por conta do ano passado”, diz Gabriel Boente, analista de commodities agrícolas da Option Research.
Os produtores se viram com lucros menores, por conta do recuo das commodities e maiores gastos com insumos, colhendo menos e mais endividados.
Mas fora os fatores externos, especialistas destacam que houve, no passado, um ânimo excessivo do lado das companhias agropecuárias e dos gestores que estavam “emprestando dinheiro”.
“O produtor rural se animou bastante. Eles já são, naturalmente, alavancados, tendo acessos a linhas de crédito como as do Plano Safra. Mas aí os preços das commodities subiram, os juros caíram e havia todo um ânimo com o governo Bolsonaro. Só que a natureza é instável”, comenta Boente.
Werner Roger, engenheiro agrônomo e gestor da Trígono, menciona que parte do agro é, ainda, sempre muito otimista. Os produtores constantemente acham que os preços seguirão em uma trajetória altista e são poucos os que buscam proteção, como de seguros ou instrumentos de hedge (proteção).
“O produtor gosta de crescer, comprar terra. Em vez de investir na produtividade, em tecnologia, muitas vezes eles têm essa visão mais territorialista. E eles estão sempre bancando essas expansões. Muitos estão sempre devendo para o banco. É algo muito particular”, afirma Roger.
Os próprios produtores se viram endividados e, a partir daí, criou-se uma bola de neve. Companhias como a AgroGalaxy e a Portal Agro, que vendiam insumos, começaram a ver contratantes não honrando suas dívidas. Os Fiagros também sofreram bastante, já que, diferentemente de bancos, seus empréstimos não contam com cláusulas hipotecárias.
Do outro lado, gestores que entendem pouco o setor foram atraídos pelo bom momento sem conhecer bem suas particularidades.
Werner relembra que há várias particularidades dentro de um balanço de uma empresa agro. Ele menciona que ativos biológicos, como cana ou florestas, variam em valor conforme o preço dos produtos derivados, o que influencia o balanço contábil, contando ainda com variáveis como câmbio e taxas.
Lincoln, da NexGestão, diz que dados relativos ao agro chegam pouco ao centro financeiro do Brasil. “O fato de a gente estar em Goiânia traz uma vantagem logística quanto à recepção e ao monitoramento das informações. As informações do agro não estão na Bloomberg”, contextualiza, mencionando o terminal muito usado no setor financeiro. “A gente, aqui, está acompanhando números pluviométricos junto com os produtores.”
Mas, para os especialistas, todas essas questões também se tratam de parte do processo natural de amadurecimento da relação entre o agro e a Faria Lima. Apesar de ela ter acabado de começar, a visão é de que ela seguirá firme.
“Do lado do produtor, é um freio de arrumação que aconteceu por conta de toda a diminuição do valor das commodities. As margens de lucro ficaram mais apertadas, mais próximas da linha histórica, e impactou muita gente”, fala Bruno Licarião.
“Do lado da Faria Lima, também é preciso uma necessidade de adaptação. É necessário entender o fluxo do agro, como colocando margens para os prazos de pagamento. É normal um produtor, por exemplo, atrasar um pouco suas contas. Os bancos já entendem isso e às vezes prorrogam os prazos”, completa. De qualquer forma, há, na corrida, também as empresas que saíram na frente e que já estavam com uma posição financeira que suporta uma crise —e que agora, muito provavelmente, vão às compras.
Fonte: Folha de São Paulo