Governo acelera legalização de bets diante de denúncias e projetos contra apostas

Empresas que não solicitaram autorização para funcionamento no país terão operações suspensas a partir de 1º de outubro

Nathalia Garcia Paulo Saldaña

Brasília

O governo Lula (PT) acelerou o prazo para legalização de sites de apostas online após reações no Congresso Nacional contra as chamadas bets, inclusive de integrantes do PT e de sua base. Novas denúncias envolvendo essas plataformas têm mobilizado parlamentares e também acenderam alerta no Ministério da Fazenda, que trabalha desde 2023 para regulamentar o setor.

Atualmente, qualquer site de aposta pode atuar no país. Isso acabaria apenas em janeiro de 2025, em uma espécie de prazo de transição definido pelo próprio governo na regulamentação. Mas uma nova portaria da Fazenda, desta terça-feira (17), antecipou essa data de corte para outubro.

Dessa forma, empresas que não tenham se cadastrado na Fazenda para atuar de maneira legal não poderão funcionar a partir do próximo dia 1°. O governo já tem conversas com a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para que haja a derrubada dos sites.

Há estimativas de que cerca de 2.000 sites de apostas esportivas estejam no ar no país hoje.

A nova portaria pegou o mercado de surpresa, segundo relatos recebidos pela Folha. Mesmo entre as empresas já cadastradas para a regulamentação, há entendimento de que houve mudança com o jogo rolando.

O ato veio após movimentos contrários às bets no mundo político. No domingo (15), o senador Omar Aziz (PSD-AM) anunciou que acionará a PGR (Procuradoria-Geral da República) para tentar tirar do ar sites até que as empresas sejam completamente regulamentadas.

A ação de Aziz se soma a um projeto de lei apresentado pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), que propõe a proibição de propagandas e patrocínio.

Um outro projeto na Câmara, da presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), também prevê o veto de propagandas. A publicidade massiva é vista como fundamental para o negócio, segundo integrantes do setor.

Em entrevista nesta terça, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) falou em um pente-fino por parte do governo no setor e relacionou a nova portaria a problemas de dependência psicológica em apostas.

“[A regulamentação] tem a ver com a pandemia que está instalada no país e que nós temos que começar a enfrentar, que é essa questão da dependência psicológica dos jogos”, disse Haddad.

“Tudo isso vai passar, nessas próximas semanas, por um pente-fino bastante rigoroso, porque o objetivo da lei é fazer o que não foi feito nos quatro anos do governo anterior. Isso virou um problema social grave e nós vamos enfrentar”, acrescentou. “A regulamentação ficou toda pronta no final de junho e nós estamos, portanto, autorizados para agir.”

O secretário de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, Regis Dudena, disse à Folha que a portaria não antecipa, por exemplo, cobranças previstas, mas serve para identificar as empresas em atividade no país.

“A gente identificou o crescimento de grupos oportunistas, de empresas e pessoas que estão utilizando esse período [de transição, que se encerraria em dezembro] para atuar de forma fraudulenta, em frontal desrespeito às leis”, disse. Segundo ele, a portaria agora “separa o joio do trigo”.

Com a regulamentação do setor, o governo tem grande expectativa de arrecadação com as apostas online e já divulgou estimativas que preveem até R$ 12 bilhões por ano. Somente com as outorgas para autorização de funcionamento, o governo deve arrecadar quase R$ 4 bilhões.

Questionado se a reação no Congresso contra as bets motivou a nova portaria, Dudena disse que a afirmação “não seria correta”, mas ponderou que é necessário “entender esse interesse de outros setores e levar em consideração” a movimentação entre os parlamentares.

O governo recebeu 113 cadastros no prazo estipulado para o cadastro de interesse de atuar legalmente nesse mercado. Os pedidos ainda serão analisados, e não há garantia de que todos serão aceitos. Outras duas empresas se cadastraram, mas depois do prazo —que se encerrou em 20 de agosto.

Essas empresas, que controlam mais de 300 sites de bets, poderão atuar no Brasil até o fim do ano. Depois disso, só as que forem aprovadas pelo governo serão de fato legalizadas e ganharão o domínio “.bet”. O cadastro para atuação no país continua aberto, segundo Dudena, mas sem a garantia de atuação a partir de janeiro.

No início do mês, a advogada e influenciadora Deolane Bezerra foi presa em operação policial contra uma organização criminosa que atua em jogos ilegais e lavagem de dinheiro que teria movimentado quase R$ 3 bilhões. Casas de apostas envolvidas, como a Esportes da Sorte e a VaideBet, estão entre as bets que cadastradas na Fazenda para atuar no país.

A nova portaria prevê que o governo pode levar em conta informações de investigações em curso na avaliação para regularização final —mas como elas estão inscritas na Fazenda, poderão funcionar a partir de outubro.

Ao menos seis sites exploram serviço de apostas sobre as eleições municipais de 2024 e permitem a usuários arriscar dinheiro na vitória de um candidato —algo sem previsão legal específica no Brasil.

A oferta de sites de apostas esportivas é liberada no Brasil desde 2018, após lei aprovada no governo Michel Temer (MDB). A partir disso, propagandas de bets passaram a dominar a TV aberta, sobretudo em jogos de futebol, e as redes sociais foram inundadas de anúncios, viralizados pela atuação de influenciadores famosos —a publicidade massiva é vista como fundamental para o negócio, segundo integrantes do setor.

O governo de Jair Bolsonaro (PL) teve quatro anos para regulamentar o mercado, mas não o fez. O governo Lula se dedicou à regulamentação, que teve início em 2023, com a edição inicial de uma medida provisória.

No fim do ano passado, o Congresso Nacional aprovou uma lei, na qual definiu taxação e funcionamento das empresas, no âmbito dos chamados jogos de quota fixa (em que se sabe quanto se pode ganhar ou perder ao apostar) e também com as linhas gerais de credenciamento.

Em janeiro, pesquisa Datafolha revelou que 15% dos brasileiros dizem fazer ou já ter feito apostas esportivas online. O gasto médio mensal entre o total de pessoas que apostam é de R$ 263 —equivalente a 20% do salário mínimo de 2023. Três em cada dez apostadores afirmam gastar mais de R$ 100 por mês, mostrou o levantamento.

Durante a tramitação do projeto na Câmara, os deputados incluíram nessa categoria, além das apostas esportivas, também os jogos online, onde entram cassinos e outros jogos de azar em ambiente virtual.

Segundo pesquisa da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), dois a cada dez usuários de apostas online usariam o dinheiro gasto com bets para pagar contas básica. O dinheiro seria direcionado a gastos com lazer e entretenimento para 41%, enquanto outros 12% admitiram que usariam o recurso para comprar alimentos.

O cenário atual no país é de epidemia de dependência em jogos, de acordo com pesquisadores que estudam o assunto.

JOGO RESPONSÁVEL

Em agosto, o Ministério da Fazenda definiu regras de “jogo responsável” para o mercado de apostas, com objetivo de mitigar vício e endividamento excessivo. A pasta definiu em outras duas portarias como será a fiscalização e as penalidades em caso de infração, que incluem multa de até R$ 2 bilhões. Veja mais abaixo:

Os objetivos das regras de jogo responsável são:

  • Prevenir a dependência e transtornos do jogo patológico
  • Garantir a proibição de apostas por crianças e adolescentes

Isso será feito por meio de:

  • Campanhas educativas direcionadas a diferentes públicos
  • Alertas periódicos do risco de vício
  • Transparência nas taxas de retorno de cada jogo
  • Oferta de mecanismos de limite de aposta por tempo ou de bloqueio de acesso programado a plataforma
  • Monitoramento de comportamento possivelmente nocivo de jogadores
  • Solicitação de autoexclusão da plataforma
  • Suspensão do uso do sistema de apostas pelos apostadores em risco alto de dependência
  • Proibição de parcerias ou convênios para facilitar acesso a crédito por parte do apostador
  • Manter ouvidorias para familiares e apostadores

O site de apostas deve vedar acesso ao jogo a:

  • Menores de 18 anos
  • Proprietários, administradores, diretores ou pessoas com influência significativa sobre a bet
  • Agente público ligado a regulação de apostas
  • Pessoa com informações privilegiadas ou que tenha influência real sobre o evento que é tema da aposta (no caso do esporte, por exemplo, isso envolve jogadores, técnicos, dirigentes e árbitros)
  • Pessoa diagnosticada com ludopatia por laudo médico
  • Pessoas impedidas de apostar por decisão judicial ou administrativa

REGRAS DE PROPAGANDA E MARKETING

Toda publicidade sobre aposta deverá seguir as normas de jogo responsável e adotar linguagem clara, que destaque a proteção dos menores de idade.

O uso da palavra “grátis” fica permitido apenas quando não houve chance de prejuízo para o apostador.

Ficam proibidos anúncios que:

  • Sugiram obtenção de lucro fácil ou associem a ideia de aptidão a apostas
  • Apresentem a aposta como socialmente atraente ou contenham afirmações
  • de personalidades conhecidas ou de celebridades nesse sentido
  • Encorajem práticas excessivas de apostas
  • Contenham frases convocatórias como “aposte agora”
  • Apresentem a aposta como prioridade na vida
  • Estabeleçam elo entre aposta e sucesso pessoal ou financeiro
  • Vinculem apostas a comportamentos ilegais ou discriminatórios
  • Contenham informação falsa ou enganosa
  • Liguem apostas a locais de atendimento médico, psicológico, destinos frequentes de menores de idade ou instituições de ensino
  • Veiculem afirmações enganosas sobre a chance de ganhar
  • Promovam apostas como meio para recuperar os valores perdidos
  • Ofendam tradições culturais ou religiosas contrárias à aposta
  • Apresentem a aposta como alternativa ao emprego ou forma de investimento
  • Circulem em programas ou meios, cujo o públicos-alvo seja crianças e adolescentes
  • Utilizem imagens de crianças e adolescentes ou elementos apelativos para menores de idade
  • Usem mensagens de cunho sexual ou parta da objetificação de atributos físicos

Os materiais publicitários serão obrigados a:

  • Exibir cláusulas de advertência de restrição etária, com o símbolo “18+”
  • Advertir sobre o risco de dependência e transtornos de jogo patológico

Essas cláusulas também devem constar em bilhetes impressos, sites, aplicativos e até em disparos em aplicativos de mensagem como WhatsApp feitos por afiliados de bets.

As bets e plataformas de apostas não cadastradas no Ministério da Fazenda ficam proibidas de divulgar publicidade.

Após notificação de irregularidade pela SPA:

  • Empresas que ofereçam serviço de publicidade na internet, como as redes sociais, terão de excluir anúncios
  • Provedores de internet deverão bloquear sites ou excluir aplicativos
  • Lojas de aplicativos como Play Store e App Store também terão de excluir aplicativos de sua lista de ofertas

A SPA manterá um canal para receber denúncias dos cidadãos.

REGRAS PARA PROMOÇÕES

Quem opera jogos de apostas tem permissão dar prêmios e recompensas para quem joga, desde que se adeque aos critério abaixo.

As regras para ganhar esses prêmios precisam ser detalhadas e citadas nos termos e condições do jogo.

Fica vedado:

  • Demandar que pessoa gaste dinheiro para ganhar um prêmio
  • Dar adiantamentos ou bônus antes da aposta ser registrada, mesmo se for só para promover o jogo
  • Exigir que a pessoa deposite mais dinheiro para receber um prêmio

Tudo isso deve ser registrado pelo operador do jogo, para futuras prestações de conta. Sorteios de prêmios terão de estar adequados a lei 5.768 de 1971.


Fonte: Folha de São Paulo

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