Depois de decisão do STJ sobre Ternium e CSN, discussão sobre tag along chega ao STF
Em reviravolta no caso bilionário, STJ entendeu que havia obrigatoriedade de realização de oferta pública
A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para contestar a interpretação de um dispositivo da Lei das Sociedades Anônimas feita pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A ação, apresentada na última quinta-feira (12/9), questiona a aplicação do artigo 254-A, que trata da obrigatoriedade de realizar uma oferta pública de aquisição (OPA) em casos de alienação de controle societário – mecanismo conhecido como tag along, que dá a acionistas minoritários a oportunidade de se livrar de sua participação em uma companhia quando há mudança de controle.
A associação argumenta que a recente interpretação do STJ sobre o tema é inconstitucional e “frontalmente divergente em relação àquela fixada pela CVM [Comissão de Valores Mobiliários] no exercício de sua competência”. Em junho, o STJ decidiu que a empresa ítalo-argentina Ternium deve indenizar a Companhia Siderúrgica Nacional por uma compra de ações da Usiminas em 2011. O valor da indenização é estimado em R$ 5 bilhões.
A Ternium comprou 27,7% do total do capital votante da companhia, entrando no bloco controlador. A CSN possuía 17,4% do capital da Usiminas. A CVM entendeu que não houve alienação de controle, e, por isso, não haveria disparo do gatilho de tagalong previsto no artigo 254-A – entendimento que foi refutado pelo STJ.
Embora o caso concreto não seja objeto da ADI apresentada pela AEB, a Ternium é uma associada, segundo o site da organização. Em petição, a associação argumenta que a decisão do STJ tem gerado insegurança jurídica no mercado ao interpretar a lei de forma expansiva. Segundo a AEB, essa interpretação permite que até mesmo acionistas minoritários, que não possuem controle efetivo sobre uma empresa, possam deflagrar a obrigação de OPA, o que impactaria negativamente o ambiente de negócios no Brasil.
A associação também alerta que o atual cenário de insegurança jurídica pode inibir investimentos e afetar operações já consumadas. O pedido de medida cautelar, que visa suspender os efeitos da interpretação atual até que o STF se pronuncie sobre o mérito, busca, segundo a AEB, preservar o equilíbrio e a competitividade no mercado, garantindo que investidores possam tomar decisões com base em critérios claros e objetivos.
Na ação, a AEB pede que o STF fixe uma interpretação “conforme à Constituição sem redução de texto, reafirme a jurisprudência administrativa e judicial então prevalente sobre a interpretação do art. 254-A, com o estabelecimento de critérios objetivos, aferíveis ao momento da operação, para definição da materialização da obrigação de realização de OPA”. O ministro André Mendonça foi sorteado relator da ação, que ainda não tem data para ser julgado.
A AEB é representada pelos advogados Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch, do Mudrovitsch Advogados, e Floriano de Azevedo Marques, do Manesco Advogados.
CSN vs Ternium
Em 2023, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por 3 votos a 2, negou o recurso especial da CSN na disputa com a ítalo-argentina, confirmando o entendimento das outras instâncias e da CVM. No entanto, a disputa entre as duas siderúrgicas, que se arrasta há mais de uma década na Justiça, teve uma reviravolta em junho, quando o STJ julgou os embargos de declaração interpostos pela CSN.
Uma mudança de composição na turma que apreciou o caso – provocada pela morte do ministro Paulo de Tarso Sanseverino e pela declaração de impedimento de Marco Aurélio Bellizze, que havia votado no mérito – acabou por ser determinante. No primeiro julgamento, votaram os ministros Marco Aurélio Bellizze e Paulo de Tarso Sanseverino, ambos a favor da Ternium. Ambos acompanharam o voto-vencedor do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, para quem “o simples ingresso de terceiro no grupo controlador de sociedade anônima é insuficiente para, por si só, configurar a alienação de controle de que trata o art. 254-A da Lei nº 6.404/1976 [ que prevê o tag along]. Especialmente, quando este terceiro, a partir de seu ingresso, não assume posição de maioria acionária dentro do grupo de controle, não exerce papel de preponderância na companhia, e se submete a acordo de acionistas no qual evidenciada a relação de paridade entre ele e os demais integrantes do grupo”.
No segundo julgamento, Bellizze não votou por se declarar impedido, e Sanseverino, que faleceu em 2023, foi substituído na Turma por Humberto Martins. Então, de um lado, ficaram os ministros Nancy Andrighi e Cueva, que inicialmente havia negado os embargos, mas reajustou o voto para que o processo retornasse à primeira instância para produção de provas.
Durante a sessão, o ministro Cueva demonstrou incômodo com o encaminhamento de uma reviravolta. “Há aqui votos que inusitadamente acolhem os embargos de declaração”, disse. “Esse é um caso de grande relevância. Há uma dupla conforme. Há a sentença de um juiz estadual paulista. Há um acórdão muito sólido do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Eu mantive o acórdão e agora há dois votos pelo acolhimento dos embargos”. Ao final, o ministro acabou acompanhando a ministra Nancy Andrighi, por ser o voto “que menos subverte” a conclusão anterior. “É uma questão de segurança jurídica, se há dúvida, vamos deixar que a primeira instância esclareça, faça a instrução”.
Do outro lado, os ministros Paulo Dias de Moura Ribeiro e Humberto Martins votaram por acolher os embargos com efeitos infringentes, ou seja, modificativos, e condenar a Ternium a pagar uma indenização bilionária por não ter feito a oferta pública de ações.
Diante do empate, o voto de minerva ficou a cargo do ministro convocado da 4ª Turma, Antônio Carlos Ferreira, que acompanhou Moura Ribeiro e Martins. “A avaliação puramente escritural é um dos elementos. É mais factível o que acontece na realidade. Um acionista minoritário pode ter o controle da empresa”, disse na leitura de seu voto.
Outra mudança relevante no acórdão foi em relação aos honorários advocatícios que passaram a ser de 10% do valor do proveito econômico, ou seja, de aproximadamente R$ 500 milhões a serem pagos aos advogados da CSN, que é representada por diversos escritórios, como o Warde Advogados, Ernesto Tzirulnik Advocacia e pelo ex-ministro do STJ Cesar Asfor Rocha. Antes da reversão do mérito, os honorários de sucumbência tinham sido fixados em R$ 5,5 milhões, no caso a serem pagos aos defensores da Ternium, que também conta com um extenso rol de advogados, como os do escritório Mattos Filho, E.Munhoz Advogados e Ribeiro & Ribeiro Advogados Associados.
Diante da reviravolta, em entrevista ao Valor Econômico, o CEO da empresa ítalo-argentina, Maximo Vendoya, disse que os investimentos no Brasil serão revistos caso a decisão do STJ prevaleça. “A ameaça dessa empresa estrangeira de retirar investimentos do Brasil é inusitada, inaceitável e ofensiva à nação. Nós somos uma empresa 100% brasileira e não deixaremos de investir no Brasil”, disse o presidente da CSN, Benjamin Steinbruch, em nota enviada ao Valor. O caso foi decidido nos embargos ao Resp 1.837.538.
Fonte: JOTA