Carf bate recorde de julgamentos, mas cadê o dinheiro?

Transação tributária tem sido mais eficiente do que tentativa de usar conselho como instrumento de arrecadação

Eduardo Cucolo

São Paulo

A volta do voto de desempate a favor do governo nos julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), órgão que analisa autuações da Receita Federal, ainda é uma aposta do Ministério da Fazenda para aumentar a arrecadação.

Mudanças para agilizar o funcionamento do órgão já se refletiram nos valores julgados no primeiro semestre deste ano: R$ 412 bilhões, patamar inédito. O recorde registrado em todo o ano de 2019, de R$ 482 bilhões (considerando a inflação), deve ser superado nos próximos meses, diante da meta do conselho de julgar R$ 870 bilhões.

O voto de desempate foi utilizado em 4% das discussões que tiveram acórdãos publicados. O percentual é baixo, mas se aplica a casos relevantes.

Esses números ainda não se refletiram na arrecadação. Reportagem da Folha mostrou que entraram no caixa do Tesouro apenas R$ 83 milhões até 6 de agosto.

Para este ano, o governo contava inicialmente com R$ 55 bilhões em pagamentos feitos por empresas derrotadas. O número foi revisado em julho para R$ 38 bilhões, e o ministro Fernando Haddad (Fazenda) já antecipou que haverá nova revisão no relatório deste mês de reavaliação do Orçamento.

Um dos problemas apontados pelo ministro é a demora na validação de cálculos para fins de pagamento. Outra questão é o prazo de até 90 dias para quitar os valores.

Gisele Bossa, sócia da área tributária do Demarest e ex-conselheira do Carf, aponta outra questão: os contribuintes derrotados podem recorrer ao Judiciário, e muitos não desistiram de seguir esse caminho. Especialmente porque muitas decisões contrárias aos contribuintes no conselho têm sido revertidas pela Justiça.

Ela resume a questão em três pontos. O governo tem sido bem sucedido em fazer com que os processos de valor relevante sejam analisados de maneira célere. Há incentivos à negociação que podem levar alguma empresa a desistir da discussão no Judiciário. Só que isso tende a ser a exceção, e não a regra, principalmente em relação às grandes teses sem jurisprudência definida.

Nesta semana, por exemplo, os contribuintes venceram no STJ (Superior Tribunal de Justiça) uma discussão sobre tributação de “stock options“, tema em que têm sido derrotados no Carf.

Um dos incentivos são as vantagens previstas na nova lei do Carf nos casos em que há derrota pelo voto de desempate, como a exclusão de juros de mora, o parcelamento em 12 vezes e a possibilidade de utilização de precatórios e créditos de prejuízo fiscal.

Curiosamente, o caso que mais se destacou neste ano foi uma derrota da Petrobras no Carf, mas por maioria de votos, e não pelo mecanismo de desempate, referente à tributação de remessas ao exterior para pagamento de despesas relacionadas a plataformas. Para encerrar essa e outras discussões sobre o tema, no Carf e na Justiça, a estatal fechou acordo com Receita e Procuradoria da Fazenda. Pagou cerca de R$ 13 bilhões nos últimos três meses. Serão mais R$ 5,5 bilhões até dezembro. Tudo dentro de um programa especial de transação tributária, mecanismo que tem garantido muito mais dinheiro do que o voto de desempate no conselho. São R$ 39 bilhões previstos para este ano e R$ 73 bilhões para o próximo. É aí que o dinheiro está.


Fonte: Folha de São Paulo

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