Isenção de IR a medalhistas das Olimpíadas é injusta e abre espaço para ‘jabutis’, dizem tributaristas
Medida provisória publicada nesta quinta (8) pelo governo Lula desonera os prêmios dos atletas que subiram ao pódio no evento
Stéfanie Rigamonti Eduardo Cucolo
São Paulo
A decisão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de isentar do Imposto de Renda os prêmios em dinheiro dos atletas brasileiros que competem nas Olimpíadas e Paralimpíadas é considerada uma medida injusta do ponto de vista tributário por advogados especialistas no assunto. Além disso, a medida pode ficar pior na tramitação no Congresso.
Nesta quinta-feira (8), o presidente Lula assinou uma MP (medida provisória) que isenta os atletas e paratletas de pagarem tributo sobre os prêmios recebidos a partir dos Jogos Olímpicos de Paris. A MP foi publicada no Diário Oficial da União.
Um dos pontos criticados é o fato de a medida ser voltada a um grupo específico e restrito. Com isso, na visão dos especialistas, não há incentivo ao esporte no país como um todo.
Essa deveria ser uma discussão maior em uma lei, não em uma medida provisória, que ocorreu em função do clamor popular do momento. Do ponto de vista de justiça tributária, olhando todos os atletas pares que não estão nos jogos olímpicos, deveria haver uma discussão mais aprofundada”, diz o advogado Francisco Nogueira de Lima Neto, sócio fundador do escritório Gasparini, Nogueira de Lima, Barbosa e Freire Advogados.
“Existem outras competições tão importantes em que os atletas que vivem disso no final do dia acabam não tendo contrapartida nenhuma.”
Além disso, os tributaristas argumentam que existem muitos esportistas que estão ainda mais em desvantagem, ao precisarem manter, além do esporte, um outro emprego, e enfrentarem outras dificuldades para treinar.
“Não existe justiça tributária em isentar um medalhista a não ser que a renúncia fiscal do estado venha acompanhada de um programa de incentivo ao esporte no sentido de desenvolver o nosso ecossistema esportivo, como fábrica, patrocínio, equipamento”, opina Angelo Paschoini, tributarista e sócio fundador do Paschoini Advogados.
Para a advogada Maria Carolina Gontijo, conhecida como Duquesa de Tax na internet, além da falta de justiça tributária na medida, a MP tem efeitos em cascata negativos.
A isenção em si dos prêmios dos atletas e paratletas olímpicos representa pouco do ponto de vista fiscal. Segundo ela, a renúncia não chega a R$ 2 milhões a cada edição das Olimpíadas (a estimativa leva em conta a média de medalhas que o Brasil ganhou em Tóquio e no Rio).
Os prêmios dos esportistas brasileiros em Paris somam, até agora, R$ 2,87 milhões, portanto a renúncia fiscal seria menor.
Pelas regras anteriores à MP, a tributação da premiação dependia dos outros rendimentos recebidos pelo atleta no mesmo ano.
Se o valor ficasse dentro dos limites de isenção, não havia imposto a pagar, e qualquer imposto recolhido na fonte seria devolvido via restituição a partir do ano seguinte, após a entrega da declaração de ajuste à Receita.
Em Paris-2024, se um atleta que competir individualmente ganhar medalha de ouro, recebe do COB (Comitê Olímpico do Brasil) R$ 350 mil. A prata vale prêmio de R$ 210 mil e o bronze, de R$ 140 mil. Até agora o país tem duas de ouro, cinco de prata e oito de bronze.
Ou seja, para os cofres públicos a renúncia é ínfima. Mas se o Congresso decidir votar a MP, argumenta Gontijo, os parlamentares podem acrescentar várias emendas e até “jabutis” (emendas que fogem da proposta principal da medida), levando a distorções em pleno ano eleitoral.
Os parlamentares podem, por exemplo, querer isentar prêmios de quaisquer competições, sejam literárias e até mesmo locais. “Imagine as pessoas criando pequenos torneios só para lavar dinheiro”, afirma a tributarista.
“Este governo atual demonstra ser muito sensível a pautas de redes sociais, mas isso é perigoso, porque medidas são tomadas no calor da emoção, de qualquer jeito. O governo cria distorções a partir de apelos na internet.”
Para Gontijo, essa polêmica foi alimentada pelo próprio governo sem necessidade porque, quando a Receita decidiu se pronunciar sobre o assunto, acabou dando munição para uma narrativa política. Para a especialista, da mesma forma que a polêmica se iniciou, ela teria morrido em si mesma se o governo não tivesse se manifestado.
“O assunto ia morrer assim que acabasse as Olimpíadas. Ia vencer o carnê-leão da Rebeca Andrade [atleta da ginástica artística que levou quatro medalhas nos Jogos de Paris] e ninguém mais estaria lembrando da polêmica”, brinca a especialista.
A Receita Federal se manifestou duas vezes sobre o assunto após uma enxurrada de postagens, muitos com notícias falsas, sobre a taxação dos prêmios.
O órgão informou que as medalhas recebidas pelos atletas não são tributadas, enquanto os prêmios em dinheiro sim, “como qualquer outra remuneração de qualquer outro(a) profissional, desde que seja um valor superior ao da faixa de isenção do imposto de renda (hoje em dois salários mínimos)”, disse a Receita.
A advogada Maria Carolina Gontijo lembra que o Brasil tem problemas tributários mais urgentes para resolver do que essa MP, que acabou causando um desconforto desnecessário em cima dos atletas, segundo ela. Enquanto isso, diz a especialista, a tabela do Imposto de Renda há muito tempo não tem correções significativas no sentido de avançar na tributação progressiva.
O advogado Bruno Teixeira, sócio do escritório TozziniFreire Advogados, por sua vez, afirma que a desoneração prevista na MP pode ser positiva, considerando que muitos atletas têm uma remuneração muito baixa e precisam ganhar prêmios para ter uma renda melhor.
Mas, segundo ele, outras medidas poderiam ser tomadas, do ponto de vista tributário, como a redução de tributos sobre a importação de alguns equipamentos esportivos. “Um exemplo é o tiro esportivo, em que normalmente as carabinas e as pistolas são adquiridas no exterior, além de outros tipos de esportes em que são necessários materiais mais complexos e sofisticados”.
Fonte: Folha de São Paulo