Incluir taxação progressiva no comunicado do G20 foi ‘enorme avanço’, diz presidente do Banco Mundial

Ajay Banga afirma que é preciso fechar brechas legislativas na cobrança de impostos

Júlia Moura

Rio de Janeiro

O grande debate em torno da tributação dos super-ricos não seria o X da questão para que países angariem mais dinheiro para financiar o desenvolvimento sustentável, segundo o presidente do Banco Mundial. Para Ajay Banga, 64, o mais importante é evitar as brechas legislativas na cobrança de impostos nos países, de modo a implementar a tributação progressiva de forma justa.

Depois de quatro dias de reuniões e eventos relacionados ao G20 ao fim de julho, o executivo avalia que a presidência brasileira do grupo das maiores economias do mundo foi bem-sucedida e teve um “enorme avanço” ao fazer com que os demais países se comprometessem a fomentar o diálogo sobre uma tributação justa e progressiva no comunicado final.

Depois de passar por PepsiCo, Citibank e Mastercard, Banga assumiu em 2023 a chefia o Banco Mundial, instituição financeira internacional que fornece empréstimos e assistência técnica para países em desenvolvimento com o objetivo de reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável.

Por sua carreira como executivo, conhece Lula desde o início do seu primeiro mandato, em 2003, e se diz impressionado com a energia e o foco do presidente 21 anos depois.

Com tantas visitas ao Brasil, Banga virou fã de Brahma e do chef Alex Atala e um entusiasta da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e do Bolsa Família.

Esbanjando uma simpatia típica dos brasileiros, Banga conversou com a Folha ao fim da reunião de ministros de Finanças e presidentes dos bancos centrais do G20, no Rio de Janeiro.

Como foram as últimas reuniões do G20? Os objetivos da presidência brasileira foram alcançados?

Vejo um resultado relativamente bom para o Brasil, que colocou a fome e a alimentação na agenda. Agora, é preciso financiamento e implementação. O trabalho árduo será nos próximos três a cinco anos. Mas, por enquanto, é um bom avanço.

Há também um grande esforço para conectar as pessoas à reflorestação da Amazônia e ao trabalho que a ministra do Meio Ambiente está fazendo. Ela é simplesmente fantástica, aliás. Eu adoro o trabalho que Lula está fazendo na Amazônia porque isso faz com que você seja visto como um jogador responsável no mundo. Acho que vocês estão indo na direção certa.

O terceiro grande objetivo brasileiro é a tributação progressiva. Incluí-la no ‘Communiqué’ foi um enorme avanço.

Quais os maiores entraves para a implementação da tributação progressiva?

É desafiador, pois há muitas maneiras de implementá-la. Um imposto sobre valor agregado no consumo é considerado o imposto progressivo definitivo porque, se você consome mais, você paga mais. A Europa dirá que essa é a melhor maneira de fazer isso, mas nem todos os países pensam assim. E, mesmo dentro de um país, raramente há unidade sobre tributação. Se você colocar dez economistas para falar sobre tributação, eles te darão dez respostas diferentes.

Quando Warren Buffett diz que paga menos impostos do que sua secretária, isso acontece porque a renda dele é principalmente de ganhos de capital, enquanto a renda de sua secretária é salário. E os impostos sobre a salário são mais altos do que os impostos sobre ganhos de capital nos Estados Unidos.

Então, a questão não é que os ricos paguem mais. A questão é fechar as brechas que permitem que certos tipos de renda das pessoas sejam tratados de maneira muito diferente dos outros.

É um tópico muito complicado que o presidente [Lula] decidiu enfrentar. Se ele conseguir causar impacto para fazer as pessoas concordarem com a tributação progressiva, todos devemos pensar nisso como um resultado muito bom.

No início das discussões sobre a proposta do Brasil de taxar os ricos, a percepção era que os EUA eram fundamentalmente contra. O que mudou ao longo da presidência brasileira para a inclusão dessa proposta no comunicado final?

Os EUA eram contra o imposto sobre bilionários, que simplesmente diz que se 2% da riqueza de cada bilionário fosse tributada, em teoria, você poderia arrecadar entre US$ 200 bilhões e US$ 300 bilhões, embora seja difícil estimar a riqueza real dos bilionários.

O problema é que muitos deles têm dinheiro preso em ativos ilíquidos. Propriedades, fábricas, participações em empresas. Elon Musk, por exemplo, dependendo do preço da [ação da] Tesla, sua fortuna sobe e desce dezenas de bilhões. Se você pensar na situação dele, como ele faria, se tivesse que pagar 2% todo ano? Ele teria que vender ações todo ano. Não é como se ele tivesse US$ 50 bilhões em dinheiro.

Então, impostos sobre renda e impostos sobre riqueza são coisas muito diferentes. E acho que você tem que pensar nisso da perspectiva de diferentes países. Não há uma resposta certa ou errada. O verdadeiro trabalho aqui é arrecadar mais recursos para os pobres, para a fome e para o clima. Se você conseguir isso através da tributação progressiva, que é conforme você ganha mais, você paga mais, essa é uma solução bastante boa.

Um dos dilemas econômicos atuais é o crescente protecionismo global. Como o senhor enxerga isso?

Há fragmentação e realinhamento político. A questão mais importante é que, ao longo dos anos, grande parte do mundo desenvolvido, que terceirizou sua manufatura para o mundo em desenvolvimento, não reinvestiu totalmente em suas pessoas que perderam empregos e oportunidades ao longo do tempo. É muito fácil criticar agora, mas isso não aconteceu da noite para o dia, foi ao longo de 30 anos, 40 anos.

Se todos tivéssemos gasto dinheiro suficiente para ajudar a requalificar, reeducar, fornecer outras opções de crescimento para essas pessoas, talvez politicamente cada país estivesse em um lugar diferente. Mas você pode ver que a política no mundo desenvolvido está toda voltada para a reação em relação aos empregos e manter as coisas em casa.

A outra parte do problema é a geopolítica e a segurança nacional, e este mundo globalizado está começando a se tornar mais controlável. Talvez países com ideias semelhantes comercializem mais entre si. Esse é um dos tópicos interessantes para os próximos três, quatro anos, que os futuros G20 terão que enfrentar.

Muitas empresas estão diversificando suas cadeias de suprimentos, não apenas por causa da política. Hoje, levar um navio de carga pelo Mar Vermelho se tornou um problema. Levar um navio pelo Canal do Panamá se tornou um problema porque não há água suficiente. Então, se você está construindo uma cadeia de suprimentos global e confiava no fato de que eu sei que aquele navio estará aqui no dia tal, bem, agora ele não está chegando a tempo. Ou está demorando quatro semanas a mais e está custando US$ 5.000 a mais por contêiner. Tudo está mudando.

Eu costumava falar há dez anos que a manufatura 3D mudaria a natureza do comércio, que você não precisaria mais fabricar bicicletas em um país e levá-las para outro, por exemplo. Você poderia produzi-las via impressão 3D. Então, tudo o que você precisará é do metal e da liga necessários. Esse é um tipo de comércio muito diferente.

A [evolução da] tecnologia, a inteligência artificial, a impressão 3D, além da globalização e da política, estão mudando onde as coisas serão feitas, vendidas e transferidas. E isso tudo é muito inicial, essas tecnologias ainda não foram comercializadas em grande escala, então o comércio vai mudar, assim como os empregos.

Essa mudança poderia tornar gigantes multinacionais ainda mais poderosas que muitos países?

Se você parar e pensar com calma, eu só opero em um país porque o país quer que eu esteja lá. Se você quiser me fechar, pode. Essas são coisas mutuamente benéficas. As empresas têm que operar com a consciência de que não é seu direito de nascença trabalhar em um país. Elas estão lá porque o país precisa delas, e, portanto, elas têm a responsabilidade de fazer a coisa certa.

Como o Brasil se encaixa nesse contexto de mudanças?

O Brasil está em uma posição única para tirar proveito disso porque vocês têm mão de obra e energia renovável. Então, o Brasil tem a capacidade de ligar suas pequenas empresas a essas cadeias de suprimentos [globais], mas vocês têm que fazer algumas coisas, como reduzir as barreiras comerciais porque se cada vez houver fricção, preencher 12 formulários, arquivar isso, ir a vários lugares, ninguém vai fazer porque o outro país faz isso digitalmente.

Vocês também têm que fornecer melhores institutos de capacitação e arranjar mais crédito para pequenas empresas.

Como o senhor vê a economia brasileira agora e nos próximos anos?

No último ano ou dois, a economia brasileira se estabilizou e está melhorando. Acho que as finanças públicas estão ficando sob controle, embora haja mais trabalho a ser feito, e Fernando Haddad tem que fazer isso.

O que me impressionou foi que, com uma minoria no Congresso, vocês conseguiram fazer a reforma tributária, com a qual eu lido com o Brasil há muitos anos como executivo de empresa privada. Honestamente, a reforma tributária era muito necessária. É uma coisa muito boa que foi feita. É um sinal muito bom de onde estão tentando chegar.

RAIO-X | AJAY BANGA, 64 Nascido em Khadki, na Índia, formou-se em economia pela St. Stephen’s College, com pós-graduação pelo Indian Institute of Management. Começou sua carreira na Nestlé do seu país, como estagiário. Treze anos depois, foi chefiar o marketing de salgadinhos da PepsiCo na Índia. Em 1996, foi trabalhar no Citigroup, do qual virou CEO da divisão Asia-Pacifico em 2008. No ano seguinte, foi para a Mastercard, onde virou presidente em 2010. Dez anos depois, foi eleito presidente da Câmera Internacional de Comércio. Nesse meio tempo incorporou os conselhos da Cruz Vermelha Americana, Kraft Foods e Dow Inc. Em 2022, virou vice-presidente da General Atlantic e, no ano seguinte, foi nomeado por Joe Biden para chefiar o Banco Mundial em um mandato de cinco anos.


Fonte: Folha de São Paulo

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