Empresas de tabaco, cerveja e petróleo tentam fugir de ‘imposto do pecado’
Congresso debate regulamentação de novo tributo, e governo propõe tributar até carro elétrico; setores contestam
Brasília
Representantes de empresas de tabaco, bebidas alcoólicas, refrigerantes, petróleo e automóveis tentam fazer com que o Congresso deixe seus produtos fora do alcance do Imposto Seletivo, criado pela reforma tributária para ser aplicado a itens prejudiciais à saúde ou ao ambiente.
A Câmara dos Deputados debate atualmente a quais produtos e serviços será aplicado o novo tributo, também chamado de “imposto do pecado” —o que pode trazer impactos significativos e a longo prazo aos segmentos escolhidos. Em audiência nesta segunda-feira (24), as empresas apresentaram argumentos para tentar convencer os parlamentares.
O ponto de partida da discussão é um projeto de lei enviado pelo Ministério da Fazenda para regulamentar o imposto, criado pela emenda constitucional da reforma tributária —promulgada no fim de 2023.
O assessor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Nelson Leitão Paes, abriu a audiência pública e disse que parte dos itens a serem tributados estão previstos hoje na Constituição —como bens minerais extraídos.
A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) tem, ainda segundo o secretário, países que tributam veículos e os que tributam combustível. “Mas o veículo nos parece mais indicado para o imposto”, disse.
Luiz Carlos Moraes, vice-presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), rebateu a exposição da Fazenda. Para ele, o aumento de tributação encarecerá esse tipo de produto, fazendo com que a frota brasileira envelheça, poluindo mais e causando mais acidentes.
“É um absurdo incluir os automóveis nessa tributação. O mais grave é a total contradição entre os objetivos da proposta e os resultados que virão na prática. Incluir os automóveis só vai trazer prejuízo à saúde da população e mais gastos ao sistema de saúde”, disse.
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) defendeu na audiência que os carros elétricos também sejam alvo do Imposto Seletivo. A pasta defende a lógica aplicada pelo recém-aprovado projeto do Mover, que prevê mais tributação conforme mais poluidor o veículo é.
“A bateria do veículo elétrico tem pegada de carbono, então isso tem que ser contabilizado”, afirmou Margarete Gandini, diretora de departamento no Mdic.
Pela Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo, falou a economista Bianca Xavier. Na mesma linha ela também alegou que a inclusão do petróleo na lista não trará os resultados almejados.
“Há uma confusão muito grande quando se fala de petróleo e do seu produto. O petróleo não faz mal ao meio ambiente se comparado com outros processos produtivos. A produção de petróleo é responsável por menos de 1% das emissões de carbono. Não confundam o que acontece após com a extração do petróleo”, disse.
Márcio Maciel, presidente executivo do Sindicerv (Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja), ressaltou a relevância do setor para a economia brasileira e o apoio dado a políticas de combate ao consumo excessivo. A entidade representa 85% da produção da bebida no país.
“A gente lida com 27 legislações de ICMS. Somos um dos setores que enfrenta muito a realidade tributária complexa que o Brasil tem e um dos setores que mais paga imposto, mais de R$ 50 bilhões ao ano, com as mais de 1800 cervejarias pelo país”, disse.
Segundo Maciel, a cerveja é a bebida com menor teor alcoólico no mercado brasileiro. “Para combater consumo nocivo, é preciso que a tributação seja feita com base no teor alcoólico das bebidas de forma progressiva”, disse. Além disso, ele defendeu que os pequenos produtores também tenham tratamento diferenciado.
Para o gerente executivo da Abifumo (Associação Brasileira da Indústria do Fumo), o aumento da tributação terá efeito reverso. Ou seja, perda de arrecadação para o contrabando. “É uma inverdade que aumentar a tributação vai reduzir o consumo. Hoje, 40% do mercado de cigarro é ilegal. O Brasil deixou de arrecadar R$ 100 bilhões nas últimas décadas”, afirmou.
De outra perspectiva, Marcos Woortmann, diretor-adjunto do IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade), afirmou que o Imposto Seletivo não se trata de uma punição, mas um instrumento importante para financiar a mitigação de efeitos negativos sobre os setores tributados, como o sistema de saúde, programas de regeneração ambiental, dentre outros.
“Nós estamos aqui lado a lado com pessoas que têm perfeita consciência dos males que suas indústrias causam”, disse. Woortmann disse ainda que é preciso pensar de forma integrada. “O que está em jogo nesta Casa não é apenas a reforma tributária. É a economia política do país para as próximas décadas e o próximo século, que não pode mais repetir os danos aos meios de sustentação da vida, que foi a regra do século 20.”
Fonte: Folha de São Paulo