Toffoli inaugura terceira via no julgamento que pode descriminalizar porte de maconha

Ministros já formaram maioria para que seja definido um parâmetro para diferenciar o usuário de drogas do traficante

Carolina Ingizz

Ao votar nesta quinta-feira (20/6) no julgamento que pode descriminalizar o porte de maconha no Brasil, o ministro Dias Toffoli inaugurou uma terceira via. O ministro votou por negar provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 635.659 e considerou que o artigo 28 da Lei de Antidrogas nº 11.343/2006 é constitucional. 

Na visão do ministro, o artigo 28, ao nem mesmo estabelecer a prisão simples do usuário de drogas, já descriminalizou o porte de drogas para uso próprio. “Leio as normas no sentido de que descriminalizaram a conduta prevista, não só despenalizaram”, disse o ministro. 

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Seguindo essa interpretação, ao analisar o caso concreto, Dias Toffoli entendeu que a punição de dois meses de serviços comunitários imposta ao usuário está de acordo com o previsto no artigo 28 e que ela não acarreta nenhum efeito penal. Por isso, votou por negar provimento ao recurso apresentado. 

Quanto à questão dos critérios para diferenciar usuários de traficantes, o Plenário já formou maioria pela necessidade de definição de parâmetros objetivos. Há divergência, contudo, em relação à quantidade máxima que um usuário de maconha pode portar: se são 25 gramas ou 60 gramas, por exemplo. Toffoli votou para que o critério seja definido pelo Executivo e Legislativo em até 18 meses.

Além da posição de meio-termo inaugurada por Toffoli, o placar está em 5 a 3 para a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal e pelo provimento do recurso. Votaram a favor da descriminalização do porte de maconha os ministros Gilmar Mendes (relator), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber. Já os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques e André Mendonça votaram pela constitucionalidade do artigo 28. Para eles, o consumo deve continuar a ser criminalizado.

O julgamento terá continuação na sessão da próxima terça-feira (25/6). Faltam os votos dos ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia. Como Rosa Weber adiantou seu voto antes de se aposentar no ano passado, o ministro Flávio Dino não irá votar sobre a descriminalização.

Legalização das drogas?

Antes do início do julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal, informou que conversou com o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil antes do início da sessão. Barroso diz que reafirmou para ele que os ministros do Supremo são contra o consumo de drogas e que, independentemente do resultado do julgamento, o uso de maconha continua sendo considerado ato ilícito, respeitando a vontade do legislador.

Segundo Barroso, o julgamento do RE se centra em dois pontos: primeiro, determinar se o porte de maconha é um ato ilícito penal ou um ato ilícito de natureza administrativa; em segundo lugar, determinar qual é a quantidade que diferencia o porte para consumo pessoal de tráfico.

Após a fala de Barroso, o ministro André Mendonça pediu a palavra e reiterou que, para ele, o tema deveria ser tratado pelo Congresso. “A grande verdade é que estamos passando por cima do legislador caso essa votação prevaleça com a maioria que hoje está estabelecida. O legislador definiu que portar drogas é crime, transformar isso em ilícito administrativo é ultrapassar a vontade do legislador”, disse. 

Voto do ministro Dias Toffoli

Após a discussão inicial dos ministros sobre o julgamento, o ministro Dias Toffoli fez a leitura do seu voto-vista. No começo de sua fala, ele ressaltou que, em nenhuma hipótese, está se discutindo a possibilidade de se autorizar a comercialização ou o fornecimento de drogas. “Não se cogita a permissão ou a estimulação ao uso de cannabis ou outras drogas ilícitas, especialmente em ambientes públicos”, disse o ministro. 

Toffoli também aproveitou para reiterar que, independentemente das posições individuais dos ministros, a decisão colegiada que resultar do julgamento vai demarcar a posição da Corte como um todo.

Quanto ao mérito, o ministro disse que vê como legítima a opção do legislador de adotar medidas sancionatórias para tentar reprimir o consumo de drogas no país. Para ele, cabe ao Congresso Nacional trabalhar para atualizar a política nacional de combate às drogas. “Estou convicto de que tratar o usuário como um tóxico delinquente, um criminoso, não é a melhor política pública de um Estado social democrático de direito”, afirmou.

Ao longo do voto, Dias Toffoli lembrou que o álcool é classificado como uma droga depressora do sistema nervoso central e que seu consumo é fator causal de mais de 200 doenças e lesões, sendo associado principalmente a distúrbios mentais e comportamentais.

“Algumas drogas hoje aceitas e até incentivadas socialmente, como o álcool, continuam lícitas, mesmo causando danos à saúde, à vida e à sociedade. Enquanto outras, agora proibidas sob ameaça de sanção penal, eram anteriormente lícitas”, disse o ministro.

Toffoli fez um histórico da criminalização das drogas no Brasil e no mundo. O ministro citou que a atual política brasileira se deu após o início da política norte-americana popularmente conhecida como “guerra às drogas”, instituída pelo presidente Richard Nixon em 1971. “Nos Estados Unidos, a criminalização das drogas foi associada a preconceitos raciais e xenófobos”, disse o ministro.

Ao votar sobre o tema da repercussão geral, além de reconhecer a constitucionalidade do artigo 28 e reconhecer que a aplicação das medidas previstas nele não acarreta nenhum efeito penal, Toffoli também votou para que o Supremo faça um apelo para que o Legislativo e o Executivo formulem, em até 18 meses, uma política pública de drogas com a fixação de critérios concretos para diferenciar usuário de traficante.

O ministro também votou por determinar que a futura política pública de combate às drogas envolva todos os órgãos federais, passando pela Saúde, Anvisa, Ministério da Educação e Conselho de Segurança Público.

Além disso, defendeu que fosse feito um apelo aos outros Poderes para que garantam dotações orçamentárias suficientes para cumprir as medidas previstas na política antidrogas.

Por fim, propôs que haja uma campanha permanente de esclarecimento público dos malefícios do uso de drogas, como existe com o cigarro.

Histórico do julgamento

O julgamento começou no Supremo em 2015, com o voto do relator, o ministro Gilmar Mendes. Inicialmente, Mendes votou pela descriminalização do porte de todo e qualquer tipo de droga. No seu voto, ele defendeu que as sanções previstas no artigo 28 da Lei Antidrogas fossem mantidas como sanções administrativas, deixando de lado os efeitos penais.

O ministro argumentou que “a criminalização do porte de drogas para uso pessoal afigura-se excessivamente agressiva à privacidade e à intimidade”. Para ele, não seria necessário recorrer ao direito penal para tentar controlar o consumo de drogas quando existem outras medidas eficientes de natureza não penal, como a proibição do consumo em lugares públicos e a limitação de quantidade compatível com o uso pessoal.

Na sequência, o ministro Fachin votou também pela inconstitucionalidade do artigo 28, mas restringiu seu voto à maconha, que foi a droga apreendida com o autor do recurso. Ele argumentou que atuar fora dos limites do caso poderia levar a intervenções judiciais desproporcionais.

Sobre a necessidade de estabelecer parâmetros objetivos que possibilitem a diferenciação entre o uso e o tráfico, Fachin afirmou que é atribuição legislativa determinar esses critérios. “Se o legislador já editou lei para tipificar como crime o tráfico de drogas, compete ao Poder Legislativo o exercício de suas atribuições, no qual defina, assim, os parâmetros objetivos de natureza e quantidade de droga que deve”, afirmou o ministro.

Terceiro a votar, o ministro Barroso acompanhou o voto de Fachin pela descriminalização do porte apenas da maconha, mas propôs que o porte até 25 gramas da droga ou a plantação de até seis plantas fêmeas sejam utilizados como parâmetros para diferenciar quem é usuário de quem é traficante até que o Congresso decida sobre o tema.

“O custo [da criminalização] tem sido imenso – em recursos drenados para a repressão, para o sistema penitenciário, nas vidas de jovens que são destruídas no cárcere, no poder do tráfico sobre as comunidades carentes – e os resultados têm sido pífios: aumento constante do consumo”, disse o ministro.

Após os três primeiros votos, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Teori Zavascki, morto em janeiro de 2017. Em novembro de 2018, o ministro Alexandre de Moraes, sucessor de Zavascki, devolveu o pedido de vista, mas só cinco anos mais tarde, em 2023, é que o tema voltou à pauta do Supremo.

Moraes, em agosto do ano passado, votou pela descriminalização do porte de maconha para consumo e propôs que seja presumido usuário aquele que adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo até 60 gramas de maconha ou até seis plantas fêmeas. A presunção, segundo Moraes, seria relativa, cabendo à autoridade policial verificar se há outros critérios caracterizadores de tráfico de entorpecentes, como a presença de itens como balança e cadernos de anotação.

Após o voto de Moraes, Gilmar Mendes pediu tempo para que pudesse revisar sua posição. Na sessão seguinte de julgamento do recurso, o ministro reajustou seu voto, restringindo a descriminalização do porte de drogas somente para a maconha. Quanto ao parâmetro que diferenciaria usuário de traficante, o relator defendeu que houvesse um critério definido e se mostrou aberto a utilizar as propostas dos ministros Barroso (25g) e Moraes (60g).

Na sequência, foi a vez de Cristiano Zanin votar. O ministro foi o primeiro que negou provimento ao recurso, votando pela constitucionalidade do artigo 28 da Lei Antidrogas. Ele, no entanto, foi favorável à ideia de que a Corte deva fixar critérios para diferenciar usuários de traficantes, sugerindo a quantidade de 25 gramas ou seis plantas fêmeas como parâmetro.

Após a manifestação de Zanin, o julgamento foi suspenso com o pedido de vista de Mendonça. Antes de encerrar a sessão, a ministra Rosa Weber, então presidente da Corte, decidiu adiantar seu voto. Acompanhando o relator, ela deu provimento ao recurso e votou pela descriminalização da maconha para uso pessoal. No caso concreto, ela votou pela absolvição do usuário.

Em março deste ano, com a retomada do julgamento, o ministro André Mendonça apresentou seu voto acompanhando a divergência inaugurada por Zanin pela constitucionalidade do artigo 28, da Lei de Drogas.

Mendonça também propôs que o Supremo determine ao Congresso que legisle sobre a quantidade de drogas para diferenciar traficante e usuário e, durante esse período, o perfil de usuário fica sendo a apreensão com até 10 gramas, acima disso será enquadrado como traficante.

Na sequência, o ministro Nunes Marques também votou contra a descriminalização. Para ele, a existência de uma discricionariedade sobre a classificação de traficantes e usuários é da atividade judicante. Em sua opinião, não é possível descriminalizar a maconha porque pode ter impactos econômicos, sociais e na família brasileira. “Devemos ter prudência nas nossas decisões”, disse.

Caso concreto

A Defensoria Pública de São Paulo entrou com o RE 635.659 questionando um acórdão do Colégio Recursal do Juizado Especial Cível de Diadema, em São Paulo, que manteve a condenação de um homem à pena de dois meses de prestação de serviços comunitários pelo crime de porte de drogas para consumo pessoal. A Defensoria argumenta que o ato não afronta a saúde pública, só a saúde pessoal do usuário, quando muito. No recurso, ela questiona também a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas nº 11.343/2006, que classifica como crime o porte de entorpecentes para consumo próprio. O principal argumento é que o dispositivo contraria o princípio da intimidade e da vida privada, uma vez que a ação não implicaria em danos a bens jurídicos alheios.


Fonte: JOTA

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