Indústria quer reforma tributária equânime e juro menor. É muito?’, questiona Guilherme Gerdau
Presidente do Iedi e do conselho da siderúrgica diz que setor não conseguirá competir, caso a regulamentação da reforma não caminhe nesse sentido
Guilherme Gerdau nasceu dentro de uma indústria. Aos 51 anos, ele ocupou diversos cargos na empresa de sua família, na qual trabalha há mais de 30 anos e hoje é presidente do conselho. Assumiu a posição de presidente do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) recentemente, num momento particularmente desafiador para o setor, que enfrenta mudanças estruturais, tanto geopolíticas quanto tecnológicas, globalmente.
Para ele, todos os países estão regionalizando e dando força local à sua indústria e o Brasil começa a aderir ao movimento. O Iedi tem ajudado o governo a estabelecer metas para a Nova Indústria Brasil (NIB, o programa setorial da gestão Lula).
Segundo Gerdau, o setor não conseguirá competir, caso a regulamentação da reforma tributária não caminhe nesse sentido. “Para a indústria, uma reforma tributária mais equânime é a demanda número um”, diz. “Também é preciso haver prioridade para ter juros menores, que só serão possíveis com uma condição fiscal acertada, para podermos investir e crescer. É pedir muito?”. Leia, a seguir, trechos da entrevista:
O setor industrial vive um momento particularmente desafiador globalmente, com mudanças estruturais, tanto geopolíticas quanto tecnológicas. Ao mesmo tempo, há tropeços locais, como a MP do PIS/Cofins da semana passada (com mudanças de regras tributárias e não aceita pelo Congresso), que gerou muito protesto na indústria. Como o Iedi tem se posicionado em relação a essas situações?
O IEDI é apartidário e multissetorial, o que permite um olhar mais isento no longo prazo. O mundo vive uma mudança estrutural importantíssima porque, hoje em dia, não há país que não queira defender sua indústria. Saímos de um momento de globalização para a regionalização das cadeias, com planos de fortalecimento da indústria em cada um dos países.
O Brasil tem enxergado esse momento?
O Brasil começa a querer enxergar isso. A Nova Indústria Brasil foi esse primeiro movimento de sensibilização do governo de que a indústria é importante, gera riqueza e emprego qualificado. Não existe economia que cresça sem o fortalecimento da indústria. O Iedi está ajudando a definir quais são as unidades de entrega do programa. O plano do NIB é amplo, mas tem pouco recurso associado, de R$ 300 bilhões para quatro anos. Estamos tentando definir como a gente caracteriza, monitora e descobre caminhos para que essas entregas aconteçam efetivamente. Temas de infraestrutura, moradia, mobilidade sustentável foram capturados pelo programa.
Esses temas vão em linha com o que o Iedi considera essencial para o setor?
Sim, mas a indústria não conseguirá crescer no País sem algumas alavancas super importantes, como um mercado de gás natural bem estabelecido. Hoje, pagamos o gás natural no Brasil três vezes mais caro que nos EUA, por exemplo, em contratos de longo prazo e volumes importantes. No País, temos problema de indisponibilidade de gás, insegurança jurídica e preço. Não existe industrialização hoje em dia no mundo sem energia competitiva.
Falta um plano de Estado para aumentar a disponibilidade de gás?
O marco regulatório, por exemplo, continua incerto. Qual será a regra? Qual que será o papel efetivo da Petrobras? Essa é uma foto importante da gente mostrar. O saneamento, pouco tempo após a aprovação do marco regulatório, está mudando de cara no País. São exemplos como esse que a gente tem de reconhecer, repetir, sem ameaça de mudanças no meio do caminho, porque está funcionando. Tomara que aconteça o mesmo com a Sabesp, que sairá de um investimento de R$ 3 bilhões para R$ 10 bilhões por ano.
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Infraestrutura é sempre um ponto que vários setores reclamam?
Hoje, o Brasil está investindo em torno de 1,5% do PIB em infraestrutura. Deveria estar investindo 4%. Não existe outro fator mais importante para o aumento da produtividade do que a infraestrutura, como vimos na Coreia, na China e na Ásia como um todo. O Brasil já perdeu o bônus demográfico e, se a gente não tiver ganho de produtividade, não terá crescimento. Só que o investimento em infraestrutura precisa de segurança jurídica e taxas de juros de longo prazo competitivas. Com o custo de capital como está hoje, de 10,5%, não dá. Não tem como atrair investimento.
Quais outros pontos o Iedi considera essenciais para a retomada da indústria?
A reforma tributária é essencial, mas há sinais de que grupos de interesse têm conseguido exercer influência para atender a um ou a outro setor. Esperamos que, no processo de regulamentação, a reforma não vire uma colcha de retalhos. Hoje, a indústria paga muito mais do que o resto do setor produtivo. É preciso existir uma homogeneização nesses tributos. Hoje, por exemplo, 7% do que é exportado é imposto, sem possibilidade de compensação desses créditos tributários.
São temas que já foram diagnosticados, mas o problema é medir a execução?
Exato, uma coisa é estar no papel. Agora, a gente tem de fazer isso acontecer. O Brasil está sobre-diagnosticado. Todo mundo sabe quais são os problemas. Não existe surpresa. Falta capacidade política de atuação.
O governo tem uma política expansionista de gastos e promete equilibrar as contas com arrecadação maior e corte de subsídios. Semana passada teve a surpresa do PIS/Cofins, sem noventena. Como o setor produtivo tem encarado essa pressão que acaba recaindo sobre as companhias?
Qualquer empresa precisa seguir três conceitos: resiliência para aguentar tantas mudanças simultaneamente, deixar as opcionalidades abertas (quando as companhias constroem balanços e posições, mas mantêm opções em aberto, assegurando flexibilidade dos negócios) e ter agilidade para mudar de direção. Porque essas mudanças de regra acabam implicando em mudanças de planos de investimento e podem, eventualmente, significar fechamento de unidades, por falta de competitividade. A necessidade de arrecadação maior veio da irresponsabilidade de não se reconhecer a necessidade de fazer reformas estruturais lá atrás. A reforma tributária deve ter um impacto em nossos custos (da Gerdau) de 11%. Serão R$ 250 milhões já neste ano, principalmente ligados à não tomada de crédito de PIS e Cofins. A MP da semana passada foi derrubada, mas gera insegurança. São regras que mudam o tempo todo. Quando a gente toma um susto que nem esse para tentar tapar buracos de orçamento, de um problema que não foi resolvido lá atrás porque a gente não fez as reformas estruturantes, isso só gera incerteza. Incerteza, para o investidor, é: ‘segura, não aprova, não faz, não vai, não acredita’.
O sr. disse que os juros altos impedem investimento. Tem como resolver?
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O principal fator propulsor de crescimento das economias em desenvolvimento é o custo capital. Disponibilidade de crédito e prazo. No Brasil, não temos a vantagem de ter custo de capital competitivo. O problema fiscal no Brasil, do jeito que está, não será resolvido. Precisaremos de reformas estruturantes robustas, senão não conseguiremos resolver o problema fiscal, e por consequência, a gente continuará vivendo num ambiente de taxa de juros muito alta. Os 10,5% (patamar da Selic) é a taxa básica. Para as empresas, mesmo para as grandes, é muito mais caro. Imagina o pequeno e médio negócio?
Lideranças ligadas à indústria reclamam de o setor não receber os mesmos subsídios do agro, que há anos tem linhas de crédito favoráveis e diferentes benefícios. O sr. busca o mesmo para o setor?
Para a indústria, uma reforma tributária mais equânime é a demanda número um. Queremos que a regulamentação da reforma não seja um reflexo do que é a sociedade, que busca atender a um interesse aqui e outro ali. Isso cria um terreno fértil para a judicialização, o contencioso e a insegurança jurídica. Também juros menores, que só serão possíveis com uma condição fiscal acertada, para podermos investir e crescer. Seria um ótimo começo. É pedir muito?
A Gerdau deve investir US$ 600 milhões numa fábrica de aços especiais no México. Essas incertezas ajudam nesse tipo de decisão?
O México tem sido uma porta de entrada competitiva para o mercado americano e vimos uma oportunidade de negócio lá. Somos líderes em aços especiais nas Américas. O Brasil vem patinando na produção automobilística há anos. Desde que comecei a trabalhar, o consumo de aço não cresce no País e a Gerdau vem concentrando produção. Tínhamos quatro unidades de aços especiais. Hoje, a gente tem duas grandes. Mas o maior motivo de ir para o México não são os problemas do Brasil, mas sim o fator México, que se tornou o maior parceiro comercial dos Estados Unidos. O México já está chegando à marca de 4 milhões de automóveis e tem um mercado crescente. Se o México melhorar sua infraestrutura e solucionar o tema da energia, deixará o Brasil muito para trás.
Como as enchentes no RS afetaram a Gerdau?
Estamos envolvidos emocionalmente nesse tema. As enchentes do rio Jacuí deram a sustentação ao meu tataravô, que começou o negócio com plantação de arroz em Agudo, em 1870. Só que, o que foi uma bênção do passado, é um dos pontos críticos que a gente vai ter de resolver. Estamos ajudando em várias frentes.
Como foi na prática ter a fábrica afetada?
Foi tudo muito rápido, a água subiu de um dia para o outro. A gente priorizou a segurança, como sempre, dos nossos times. O acesso a uma das fábricas, em Charqueada, foi interrompido e não sabíamos o que estava acontecendo na unidade porque a gente não conseguia se comunicar com os funcionários e não tínhamos acesso à planta. Mas rapidamente o sistema de escoamento funcionou. Em Sapucaia, encheu o rio e interrompeu o funcionamento das bombas. Mas as plantas não tiveram danos materiais nos equipamentos de produção. A paralisação se deu mais para que os funcionários pudessem cuidar de suas famílias.
Quantos funcionários foram afetados?
No total, 180 colaboradores perderam suas casas. Vamos reconstruir todas e colocar mobiliário de linha branca. Assumimos esse compromisso antes mesmo de saber o número de pessoas afetadas. Decidimos não abandonar ninguém nesse processo. Foi bonito ver o carinho que o Brasil todo teve com o povo do Rio Grande do Sul.
As tragédias climáticas têm se repetido. A Gerdau tem se preparado para isso?
A gente teve uma enchente em setembro, outra em novembro e essa agora. Com esse aumento de frequência, estamos trabalhando em um plano estruturado para poder remediar esse tipo de fenômeno.
Como os srs. preveem a retomada com a reconstrução do Estado? A enchente em si, num primeiro momento, não teve tanto impacto no PIB. Na reconstrução, talvez a gente comece a sentir o efeito positivo nos números de PIB. Estamos preocupados para ver como vai ser a governança dessa reconstrução, para que os agentes atuem de forma coordenada sem batalha política. Sempre vai ter, faz parte da política. Mas tem muita gente que depende de ações coordenadas, de que a coisa realmente aconteça e de que os recursos sejam devidamente alocados. Não vai dar para brincar, por conta do que está em jogo ali. Vamos ajudar nessa governança como Gerdau, como IG, o Instituto Gerdau e pelo IHG, Instituto Helda Gerdau, que é o da família. Com as águas baixando, vamos poder entender prioridades, recursos e execução para poder atacar tudo isso. Vamos olhar, inclusive, exemplos de lá de fora que passaram por tragédias semelhantes.
Fonte: Estadão