O recado do voto de Zanin sobre a desoneração da folha de pagamento
Por Raquel Landim
Ao suspender a desoneração da folha de pagamento de empresas e prefeituras, abrindo nova crise entre os poderes, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Cristiano Zanin, faz uma observação interessante.
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Lá no fim do seu voto, ele diz que concede a liminar até o julgamento do mérito ou a correção da infração constitucional e abre literalmente um parênteses: “com a oportunidade do necessário diálogo institucional.
Traduzindo do juridiquês para a realidade da política ao que ele se refere? Que Fernando Haddad, ministro da Fazenda, e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal, voltem para a mesa de negociação.
Até as “pedras” sabiam que Haddad recorreria ao Supremo Tribunal Federal se o Congresso Nacional permanecesse irredutível na desoneração da folha. O ministro fez diversos alertas porque a medida é inconstitucional, já que não aponta a origem dos recursos para a benesse.
Com a extensão do benefício dos setores produtivos para os municípios em ano de eleições, a conta ficou salgada demais – R$ 20 bilhões – para um governo com dificuldades fiscais e que se recusa a fazer reformas que cortem gastos.
Amparado na força dos lobbies empresariais e na proximidade das eleições municipais, que aumenta a pressão dos prefeitos, e na fragilidade política do governo Lula, o Congresso foi tocando de lado e deixando tudo como está. Haddad mandou um medida provisória, depois um projeto de lei, cuja urgência foi retirada.
Aliás, esse é um assunto que o Brasil “toca de lado” faz tempo. A desoneração da folha surgiu no governo Dilma, foi renovada por Michel Temer e Jair Bolsonaro e nunca demonstrou efetividade que a justificasse, apontam diferentes estudos.
Deputados e senadores dizem que foi uma “afronta” do governo recorrer ao STF, mas a medida é inconstitucional e é papel da Advocacia Geral da União (AGU) questioná-la. Contudo, é verdade que o governo Lula muitas vezes recorre ao Supremo por falta de maioria no Congresso, apesar da distribuição de ministérios, emendas e cargos.
Talvez num gesto de que o STF não quer mais “encampar” todas as brigas do Executivo, o ministro Luiz Fux pediu vistas. O prazo é de 90 dias. Um período que pode ser utilizado por Haddad e Pacheco para encontrar o “diálogo institucional” pregado por Zanin. Já estamos em maio e as empresas fizeram seu planejamento fiscal, o que demanda flexibilidade também da Fazenda para evitar perdas de postos de trabalho em setores já sensíveis. Estarão Haddad e Pacheco dispostos a conversar para finalmente chegar a um acordo?
Fonte: Estadão