Haddad diz que vai enviar nesta semana só um dos PLs de regulamentação da tributária

Previsão era entregar textos no início de abril; clima político e sucessão na Câmara deixam cronograma indefinido

O clima político ruim entre Executivo e Legislativo e a antecipação das articulações pela sucessão da presidência da Câmara deixaram o cronograma de votação dos projetos da reforma tributária indefinido.

Além dos obstáculos políticos, o envio dos projetos pelo governo, previsto inicialmente pelo Ministério da Fazenda para o começo de abril, também vem sofrendo atrasos.

Na noite desta segunda-feira (22), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse que o Executivo deve enviar nesta semana apenas um dos dois textos planejados pela equipe econômica, o que trata das regras gerais dos novos tributos —já sinalizando uma mudança da estratégia do governo.

Segundo ele, há um pedido do Congresso para que o projeto seja encaminhado até quarta-feira (24).

“Fechamos com o presidente todo o texto, não tem mais pendência com ele. Agora é um trabalho braçal. Já está em processo na Casa Civil tem muitos dias. É um texto de mais de 150 páginas, quase 200 páginas. É uma coisa muito grande. São dois projetos, está indo o mais robusto, porque o outro é administrativo”, disse.

Deputados ouvidos pela Folha afirmam que dificilmente a regulamentação da reforma será concluída neste semestre, dada a proximidade com o recesso parlamentar, que começa oficialmente em 18 de julho.

A votação deve se estender pelo segundo semestre, sobretudo após a realização das eleições municipais, contrariando a expectativa de Haddad de uma tramitação mais célere.

Os textos estão fechados, e as linhas gerais foram apresentadas a o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na sexta-feira (19). Nesta segunda, o ministro da Fazenda teve um novo despacho com Lula para validar detalhes.

“Hoje [segunda, 22] foi a última discussão com o presidente, a Casa Civil pediu para ele validar as pequenas últimas polêmicas que teve. […] São detalhes assim: o que é alíquota zero, o que é alíquota reduzida, o que é alíquota cheia”, afirmou Haddad.

“Mas são coisas que o presidente quis ver. Ele quis pessoalmente olhar para ver se tudo estava fazendo sentido. Até porque vai haver um amplo debate na sociedade, e ele queria estar seguro de que o texto tem consistência social também, não só econômica”, acrescentou.

Antes do envio dos projetos ao Congresso, Haddad conversou, no domingo (21), com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para falar sobre o posicionamento do governo em optar por dois projetos de lei complementar com as normas para a implementação da reforma tributária.

Um dos textos vai instituir a lei geral do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de estados e municípios, e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), do governo federal. O outro projeto vai tratar do comitê gestor e do processo administrativo do IBS.

Um terceiro projeto de lei ordinária foi elaborado para normatizar o funcionamento do FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional), que vai ser usado no futuro para distribuir recursos para estados e municípios.

Lira sinalizou a aliados que estuda a possibilidade de fatiar os textos que serão enviados pelo governo Lula para prestigiar diferentes grupos políticos ou partidos com as relatorias.

Esse movimento faz parte da estratégia do alagoano para agregar apoio em torno de um nome de sua escolha na disputa pela sucessão da presidência da Câmara, em fevereiro de 2025.

Lira não pode ser reeleito e tenta transferir seu capital político a um nome de seu entorno, numa tentativa de manter influência.

Além disso, lideranças afirmaram à reportagem, na condição de anonimato, que o presidente da Câmara pode tentar esticar o debate até o fim do ano para ter um trunfo nas negociações com o governo, uma vez que ele próprio reconhece que sua influência com os demais deputados deverá ser reduzida conforme a proximidade do pleito.

Por causa desse movimento, passou a circular nos bastidores da Casa a possibilidade de que o relator da PEC (proposta de emenda à Constituição) da reforma tributária na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), pudesse ter sua posição de protagonismo na relatoria dos projetos ameaçada.

Ribeiro, no entanto, tem apoio do Ministério da Fazenda, de integrantes de frentes parlamentares e de representantes do setor produtivo para seguir como relator.

Integrantes do governo estão atentos aos riscos e temem que o avanço da pauta econômica, sobretudo a regulamentação da reforma, esbarre nas negociações para atender a interesses ligados à sucessão.

Questionado sobre a relatoria dos projetos, Haddad reconheceu que há incertezas em relação à indicação de Ribeiro. “Isso [escolha dos relatores] é prerrogativa da Câmara. A notícia que eu tenho no Senado é que muito provavelmente o presidente Pacheco deve indicar o mesmo relator [da PEC]. Não tem essa mesma confirmação, vamos dizer assim, na Câmara”, afirmou.

Do mesmo partido de Lira, Ribeiro pode se fortalecer mais à frente como um candidato para a presidência da Câmara com os holofotes da reforma. Para isso, porém, ele também precisaria ter apoio de sua legenda, o PP.

Em 2023, ele foi escolhido para ocupar a função de relator da PEC por causa de um acordo político costurado por Lira com o MDB para obter apoio da sigla à sua reeleição naquele ano.

No fim de 2023, Lira sinalizou a interlocutores em conversas reservadas que ele poderia designar relatores diferentes aos projetos de regulamentação para dar celeridade à tramitação.

Na semana passada, Ribeiro deixou a liderança da maioria na Câmara e foi substituído pelo deputado André Figueiredo (PDT-CE), que é próximo de Lira.

Essa troca na liderança foi costurada pelo próprio presidente da Casa e foi lida por parlamentares como estratégia do alagoano em consolidar apoio do PDT na disputa por sua sucessão.

Com a mudança, Ribeiro se torna líder da maioria no Congresso Nacional. A interlocutores, o deputado afirmou que a decisão foi tratada com Lira previamente.

O líder da maioria é um parlamentar que representa o partido ou bloco com maior número de integrantes. Ele participa de reuniões do colégio de líderes, de negociações e tem direito a tempo de liderança nas sessões.

Em meio à possibilidade de fatiamento dos projetos, outros nomes despontam como candidatos às relatorias.

O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) é um dos que estão no páreo. Em conversas reservadas, ele vem defendendo um número maior de projetos.

A seu favor, Lopes conta com o fato de ter sido coordenador do grupo de trabalho criado no ano passado por Lira para facilitar a aprovação da PEC pelos deputados. Ao lado de Ribeiro, o petista foi um dos parlamentares mais engajados nas negociações do texto.

O deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), que também integrou o grupo de trabalho da reforma, é outro cotado para uma relatoria. Ele tem a seu favor seu histórico como secretário de Fazenda do Ceará e o bom trânsito com o Ministério da Fazenda.

A escolha de um novo nome, no entanto, é criticada por quem tem pressa em aprovar a regulamentação. Designar novos relatores que não estão familiarizados com o texto da PEC pode tornar o processo mais lento, dado que eles precisarão tomar pé dos meandros técnicos da reforma.

Nos bastidores, parlamentares comparam essa situação com o cenário que é esperado no Senado. Interlocutores do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmam que a tendência hoje é que o senador Eduardo Braga (MDB-AM) seja o único relator dos projetos da regulamentação, dando continuidade ao trabalho que fez na PEC.

Apesar das incertezas políticas e das negociações, deputados dizem que Lira pretende finalizar o processo de regulamentação ainda neste ano, uma vez que considera que a reforma tributária será seu grande legado à frente da presidência da Câmara. Desde o começo do processo, Lira se colocou como uma espécie de fiador da proposta.

As frentes parlamentares, que se reuniram para apresentar 13 projetos alternativos de regulamentação, vão pedir a Lira para montar uma comissão especial para juntar todas as propostas, as do governo e as da Câmara.

Adriana Fernandes , Idiana Tomazelli , Victoria Azevedo e Nathalia Garcia


Fonte: Folha de São Paulo

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