Deu ruim para o seguro obrigatório
Estado deve ter participação obrigatória numa série de atividades, mas atuar como legislador não quer dizer estatizar segmentos ou produtos, como acaba de acontecer com o seguro obrigatório de acidentes de trânsito
Ninguém tem dúvida, este governo é intervencionista e estatizante. Está na cartilha do PT que desenvolvimento se faz com a intervenção direta do Estado, agindo como locomotiva para puxar investimentos e realizar as ações necessárias para gerar riqueza para a nação. A experiência internacional tem mostrado que não há nenhum país em que o desenho petista, que não é mais do que a visão socialista latino-americana dos anos 1950, tenha dado certo. Mas isso é um mero detalhe.
Se alguém duvidava da visão intervencionista do governo, é só olhar o que se tentou fazer com a Vale, uma empresa privada, e o que está acontecendo com a Petrobras, uma empresa listada em Bolsa, para dirimir qualquer objeção. Faz parte do jogo e, pelo menos até a próxima eleição, muita água vai passar debaixo da ponte, com resultados bastante discutíveis.
O Estado deve ter participação obrigatória numa série de atividades, como saúde, educação, segurança pública, saneamento básico e transporte, além de uma ação normatizadora e fiscalizadora em outras, como finanças, seguros e geração e distribuição de energia e combustíveis. Mas atuar como legislador e xerife não quer dizer estatizar esses segmentos ou seus produtos, como acaba de acontecer com o seguro obrigatório de acidentes de trânsito.
A Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei de autoria do Executivo que reintroduz o seguro obrigatório para vítimas de acidentes de trânsito. Até 2019, esse seguro era o DPVAT. Naquele ano, o governo decidiu acabar com ele e, num ato legalmente discutível, transferiu a gestão do seguro obrigatório da Seguradora Líder, que era quem operava o DPVAT, para a Caixa Econômica Federal. Além disso, se apropriou das reservas técnicas da Seguradora Líder e as repassou para a Caixa fazer frente às indenizações do seguro obrigatório. Aqui temos duas ilegalidades. A primeira foi a transferência sem base legal e sem licitação de uma operação de seguro para uma empresa que não é seguradora. De acordo com a lei, apenas sociedades seguradoras podem operar com seguros, e a Caixa, com certeza, não é seguradora.
E, na segunda, tomou sem nenhuma base legal mais de R$ 4 bilhões das reservas técnicas da Seguradora Líder e os repassou para a Caixa usar no pagamento das indenizações do DPVAT. Como ao longo desse período não houve cobrança do seguro obrigatório, esse dinheiro acabou em novembro do ano passado, e a Caixa parou de pagar as indenizações
Agora, a Câmara aprovou um projeto de lei que estatiza o seguro obrigatório, rebatizado de Seguro Obrigatório Para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT), e entrega sua gestão exclusivamente para a Caixa, que segue não sendo seguradora, que não tem essa atividade entre seus objetivos sociais, nem estrutura para dar conta de um produto com complexidades específicas, como é o seguro obrigatório de acidentes de trânsito. Vale lembrar, ele abrange todo o território nacional. Atender a ocorrências nos Estados mais afastados requer uma expertise e uma rede que a Caixa não tem. A esperança agora é o Senado rever o que foi aprovado, mas será difícil isso acontecer.
Fonte: Estadão