STF tem reviravolta, derruba revisão da vida toda e poupa União de gastar R$ 480 bi

Ministros invalidam decisão tomada há pouco mais de um ano; AGU diz que medida ‘garante integridade das contas públicas’

Ana Paula Branco Cristiane Gercina Alex Sabino

São Paulo

Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) derrubaram a revisão da vida toda do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) pouco mais de um ano depois de aprovar a tese. A reviravolta é uma derrota para segurados.

A decisão, por outro lado, pode representar um alívio nas contas do governo federal. Segundo o anexo de riscos fiscais do PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024, o impacto era estimado em R$ 480 bilhões.

Por sete votos a quatro, a tese aprovada pela corte em 2022 foi derrubada. A revisão permitia incluir salários antigos, pagos em outras moedas, no cálculo de benefícios e, assim, aumentar o valor de aposentadorias.

O INSS afirmou que não se manifestaria. Em nota, o advogado-geral da União, Jorge Messias, disse que a decisão “garante a integridade das contas públicas e o equilíbrio financeiro da Previdência Social”.

O posicionamento dos ministros foi tomado ao analisar duas ações de 1999 que tratavam da constitucionalidade de pontos da reforma da Previdência do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

As mudanças na legislação trouxeram nova fórmula de cálculo dos benefícios e criaram o fator previdenciário.

As ADIs (ações diretas de inconstitucionalidade) 2.110 e 2.111 foram incluídas na pauta do STF pelo presidente da corte, Luís Roberto Barroso, na sessão que discutira o recurso da União contra a revisão da vida toda.

O julgamento dos chamados embargos de declaração contra a correção estava pautado para a tarde desta quinta, mas não chegou a ocorrer. Ao declarar que a reforma de 1999 é constitucional, 7 dos 11 ministros entenderam que não cabe mais a tese da revisão da vida toda.

O debate estava em torno da constitucionalidade do artigo 3º da lei 9.876. Ele trata do cálculo do benefício para quem ingressou no INSS antes e depois da lei de 1999.

A decisão a favor do fator previdenciário e do cálculo da reforma foi unânime.

Desse modo, os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Nunes Marques, Dias Toffoli, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso votaram a favor de tornar a regra de cálculo obrigatória, o que invalidou a revisão da vida toda.

Moraes foi o primeiro a votar. Ele disse ser a favor de manter a constitucionalidade do fator previdenciário, mas defendeu que isso não derrubaria a revisão da vida toda.

Em seus argumentos, disse que a regra da reforma de 1999 prejudicou os segurados que já estavam contribuindo para o INSS e beneficiou quem ainda iria entrar no sistema, o que seria inconstitucional

Obviamente houve um erro na aplicação da regra de transição”, disse o ministro.

Moraes leu, então, a tese aprovada em dezembro de 2022: “O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da lei de 9.876/99 e antes da vigência das novas regras constitucionais introduzidas pela EC 103/19 tem o direito de optar pela regra definitiva caso esta seja mais favorável”.

Zanin, primeiro indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), discordou. Para ele, o fator é constitucional e, com isso, a revisão da vida toda não é possível.

Nós não podemos aqui confirmar a constitucionalidade do artigo 3º e dizer que essa regra seria uma opção. Ora, justamente foram previstas três regras específicas, inclusive uma de transição, justamente para se preservar o equilíbrio do sistema previdenciário, é o que está na Constituição”, disse Zanin.

Barroso, responsável por apontar a impossibilidade de se escolher entre as duas regras de cálculo da reforma de 1999, votou com Zanin, assim como o recém-empossado Flávio Dino.

“Ninguém fica feliz em não atender o segurado. Mas temos de zelar pela integridade do sistema”, afirmou Barroso. “Todas as reformas da Previdência, infelizmente, não vêm para melhorar a vida do segurado, elas vêm para agravar a vida do segurado, porque os sistemas precisam ser minimamente sustentáveis.”

Houve embate entre os ministros. Moraes argumentou que o Supremo não poderia mudar entendimento em tese já firmada, referindo-se ao julgamento de 2022.

Zanin, por sua vez, foi mais a fundo. Ele lembrou que questões atuariais já haviam sido debatidas pelo STF em 2000, confirmando que a reforma de 1999 era constitucional.

Na nota da AGU (Advocacia-Geral da União), Messias destacou esse posicionamento da corte. “A decisão do STF garante segurança jurídica e confirma entendimento fixado pelo próprio tribunal há mais de 20 anos.”

Segundo ele, o resultado do julgamento do STF “trata-se de uma decisão paradigmática para o Estado Brasileiro”, em razão dos efeitos nas contas públicas, além de evitar “a instalação de um cenário de caos judicial e administrativo”.

Economista-chefe da Warren Brasil, ex-secretário da Fazenda de São Paulo e ex-diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), Felipe Salto elogiou a decisão em uma rede social.

“Supremo decide bem na questão da revisão da vida toda, mostrando que podemos, por vezes, nos esquecer da famosa frase: ‘no Brasil, até o passado é incerto'”, escreveu no X (antigo Twitter).

Para Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista da Folha, a decisão foi surpreendente, fez justiça e reafirmou a reforma da Previdência.

“É uma notícia muito positiva do ponto de vista das contas públicas”, afirmou, lembrando a economia projetada. “A decisão reforça a legislação da reforma da Previdência e tudo o que foi implementado desde então.”

Já a advogada Adriane Bramante, do conselho consultivo do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), criticou a forma como o caso voltou ao plenário.

“Era muito claro que o INSS não queria fazer a revisão. No curso desse processo, houve mudanças de ministros, e isso gerou mudança de entendimento, trazendo outras reflexões no STF e resultando no que a gente viu nesta quinta”, disse Bramante.

Tonia Galetti, advogada do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos), disse que o julgamento foi técnico, sem levar em conta questões sociais, como perda de renda dos segurados.

“Não foi um julgamento político, foi um julgamento técnico. Foi colocada a visão dele [Cristiano Zanin ] e os outros acompanharam. Quem é bom arruma técnica para resolver problemas.”


Fonte: Folha de São Paulo

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