Ideia de cobrança do Imposto Seletivo sobre alimentos industrializados preocupa o setor
A possibilidade de os alimentos ultraprocessados serem incluídos no Imposto Seletivo, previsto na reforma tributária para produtos nocivos ao meio ambiente e à saúde humana, é rechaçada pela indústria. O tributo, apelidado de “imposto do pecado”, foi aprovado no novo sistema tributário e será regulamentado por lei complementar nos próximos meses. Na prática, o mecanismo consiste em uma cobrança superior de taxas para itens como cigarro e bebidas alcoólicas.
“Qualquer reajuste de imposto vai aumentar o preço do produto no supermercado. Imposto Seletivo sobre alimentos é fazer a população pagar mais caro”, criticou o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), João Dornellas, durante o Seminário Alimentos, organizado pelo Lide e pelo Estadão, no dia 12 deste mês, na capital paulista.
É constrangedor falar em aumento de imposto sobre alimentos com parte da população em insegurança alimentar. Cobrar mais dos alimentos para que o brasileiro aprenda a comer é um erro. Taxar o ultraprocessado não vai baratear o alimento in natura.”
A definição sobre quais produtos serão tributados pelo Imposto Seletivo e quais serão as alíquotas adotadas está em processo de regulamentação. Entidades ligadas à medicina e a grupos de defesa dos consumidores pedem a inclusão dos ultraprocessados no grupo.
De forma geral, os alimentos estão inclusos no rol de regime especial de tributação, com uma alíquota estimada em 40% da carga padrão. De acordo com Dornellas, conforme a classificação atual de ultraprocessados, produtos como pão de queijo, pão de forma, molhos prontos e fórmulas infantis estariam sujeitos à tributação seletiva de ultraprocessados.
No Brasil, 19,7% da alimentação dos brasileiros é composta por alimentos ultraprocessados, revela a pesquisa mais recente de Orçamento Familiar do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Hoje, a carga tributária de alimentos industrializados é em média de 24,4% no País, enquanto a média de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 7%, segundo pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
Os especialistas questionam também a eficácia da tributação majorada sobre alimentos ultraprocessados como política pública de saúde. Entre os exemplos, a Abia cita o México que aumentou o imposto de 17% para 28% para bebidas açucaradas, ao mesmo tempo que o índice de obesidade e sobrepeso do país passou de 72% para 74,5%.
“Vejo um cunho bastante ideológico nesse tipo de política e de taxação. Há um foco hoje nas Américas em proibir os ultraprocessados nas políticas públicas dietéticas e de taxação, mas há vários produtos nutritivos classificados como ultraprocessados”, observou o engenheiro de alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Raul Amaral.
Saúde
Na área da saúde, a proposta dos especialistas como alternativa à tributação majorada de ultraprocessados é o fornecimento de subsídio a alimentos mais saudáveis, como frutas, legumes e verduras, e a promoção de programas de educação nutricional.
“Taxar alimentos não funciona, porque a obesidade tem causas complexas e multifatoriais, o comportamento do consumidor é difícil de mudar, tem efeito de substituição por outro não tributado, a natureza regressiva dos impostos vai onerar mais os pobres e sem educação nutricional não adianta tributar alimento”, disse a nutricionista e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (Sban) Márcia Terra.
Classificação
A classificação dos ultraprocessados também gera controvérsias no setor, que alega que ela não foi construída por cientistas de alimentos. O termo ultraprocessado foi definido em 2009 pelo professor Carlos Monteiro, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (USP) e também professor titular do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP. O conceito é baseado no processamento dos alimentos.
A definição atual é utilizada no Guia Alimentar para a População Brasileira do Ministério da Saúde, de 2014.
Pela classificação, os alimentos são divididos em cinco subgrupos: in natura (legumes, frutas), minimamente processados (grãos, farinhas, carnes e leite), ingredientes culinários (óleos, sal e açúcar), processados (pães, sardinha enlatada, queijos) e ultraprocessados (biscoitos recheados, macarrão instantâneo, refrigerantes, chocolate). O guia alimentar preconiza que a população deveria priorizar a alimentação in natura e evitar os ultraprocessados.
Exportação recorde
O Brasil exportou no ano passado o recorde de US$ 62 bilhões em alimentos industrializados, uma alta de 5,2% em valores nominais ante 2022, conforme dados da Abia. Em volume, os embarques somaram 72,1 milhões de toneladas, 11,4% mais que em 2022, consolidando o País como maior exportador de alimentos industrializados do mundo, ultrapassando os Estados Unidos.
Fonte: Estadão