Conselho busca maior previsibilidade em disputas judiciais para evitar bombas no fiscal
O aumento exponencial dos precatórios e processos judiciais que
somam valores bilionários acenderam um alerta no governo federal
sobre a necessidade de mapear e entender a dívida real e a dívida
que pode surgir. Ainda, o governo quer entender o que tem gerado
tanta judicialização e tentar imprimir alguma previsibilidade
sobre as bombas fiscais resultantes de disputas judiciais. Hoje, o
governo tem claro que é preciso informações mais claras e assertivas
para tentar combater de frente o problema dos precatórios.
Em entrevista exclusiva ao JOTA, membros do Executivo nacional
apontaram que a “União quer ser boa pagadora”, “quer negociar cada
vez mais” e “quer tentar reduzir riscos” mesmo diante da
imprevisibilidade própria de um processo judicial. A União quer evitar
ter que pagar valores bilionários de uma “hora para outra” e não quer utilizar mecanismos artificiais de controle das contas públicas como
teto para pagamentos de precatórios – que, inclusive, já foi
considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O
mapeamento dos problemas e a construção de soluções estão sendo
discutidas no Conselho de Acompanhamento e Monitoramento de
Riscos Fiscais Judiciais.
A conversa contou com a presença de Flávio José Roman, adjunto do
Advogado-Geral da União e Advogado da União substituto; de
Francisco Alexandre Colares Melo Carlos, secretário de Governança e
Gestão Estratégica da AGU; David Rebelo Athayde, subsecretário de
planejamento Estratégico da Política Fiscal, do Tesouro Nacional e
Pablo da Nóbrega, coordenador-geral de Despesas com Sentenças
Judiciais e Demais Encargos, do Ministério do Planejamento.
Após um ano de atuação, o Conselho vem mapeando deficiências na
Administração Pública, matérias mais judicializadas e problemas de
informações. Os temas previdenciários, o fornecimento de
medicamentos de alto custo e as disputas de servidores públicos estão
no radar do Conselho – as causas relativas a esses assuntos tendem a
ser pulverizadas pelo país e de difícil controle, não só em relação ao
número de ações, mas ao somatório do impacto aos cofres públicos.
Além disso, o grupo deve propor mudanças de comportamentos em
órgãos públicos do governo federal, deve tentar melhorar a qualidade
das informações que chegam a Brasília e começar a pensar em
estratégias como o uso de inteligência artificial.
“Ficou famosa a frase dos meteoros dos precatórios e a gente falou
‘olha o que a gente precisa encontrar para enfrentar de frente os
meteoros é ter planejamento, conceituação e uma linguagem clara de
comunicação para fornecer ao Judiciário – como determina hoje a
legislação – de forma clara uma consequência das decisões judiciais”,
afirmou Flávio José Roman, da AGU. “Até brinquei, se antes tinha um
meteoro, o que a gente tem hoje é uma conjugação de astros”,
complementou.
Judicialização de políticas públicas
Um tópico que o Conselho está atento é a judicialização decorrente de
políticas públicas. O grupo quer mapear políticas públicas que geram
disputas judiciais e, na sequência, propor alterações – seja na política
pública em si, na execução ou até mesmo na redação da norma. “O
primeiro momento é o de identificar e mapear desde a esfera
administrativa. Em um segundo momento, verificar melhorias em
relação àqueles temas, aquelas políticas públicas, aquela atuação
administrativa que têm gerado maior custo judicial. Olha a política
pública tal está gerando uma interpretação controversa que tem se
refletido em decisões desfavoráveis à União”, explica Pablo da
Nóbrega, do Ministério do Planejamento.
O índice de correção do FGTS, a Revisão da Vida Toda, o Programa
Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), incentivos ao
setor sucroalcooleiro são alguns dos exemplos de políticas públicas
que preocupam as finanças públicas e é o que o governo federal pretende evitar.
“Muitas das condenações não derivam da política pública em si, mas
da atuação administrativa deficiente, como a questão previdenciária.
Você tem a política pública desenhada, mas você verifica na prática
que a condenação e o custo judicial se dá, em muito, em decorrência da
própria inação administrativa”, diz Nóbrega. “Isso precisa ser
mapeado para que possa haver intervenção. A política pública que está
gerando a controvérsia pode ser reformada, por meio de alterações
legislativas, para que se reflita em um menor custo judicial”,
acrescenta.
Com inteligência artificial, maior acesso ao Judiciário, melhoria da
eficiência dos tribunais e plenários virtuais, a AGU sabe que a
judicialização ainda será um fato. Por isso, a melhora dos processos
administrativos e da qualidade da política pública ganham destaque.
Negociação, conversas com o Judiciário e valores da causa
Uma das dificuldades para mapear os riscos fiscais das ações judiciais é
o cálculo do valor real da causa. Há inconsistências de valores entre os
órgãos e nos valores constantes nas ações. Segundo Colares, da AGU, o
advogado fica mais concentrado em elaborar as manifestações e em
cumprir os prazos do Judiciário do que propriamente em revisar
valores. Portanto, melhorar a qualidade da informação é um item que
vem sendo trabalhado no Conselho.
“A informação que LOA (Lei Orçamentária Anual) hoje cumpre um
papel de monitorar principalmente aqueles processos maiores e acima
de R$ 1 bilhão de reais de causa estimada. Mas não necessariamente
aqueles processos que estão lá são, de fato, o melhor sinal daquilo que
vai impactar no futuro as contas [públicas]. Porque ali é uma visão de
risco contingente; aquilo que pode vir a impactar as contas de repente,
por isso, a gente pode pensar numa classificação adicional”, defende
David, do Tesouro Nacional.
Colares, da AGU, explica que o órgão tem tentado sensibilizar o
Judiciário sobre as chamadas “pauta bomba”, em que são julgados
muitos processos contrários à União e com valores bilionários de uma
única vez. O próprio AGU, Jorge Messias, tem feito esse trabalho, por
exemplo, com ministros do Supremo.
Questionado pelo JOTA se esse trabalho de sensibilização não poderia
de alguma forma atrapalhar a isonomia entre as partes e a
imparcialidade do processo, Colares explica que a AGU não quer
benefício processual ou benefício como parte, mas sensibilizar o
Judiciário que o estado tem uma responsabilidade fiscal a cumprir e
um Estado sustentável e com as contas em dia tem mais chances de
atender aos pleitos e de uma forma mais ágil. “É preciso entender que
esse problema não é um problema do Poder Executivo, não é apenas
um problema no Poder Judiciário, mas um problema de estado
brasileiro – e é um problema na verdade porque afeta a sociedade
como um todo”, defende.
Colares também explica que a AGU está imprimindo uma advocacia
mais moderna, com mais espaço para negociação e uso do Legal
Operation – ou seja, a ideia é maximizar a eficiência e a qualidade dos
serviços jurídicos através de práticas como gestão de pessoas e
processos, planejamento orçamentário, tecnologia e analytics.
“O objetivo da União é que ela volte a ser uma boa pagadora das suas
despesas. Isso é me parece ser importante”, justifica Colares.
O Conselho está acompanhando, participando e trazendo propostas
para a construção do Sistema Nacional de Precatórios e Requisição de
Pequeno Valor (RPV) que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
pretende implementar. Neste primeiro momento, um dos pontos de
melhoria que o sistema pode trazer é o acompanhamento mais
fidedigno dos valores envolvidos em custos judiciais.Flávia Maia – Repórter em Brasília.
Fonte: JOTA