Bancadas apresentam proposta para limitar ‘imposto do pecado’ da reforma tributária

Projetos de parlamentares e setor privado sobre concessões, exceções e Carf foram apresentados nesta segunda (18)

Eduardo Cucolo

São Paulo

Parlamentares e representantes do setor privado decidiram se antecipar ao governo e iniciar o processo de apresentação de projetos de lei para regulamentar a reforma tributária.

O objetivo é protocolar essas propostas antes que o Ministério da Fazenda apresente aquelas que estão sendo preparadas pelo governo com representantes de estados e municípios.

Dois projetos foram apresentados nesta segunda-feira (18) e devem ser protocolados nesta terça (19) na Câmara, de acordo com os responsáveis pelo texto.

O primeiro busca dificultar a implementação do Imposto Seletivo sobre bens prejudiciais à saúde. O segundo trata da revisão de contratos de longo prazo.

Na próxima semana, será apresentado o projeto sobre três regimes específicos de tributação, para serviços financeiros, setor imobiliário e combustíveis. Também está em fase final de elaboração uma proposta sobre o contencioso administrativo dos novos tributos.

A ideia é obrigar a Receita Federal a julgar controvérsias sobre a nova CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) em conjunto com as administrações de estados e municípios, responsáveis pelo novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

A CBS também ficaria de fora do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). Os questionamentos de autuações referentes aos dois novos tributos seriam analisados por um tribunal nacional. Ele seria formado por pessoas concursadas, sejam elas representantes do Fisco ou dos contribuintes.

Ao todo, foram criados 19 grupos de trabalho “paralelos” aos do governo para elaborar projetos sobre a regulamentação da reforma, que deixou uma lista de 73 questões que dependem de lei complementar para serem colocadas em prática. Entre elas, as regras de funcionamento dos novos tributos e os bens e serviços beneficiados com alíquotas menores ou tributação diferenciada.

Para a aprovação de uma lei complementar é necessário ter maioria absoluta nas duas Casas do Legislativo (mais da metade dos 513 deputados e 81 senadores), quórum superior à maioria simples (normalmente, mais da metade dos presentes à votação) exigida para aprovação de projetos de lei ordinária ou medidas provisórias.

No caso do Imposto Seletivo, o governo vai listar na sua proposta todos os bens e serviços que serão atingidos por esse tributo, como bebidas alcoólicas e fumo. Depois, será necessária uma lei ordinária para fixar as alíquotas do tributo.

Já a proposta do grupo paralelo obriga o governo a apresentar um projeto de lei complementar para cada produto que se pretenda tributar, o que dificulta ampliar a lista de setores que vão pagar o novo tributo, que será cobrado a partir de 2027. Haverá ainda uma lei ordinária para fixar alíquotas, que terão gradação conforme a essencialidade e o nível de nocividade do bem ou serviço.

De acordo com o texto, a lei deverá prever “incentivos, como isenção, compensação ou redução do tributo aos contribuintes que promoverem ações e programas de prevenção, mitigação e conscientização relativos ao consumo saudável ou sustentável referentes aos bens ou serviços tributados, bem como para os investimentos que resultarem em cadeia de produtos e de serviços mais sustentáveis”.

“A gente está jogando para a frente. Se for fazer um imposto para o ferro, para a água, para o cigarro, para bebida, para alimentos, para qualquer coisa, vai ter que ter um PLP [projeto de lei complementar] específico. Vai discutir produto por produto”, disse à Folha João Henrique Hummel, especialista em relações governamentais que trabalha para a Frente Parlamentar do Empreendedorismo e tem comandado audiências públicas sobre o tema.

Os projetos da frente estão sendo elaborados apenas por representantes do setor privado, mas precisam ser apresentados ao Congresso por um parlamentar.

Segundo Hummel, essas propostas já devem começar a tramitar, e as do governo terão de ser apensadas, ou seja, pegariam carona em algo que já está em discussão.

Em relação às discussões sobre autuações do Fisco, a ex-conselheira do Carf Livia Germano, do escritório Barros Pimentel Advogados, afirma que o grupo de trabalho que trata do tema avaliou que não pode haver dois julgamentos separados sobre dois tributos que terão as mesmas regras.

“O grande medo de várias entidades, a Abrasca [associação das grandes companhias abertas] manifestou isso, é não deixar a CBS embaixo apenas da Receita Federal”, afirma.

Além disso, o grupo quer buscar um modelo diferente do existente no Carf. Por exemplo, turmas com número ímpar, para evitar o voto de desempate, motivo de disputa desde 2020 entre governo, Congresso, Receita e contribuintes.

Hummel, da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, afirma que haverá também propostas que vão limitar os poderes de interpretação das normas pelas autoridades tributárias, com “leis autoaplicáveis”.

Sobre a crítica de auditores fiscais ao trabalho paralelo do grupo, ele afirma que os agentes públicos também estão convidados para participar dos debates, mas preferem elaborar suas propostas “fechados em quatro paredes”. “Tem 500 pessoas participando desses grupos. Se eles quiserem, podem entrar. É só pedir. Agora, o deles tem transparência?”, questiona.


Fonte: Folha de São Paulo

Traduzir »