Receita quer resolver pendências tributárias com empresas antes de multar

Relação mais próxima não significa que leão está mais frouxo, diz subsecretária que comanda área de fiscalização

Adriana Fernandes

Brasília

Receita Federal quer se antecipar às autuações e resolver pendências tributárias antes de multar as empresas, como forma de evitar litígios. O viés da nova abordagem é uma ação mais orientadora e menos punitiva, com benefícios para os bons pagadores.

O relacionamento mais próximo com o contribuinte, no entanto, não significa que o Fisco vai afrouxar a fiscalização dos sonegadores e devedores contumazes, afirma Andrea Costa Chaves, subsecretária que comanda toda a área de fiscalização da Receita.

Ela diz à Folha que um projeto de lei sobre o tema enviado pelo governo ao Congresso, no início de fevereiro, traz um novo arcabouço jurídico que deve justamente mudar a forma como o Fisco se relaciona com empresas e pessoas físicas.

O projeto tramita em regime de urgência constitucional, que impõe o prazo de até 90 dias para a avaliação da Câmara e do Senado.

A proposta aprimora instrumentos que já vêm sendo usados pela fiscalização, como o monitoramento dos chamados contribuintes diferenciados (grupo de cerca de 9.000 empresas responsáveis por 50% da arrecadação do governo) e o mecanismo de autorregulação acionados após os fiscais relatarem inconsistências tributárias que podem gerar autuações.

Os resultados desses instrumentos, afirma a subsecretária, têm garantido aumento de arrecadação, sem necessariamente autuação e multa pelos fiscais. Nos últimos cincos anos, a Receita conseguiu aumentar em R$ 80 bilhões a arrecadação com autorregularização –R$ 66 bilhões por meio do monitoramento dos contribuintes diferenciados.

A subsecretária revelou o caso de quatro empresas de um setor que permitiu o ingresso de cerca de R$ 1,6 bilhão nos cofres do governo em fevereiro (o resultado da arrecadação do mês ainda será divulgado pela Receita).

O episódio envolveu a chamada tese do século, uma discussão travada no Judiciário na qual as empresas ganharam o direito de retirar o ICMS, principal imposto estadual, da base de cálculo do PIS/Cofins.

A União teve que devolver os valores pagos que, na maioria dos casos, são recuperados pelas empresas por meio da compensação de tributos devidos.

A área de monitoramento da Receita detectou que um contribuinte de um setor econômico com poucas empresas fez um pagamento muito alto e que as demais não fizeram.

A companhia havia feito uma consulta formal à Receita para saber se deveria pagar Imposto de Renda sobre os recursos devolvidos com a decisão da tese do século e PIS/Cofins sobre juros de mora.

A resposta do Fisco foi positiva e chamou atenção dos auditores para outros casos semelhantes. Ao final, após ação do monitoramento da fiscalização, as outras três empresas do segmento acabaram pagando. Nas consultas, a companhia tem 30 dias para recolher sem a incidência de juros.

“É educativo. Essa decisão [sobre a tese do século] não se aplica somente a esse setor. Todos têm de pagar o Imposto de Renda do que estão recebendo. Não é setor”, diz ela. Por ser um segmento muito concentrado, a subsecretária preferiu não identificar o nome.

Em outro caso com viés de orientação da fiscalização, focada em 13 mil pessoas físicas donas de cartório, a Receita conseguiu ampliar em R$ 1 bilhão, de forma permanente, o patamar de arrecadação do setor, que subiu de R$ 1,7 bilhão para R$ 2,7 bilhões.

Boa parte dos donos de cartório estava omitindo receitas para pagar menos imposto. Nesse caso, a Receita fez um movimento que gerou uma alta do recolhimento, sem aumentar o litígio.

Uma outra ação de monitoramento garantiu o recolhimento de R$ 317 milhões por duas empresas de um mesmo grupo que fez reorganização societária.

A primeira companhia aproveitou imposto pago no exterior, numa hipótese em que não era possível fazer, segundo a Receita. Os auditores identificaram o problema, avisaram a empresa, e ela pagou o imposto devido, sem que tenha havido a autuação.

A outra companhia do grupo, que não tinha sido acionada pelos fiscais, acabou pagando também o imposto devido. O caso ocorreu em dezembro do ano passado, de acordo com a subsecretária.

“Temos que intensificar ações desse tipo. Vamos investir, porque existe uma massa muito grande de contribuintes que quer fazer a coisa certa”, diz Chaves.

Ela ressalta que esses instrumentos mais modernos de fiscalização precisam ser fortalecidos com a criação do programa de conformidade cooperativa previsto no projeto de lei. “É prática internacional. Todas as administrações tributárias estão indo nessa linha”, afirma.

Para o coordenador-geral de programação e estudos da Receita, Paulo Cirilo Mendes, é mais um passo que a Receita dá para diversificar seus instrumentos de fiscalização. “A fiscalização o que é? É o leão, a força coercitiva do Estado. Mas temos outras abordagens”, diz.

O projeto cria o CFDC (Cadastro Fiscal de Devedores Contumazes) e descarta a possibilidade de o contribuinte que estiver nessa situação se livrar de processos penais a partir do pagamento do valor devido. Ou seja, não haverá extinção da punição se a dívida for paga. Ele terá um prazo para se regularizar.

Na contramão do cerco aos maus pagadores, o projeto cria o Confia, um programa de conformidade cooperativa, já existente em outros países e que vem sendo recomendado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) desde 2013.

No Confia, a adesão é voluntária e as empresas assumem compromissos de transparência e boa-fé na relação com a Receita. Com o projeto, o Fisco cria um canal direto de diálogo com o contribuinte, que não existe nem mesmo com o monitoramento. Esse ponto está em fase de testes.

Hoje, a prática é o contribuinte interpretar a legislação, entregar a declaração, pagar seus tributos. A Receita exerce o controle posterior e o passo seguinte, se a empresa for autuada, é o litígio, que na maioria dos casos demora muitos anos para ser solucionado.

Inicialmente, apenas 15 empresas poderão participar, com faturamento superior a R$ 2 bilhões por ano. Elas vão receber um selo de colaboração com a Receita.

Entenda o que o projeto cria

Confia (Programa de Conformidade Cooperativa Fiscal)
Em fase de teste. Adesão será voluntária para empresas com faturamento mínimo de R$ 2 bilhões. Elas terão canal de diálogo com a Receita para prevenção de litígios. Precisam assumir compromissos, como ter estrutura de governança corporativa tributária.

Sintonia (programa de estímulo à conformidade tributária)
Voltado às empresas para estimular o pagamento regular dos impostos por meio da concessão de benefícios. Prevê uma espécie de bônus de adimplência (empresas em dia com o pagamento), com a redução progressiva no pagamento da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).

OEA (programa brasileiro de Operador Econômico Autorizado)
Tem como objetivo facilitar o comércio com simplificação dos procedimentos de importação, exportação e trânsito aduaneiro de bens. Entre elas, a possibilidade de o contribuinte pagar o tributo numa única vez e não a cada desembaraço aduaneiro.

Cadastro de devedores contumazes
Cria o cadastro fiscal de devedores contumazes, fatia que, segundo estimativa da Receita, corresponde a 0,005% das empresas, ou 1.000 entre 20 milhões. Para ser enquadrado, o CNPJ deve possuir dívida irregular superior a R$ 15 milhões, desde que o valor atenda a ao menos um de três critérios: ser maior que o patrimônio, existir por mais de um ano, e estar relacionado a empresa baixada ou inapta nos últimos cinco anos.

Benefícios fiscais
Empresas detentoras de benefícios fiscais terão que entregar uma declaração eletrônica, em formato simplificado, com informações sobre eles. A Receita afirma que mais de 200 benefícios fiscais possuem baixíssimo controle.


Fonte: Folha de São Paulo

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