Haddad recua e aceita programa para setor de eventos, mas defende versão restrita
Governo federal enviou MP ao Congresso no ano passado que extingue o Perse
Adriana Fernandes Victoria Azevedo
Brasília
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) recuou da decisão de extinguir o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) e afirmou, nesta terça-feira (5), que irá enviar um projeto de lei com urgência constitucional para elaborar um programa “mais focado”.
O ministro deu as declarações após ter participado, pela manhã, de reunião com líderes da Câmara dos Deputados e o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). No Congresso, parlamentares vinham defendendo o programa em reuniões com o governo —que estima uma renúncia de R$ 13 bilhões com o programa em 2023.
“Nós saímos da reunião agora com a lição de casa de fazer o desenho de como contemplar essas exclusões e com foco em eventuais segmentos que ainda não foram, não passaram por uma recuperação”, afirmou Haddad.
Segundo Haddad, a ideia é elaborar uma versão do Perse voltada aos setores empresariais com mais necessidade. “Focada naqueles segmentos que ainda exigem algum cuidado”, disse.
O Perse é um programa de alívio tributário para o setor de eventos criado durante a pandemia de Covid-19. Após a crise sanitária, no entanto, a medida continuava em vigor.
Em dezembro, o governo federal enviou uma MP (medida provisória) ao Congresso que, entre outros objetivos, extinguiu o Perse, gerando fortes críticas entre os parlamentares. Na época, a previsão era de que a iniciativa gerasse um impacto positivo de ao menos R$ 6 bilhões para os cofres públicos.
Autor do projeto de lei que deu origem ao Perse, o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), que esteve na reunião, afirmou que a ideia é que o programa seja redesenhado “a várias mãos”, com contribuição dos parlamentares e de representantes do setor.
“A partir do projeto de lei a gente [pode] rediscutir com filtros, travas, enfim, para a gente tornar o Perse dentro da sua natureza para o que ele foi proposto, para quem essencialmente tem direito. A gente foi unânime em dizer [que é para] punir quem tiver utilizado o Perse de forma errada, equivocada. Qualquer tipo de eventual fraude tem de ser punida severamente e exemplarmente”, afirmou Carrer
O deputado disse ainda que a ideia é que o PL “tramite até o fim de março”.
“Não vai ser exatamente do jeito que está [hoje na MP] porque do jeito que estava não ia prosperar, isso foi bastante assimilado pelo ministro e pelo presidente da Câmara. Através do bom senso político vai ser enviado um outro texto, que vai ser remodelado a várias mãos, pelos líderes, pelo setor produtivo, pelo Ministério da Fazenda, para sair um texto em consenso”, disse Carreras.
Como a Folha revelou, em janeiro Haddad alertou líderes do Congresso que o programa teria aberto margem para operações de lavagem de dinheiro de atividades ilícitas no país.
De acordo com relatos de participantes da reunião desta terça, o tema foi tratado pelo ministro de forma superficial, sem dar mais detalhes ou apresentar dados sobre isso.
Haddad afirmou que a MP (que atualmente revoga o Perse, reonera prefeituras e limita compensações tributárias), no entanto, será mantida e tem vigor até o final de maio. A previsão é que o projeto de lei constitucional sobre Perse e municípios seja votado antes desse horizonte.
“A MP vai ficar como está, com aquela supressão [do trecho que reonerava empresas] feita a pedido do presidente Rodrigo Pacheco”, disse Haddad. “Nós vamos encaminhar um projeto em relação aos municípios e ao Perse com a discussão que foi feita junto aos líderes, que fizeram várias sugestões para enxugar aquilo que eles próprios reconheceram como um completo descontrole do governo”, completou.
A manutenção da tramitação da MP antiga é importante para a equipe econômica para poder contabilizar o aumento da receita previsto com o fim do Perse no relatório bimestral de avaliação do Orçamento, a ser enviado ao Congresso no dia 22 de março.
É esse relatório que definirá quanto será necessário bloquear de despesas para o cumprimento da meta fiscal de zerar o déficit das contas públicas em 2024.
Pelos cálculos da Fazenda, o fim do Perse renderia R$ 6 bilhões a mais de arrecadação neste ano, porque boa parte do fim da isenção dos tributos federais só entraria em vigor em 2025.
O ministro afirmou que, no ano passado, a perda de arrecadação com o Perse foi de “mais de R$ 13 bilhões”. Haddad disse que desse valor foram expurgadas as “eventuais inconsistências dos informes dos próprios contribuintes”. O ministro não detalhou que inconsistências seriam essas.
O valor, no entanto, é menor do que os R$ 17 bilhões que Haddad vinha citando, nas últimas semanas, de renúncia fiscal com o programa em 2023. Segundo ele, em 2022, a renúncia foi de R$ 10 bilhões.
O ministro ressaltou que o custo do programa em 2022 e 2023 (R$ 23 bilhões) já alcançou o valor da renúncia total de R$ 25 bilhões do acordo feito com o Congresso para o programa. “Nós já atingimos a marca aí de quase R$ 25 bilhões do acordo. E foi isso o que eu levei a consideração do presidente Lira”, disse.
Desde a decisão do governo de acabar com a Perse, o presidente da Câmara cobrava do ministro o cumprimento do acordo.
Haddad disse que mandou a Receita fazer um pente-fino rigoroso para calcular o custo do Perse. Ele ponderou que nem todo contribuinte, que deixa de pagar um tributo, informa por que está deixando de recolhê-lo.
Para desenhar o novo modelo de tributação do Perse, o Ministério da Fazenda está fazendo um estudo que visa identificar quais os segmentos dentro do setor de eventos ainda não conseguiram se recuperar.
Ao falar do aumento do faturamento das empresas beneficiadas pelo Perse após o fim da pandemia, o ministro acabou dando uma pista de como poderá ser a reformulação. O programa pode ganhar um limite baseado no tamanho das receitas das empresas.
Segundo Haddad, outras alternativas foram debatidas para dar mais foco ao Perse. Entre as opções sinalizadas por ele, estão uma maior rigidez quanto aos CNAES (Classificação Nacional das Atividades Econômicas, que determina o setor da companhia) autorizados a participar, um limite para a renúncia no programa e uma trava correspondente ao prejuízo declarado pelo contribuinte. “Renunciar a mais do que ele próprio reconheceu como prejuízo não tem sentido”, afirmou o ministro.
Hoje, há 11 mil companhias beneficiadas pelo programa. O faturamento das empresas antes da pandemia, em 2019, era de R$ 146 bilhões. Em 2022, subiu para R$ 200 bilhões. Para Haddad, os dados mostram que o setor já se recuperou ou que mais empresas além do devido estão se beneficiando do incentivo fiscal.
O benefício do Perse zera todos os tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins) em um setor que já se recuperou e continua crescendo. É com base nesse argumento que a equipe econômica tentou sem sucesso convencer os senadores e deputados a extinguir o programa. O ministro disse não saber ainda qual será a medida compensatória para a manutenção do Perse e garantir o cumprimento da meta zero de déficit das contas públicas.
Fonte: Folha de São Paulo