Proposta de Lula para motorista de app prevê INSS, auxílio-maternidade e remuneração mínima

Presidente critica falta de acordo para entregadores: ‘Vamos encher tanto o saco que o iFood vai ter que negociar’

Lucas Marchesini Renato Machado

Brasília

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou nesta segunda-feira (4) no Palácio do Planalto projeto de lei que regulamenta o trabalho de motoristas de aplicativos.

A proposta prevê contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), auxílio-maternidade e pagamento mínimo por hora de trabalho no valor de R$ 32,09 (que corresponde a um salário mínimo, hoje em R$ 1.412).

O projeto de regulamentação da atividade de motorista de aplicativo, antecipado pela Folha, precisa de aval do Congresso para começar a valer.

Se aprovado, deve beneficiar 1,2 milhão de trabalhadores do setor chamado de “quatro rodas”, com empresas como Uber e 99, segundo associação do setor.

O novo modelo vai ao encontro do que queriam as empresas de aplicativo, que era considerar esses profissionais como autônomos, afastando a possibilidade de contratação pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

A ideia inicial do governo era também criar uma regulamentação para quem trabalha com aplicativos de entrega —duas rodas. No entanto, o Executivo não conseguiu chegar a um acordo.

Lula aproveitou o evento para fazer críticas. “É preciso lembrar, [senador] Jaques Wagner, que o dono do iFood é da Bahia e, portanto, como todo bom baiano, a gente tem que convencê-lo a entender que é prudente ele sentar na mesa de negociação para a gente fazer um bom e grande acordo”, afirmou o presidente.

“Vamos encher tanto o saco que o iFood vai ter que negociar.”

O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, foi na mesma linha do presidente. “O iFood e as demais empresas diziam que o padrão dessa negociação não cabia no modelo de negócios delas”, disse. Não cabe, acrescentou ele, “porque é modelo altamente explorador”.

Procurado, o iFood afirmou “que não é verdadeira a fala do ministro Luiz Marinho de que a empresa não quer negociar uma proposta digna para entregadores”. O iFood destacou que participou do grupo de trabalho até o fim.

A empresa disse que aceitou R$ 17 por hora trabalhada, conforme proposto por Marinho, e afirmou apoiar “desde 2021 a regulação do trabalho intermediado por plataformas e busca uma regulamentação para delivery”.

Marinho, por sua vez, disse esperar que o avanço do projeto para os motoristas faça com que empresas e entregadores voltem a negociar. “Se não tiver acordo com empresas, discutiremos com trabalhadores e encaminharemos um projeto, mas isso é último caso. Chegar a um acordo é melhor do que uma confusão.”

Em outubro, em evento com sindicalistas em São Paulo, Marinho havia dito, porém, que o Executivo apresentaria uma proposta. “Não tem um acordo, o governo vai arbitrar.”

A Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia) disse que o projeto traz segurança jurídica e benefícios aos motoristas.

“A proposta contempla as prerrogativas de uma atividade na qual a independência e a autonomia do motorista são fatores fundamentais. Certamente será usada como exemplo para muitos países que hoje discutem a regulação deste novo modelo de trabalho”, afirmou a associação, em nota.

Já a Uber, em nota, disse considerar a proposta “um importante marco visando a uma regulamentação equilibrada do trabalho intermediado por plataformas”.

“O projeto amplia as proteções desta nova forma de trabalho sem prejuízo da flexibilidade e autonomia inerentes à utilização de aplicativos para geração de renda. A empresa valoriza o processo de diálogo e negociação entre representantes dos trabalhadores, do setor privado e do governo, culminando na elaboração dessa proposta, a qual inclui consensos como a classificação jurídica da atividade, o modelo de inclusão e contribuição à Previdência, um padrão de ganhos mínimos e regras de transparência, entre outros”, disse a empresa.

Enquanto o governo apresenta o projeto de lei, o STF (Supremo Tribunal Federal) se prepara para analisar um caso que deve determinar a existência ou não de vínculo de emprego entre motoristas e empresas de aplicativos. A decisão da corte valerá para todos os processos desse tipo no país.

Nesta segunda-feira (4), a Uber pediu a suspensão de todas as ações em tramitação. A empresa recorreu de uma decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho) que reconhecia vínculo de CLT a um motorista.

O STF já rejeitou vínculo de emprego em decisões monocráticas (individuais) e de turma.

O que diz o projeto dos motoristas de aplicativo

A proposta reconhece o motorista de aplicativo como “trabalhador autônomo por plataforma”. As empresas irão contribuir para o INSS com 20% sobre a remuneração mínima, que irá corresponder a 25% da renda bruta. O trabalhador terá desconto de 7,5%.

A contribuição dará direito a benefícios previdenciários como auxílio-maternidade, previsto no projeto, e aposentadoria, entre outros.

O governo calcula que a regulamentação poderá ter um impacto de R$ 280 milhões na arrecadação por mês. A estimativa é que empresas contribuam com R$ 203 milhões por mês para a Previdência. Já trabalhadores da categoria, outros R$ 79 milhões.

Já o valor de R$ 32,09 corresponde ao período da chamada “hora em rota” ou hora trabalhada, que começa a contar a partir do momento em que o profissional aceita o pedido de corrida até deixar o passageiro.

Do total, R$ 24,07 são para cobrir os custos com a atividade profissional, como celular, combustível, manutenção do veículo, seguro, impostos, entre outros.

O texto prevê que a jornada de trabalho em uma mesma plataforma não poderá ultrapassar 12 horas diárias. Os trabalhadores devem realizar pelo menos 8 horas diárias para ter acesso ao piso.

A proposta de legislação do Brasil vai ao encontro das regulamentações que estão sendo feitas em alguns países do mundo, em busca da proteção desses trabalhadores e da arrecadação de impostos.

Chile, Espanha e Uruguai, por exemplo, fizeram reformas para incluir os motoristas de aplicativos na legislação trabalhista.

Sem CLT

Marinho criticou a visão de que o governo recuou ao desistir de enquadrar os trabalhadores na CLT. Porém, como também revelou a Folha, o contrato celetista fora incluído em umas das minutas do governo.

“Ocorre que é preciso construir um momento, observando o que está acontecendo na economia e nas relações de trabalho e observar que era preciso também um processo para essa regulamentação, um diálogo com as empresas, trabalhadores e empresários”, afirmou.

Lula respondeu aos gritos dos militantes, que pediram no evento uma linha de crédito para a compra e manutenção dos automóveis.

“Eu acho que daqui a pouco a gente vai ter que pensar como a gente vai fazer, [se é] discutir com os bancos, como é que a gente vai fazer para [… ] ter uma linha de financiamento para vocês trocarem o carro, porque o passageiro também não gosta de carro velho”, afirmou o presidente, sem dar detalhes.

Colaborou Cristiane Gercina


Fonte: Folha de São Paulo

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