Transição verde e inteligência artificial serão discutidas por Macron em visita ao Brasil
Viagem do presidente francês faz parte da reaproximação entre os países após período Bolsonaro
Brasília
Transição verde, ambiente digital e inteligência artificial são alguns dos temas que devem constar na agenda de discussões do presidente francês Emmanuel Macron em sua primeira visita oficial ao Brasil, no fim de março.
A passagem de Macron pelo país pode incluir quatro cidades, de acordo com uma fonte diplomática brasileira.
A chegada está prevista por Belém, sede da COP30 em 2025, onde o líder francês deve ser recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na sequência, o roteiro ainda em discussão prevê passagens por Brasília, Itaguaí (RJ) —base do complexo do Prosub (Programa de Desenvolvimento de Submarinos)— e São Paulo.
A viagem de Macron faz parte da reaproximação diplomática entre Brasil e França desde que Lula voltou ao comando do país, em 2023. O gesto ocorre depois de anos de animosidade política com o governo Jair Bolsonaro (PL) e dos impactos da pandemia de Covid-19.
Um dos principais interlocutores de Lula na Europa, Macron colaborou para a reabilitação do petista no cenário internacional depois de recebê-lo no Palácio do Eliseu, sede da presidência francesa em Paris, ainda em 2021, com protocolo equivalente ao reservado a chefes de Estado.
Segundo uma fonte da diplomacia francesa, a relação de Lula e Macron tem como base uma visão de mundo comparável, e os dois líderes desempenham um papel importante contra a fragmentação da comunidade internacional.
Nessa direção, a França demonstrou publicamente apoio às prioridades da presidência brasileira no G20 e vê como agenda comum a redução da pobreza, a luta contra a fome e os investimentos na transição ecológica.
A vinda de Macron vai lançar luz sobre o debate climático, energético e de proteção à biodiversidade e pode ajudar a impulsionar parcerias de financiamento para viabilizar a transição verde.
Um tema de interesse compartilhado é o plano brasileiro de tornar o Nordeste um potencial hub de produção de hidrogênio verde, combustível obtido por meio de fontes de energia renováveis.
O Ceará é o estado brasileiro que tem maior número de projetos de investimentos previstos nesse setor.
A demanda global pelo hidrogênio verde pode ser uma oportunidade para a inserção do Brasil em uma economia global baseada na transição para o baixo carbono.
Nesse sentido, França e outros países europeus têm até o momento uma avaliação favorável sobre a política ambiental do governo Lula, segundo relatos feitos à Folha.
O trabalho feito pela gestão petista para preservação da Amazônia é visto com boa vontade pelos europeus, sobretudo depois do retrocesso do governo Bolsonaro nas pautas ambientais.
Há o entendimento de que as medidas tomadas pela atual administração levam tempo a surtir efeito e que é preciso perseverar para colher melhores resultados. A ameaça a outros biomas brasileiros, contudo, é um sinal de alerta.
O primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula foi marcado por uma redução de 50% no desmatamento da floresta amazônica em 2023, na comparação com os índices do ano anterior. Em paralelo, os dados mostram crescimento recorde de perda de vegetação no cerrado, com alta de 43%.
Um membro da diplomacia francesa disse à Folha que a colaboração da Europa passa pela busca de uma solução não punitiva, sem ameaçar a soberania do Brasil sobre seu território.
Durante o governo Bolsonaro, um dos principais atritos diplomáticos ocorreu por causa de acusações do ex-presidente de que Macron tentava interferir na soberania do Brasil na questão ambiental.
Em junho do ano passado, Macron renovou a promessa de os países ricos disponibilizarem anualmente US$ 100 bilhões (cerca de R$ 494 bilhões) para ações de combate a mudanças climáticas em nações mais vulneráveis. Originalmente, a promessa foi feita na COP15, em 2009, e tinha como prazo o ano de 2020 — que não foi cumprido.
Em outubro do ano passado, a AFD (Agência Francesa de Desenvolvimento) assinou um memorando de entendimento com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) visando apoiar conjuntamente até 500 milhões de euros em projetos no Brasil.
Entre os objetivos, estava a criação e implementação de novos instrumentos para atuação do banco de fomento brasileiro em finanças sustentáveis e climática, com ênfase em industrialização e inovação verde. Nos próximos anos, a entidade europeia prevê a ampliação da carteira de investimentos no Brasil.
Na sexta-feira (23), o vice-presidente e ministro do Mdic (Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), Geraldo Alckmin, recebeu o embaixador da França no Brasil, Emmanuel Lenain, no Palácio do Planalto, para falar sobre as relações comerciais entre os dois países.
Segundo relato feito à Folha por um interlocutor do governo brasileiro, um dos assuntos se referia à Helibras, uma empresa nacional que produz helicópteros para uso civil e militar.
No encontro, as autoridades conversaram sobre a proposta de relançamento do programa de cooperação, com menção à visita de Macron ao Brasil, e debateram as possibilidades de expansão da produção de helicópteros.
OUTROS TEMAS
Em sua passagem pelo Brasil, Macron também deve discutir questões relacionadas ao ambiente digital, à inteligência artificial e ao setor espacial.
O debate sobre tecnologia e inovação ganha peso com a popularização da desinformação política alimentada por IA no momento em que cerca de metade da população do planeta vai às urnas neste ano. A regulação do uso de inteligência artificial em eleições ainda engatinha.
Na União Europeia, a lei de IA foi aprovada em dezembro e ainda não está em vigor. No Brasil, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) obrigou o uso de rótulos informando o uso de inteligência artificial em anúncios políticos e proibiu que a tecnologia seja aplicada para adulterar áudios e vídeos.
O setor da Defesa também é um ponto sensível de discussão entre os países. No ano passado, o Brasil negociou com a França uma complementação do acordo para a construção do submarino de propulsão nuclear, projeto ao qual se dedica há 45 anos.
A negociação está inserida em um acordo de parceria estratégica assinado em 2008 que inclui o Prosub, o programa brasileiro de submarinos.
Uma particularidade na relação entre os dois países é a cooperação sobre temas transfronteiriços, uma vez que o Brasil é o país com maior fronteira com um território francês —730,4 km de extensão com a Guiana Francesa. Entre as preocupações dos países vizinhos, estão garimpo ilegal, contaminação provocada por mercúrio e questão de segurança, além do fluxo migratório.
Fonte: Folha de São Paulo