Lei da Igualdade Salarial tem falhas e pode afetar reputação das empresas, dizem advogados

Companhias reclamam da falta de clareza; especialistas afirmam que legislação pode gerar efeito contrário ao pretendido

Stéfanie Rigamonti Cristiane Gercina

São Paulo

Empresas estão considerando entrar na Justiça para não ter que encaminhar os dados que alimentarão os sistemas do governo federal conforme exige a Lei da Igualdade Salarial, segundo advogados ouvidos pela Folha.

O prazo para entregar o relatório de transparência salarial e de critérios remuneratórios chegaria ao final nesta quinta-feira (29), mas foi prorrogado para a próxima sexta-feira (8).

As companhias entendem que a base de dados usada na elaboração dos relatórios exigidos é frágil, o que pode criar uma impressão de que a empresa não adota medidas para promover a igualdade de gênero.

O efeito, ao final, seria o comprometimento de sua imagem pública. Segundo a lei, companhias com mais de cem funcionários devem prestar informações sobre seus quadros para fiscalização da desigualdade de remuneração entre gêneros.

A base de dados considerada para o relatório é a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações). Na avaliação do advogado Caio Taniguchi, sócio na área de Direito Trabalhista e Previdenciário do escritório TozziniFreire, ela é limitada por não mostrar possíveis razões para as diferenças salariais em um mesmo cargo, como tempo de empresa, especializações do funcionário, empenho etc.

A preocupação maior é com o que consideram ser falta de clareza sobre o que será usado pelo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), responsável por fiscalizar as companhias no âmbito da lei e aplicar as multas, para produzir o relatório final para a sociedade.

A advogada trabalhista Fábia Bertanha, do escritório Lopes Muniz, aponta ainda que os dados também não consideram pontos negociados em acordos coletivos ou normas internas que podem gerar diferenças salariais e não seriam discriminatórias.

Além da falta de detalhamento, Manuela Cristina Fernandes Leite, advogada trabalhista que coordena o Chiode Minicucci Advogados, destaca que a CBO agrupa os cargos em grandes grupos, o que também pode gerar distorções.

“Significa que uma imensa variedade de cargos que, muitas vezes, têm remunerações bastante distintas entre si, estarão agrupadas dentro do mesmo ‘universo'”, diz.

A classificação de ocupações, segundo Taniguchi, nunca foi usada para fins de fiscalização, apenas para levantamento estatístico.

Junto aos ministérios do Trabalho e Emprego e das Mulheres, os advogados que atendem empresas avançaram pouco na tentativa de tirar dúvidas. Após uma transmissão online feita pelas pastas para tratar do assunto, a percepção foi de mais problemas.

Um deles, segundo Manuela, é a decisão de utilizar informações relativas ao “salário mediano contratual”, ao “salário mediano de admissão” e ao “salário médio efetivamente pago”.

“Nenhuma dessas definições está na legislação. A questão matemática, entre médias e medianas, já é bastante complexa —pois não são números fáceis de achar para uma empresa”, diz a advogada.

As empresas também temem os efeitos da divulgação dos dados de salários e cargos, tanto para a competividade entre companhias quanto para efeito de comparação entre os empregados.

“Na minha leitura, a publicização desses dados aumentará a judicialização dos pedidos de isonomia e equiparação salarial”, diz a advogada Gabriela Carvalho, coordenadora trabalhista do escritório PSG Advogados.

Quando o empregado for único em sua função, há ainda o risco de fácil identificação, mesmo que seu nome seja preservado. Reajustes salariais por produtividade e meritocracia também ficariam sob risco. Como o relatório será amplamente divulgado, as empresas poderiam evitar essas promoções para que elas depois não sejam vistas como discriminatórias.

Para a advogada Érika Seddon, sócia da prática de Trabalhista e Sindical do escritório Mattos Filho, a preocupação das empresas com o dano reputacional é legítima. Na avaliação dela, o relatório poderá expor um grau de desigualdade de gênero que realmente existe, mas aparentando ser pior do que é a realidade.

Não adianta só correr atrás das empresas para que elas adequem suas práticas salariais, enquanto a regulamentação da licença-paternidade ainda está parada no Congresso Nacional, por exemplo”, diz a advogada Manuela Cristina Fernandes Leite.

Ações já estão sendo ajuizadas. A Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minhas Gerais) entrou com uma ação civil pública questionado a obrigatoriedade de entrega do relatório sob argumento de que a medida viola diversos direitos, inclusive das mulheres, com o risco de tornar públicos os salários.

“O governo optou pela mediana salarial, mas existem cargos nos quais temos apenas um empregado por função. Assim, ao publicar a tabela, estaríamos divulgando o salário desse empregado, violando a LGPD”, diz nota da federação.

À Folha, a ministra das Mulheres, Cida Gonçalvez, disse que não pretende multar empresas imediatamente. Segundo ela, o governo quer ver a lei ser cumprida ao menos com igualdade salarial na base.

“Não é um processo assim: ‘Ah, não cumpriu, saiu no relatório de transparência, já vai ter multa ou vai estar na primeira página do jornal’, não. Não achamos que as empresas são nossas inimigas, o governo não está tratando dessa forma, mas queremos que a legislação seja cumprida. Trabalho igual, salário igual.”

A ministra também garantiu o sigilo das informações, inclusive, preservando nome de cargos.

Cida falou sobre a Lei da Igualdade Salarial a uma plateia de sindicalistas mulheres nesta semana, em evento na capital paulista. Ela disse ter se surpreendido haver quem ainda seja contra salário igual para homens e mulheres.

No Congresso, o projeto obteve 37 votos contrários, dez deles eram de mulheres.

Procurado pela reportagem, o MTE não respondeu até a publicação deste texto.


Fonte: Folha de São Paulo

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