Governo cede e vai propor reoneração da folha de pagamento por projeto de lei

Após reunião com Haddad, Pacheco descarta devolução de MP e diz que ‘construção política’ já está feita

Victoria Azevedo Thaísa Oliveira

Brasília

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu enviar um projeto de lei com urgência constitucional para discutir com o Congresso tanto a reoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia como a contribuição previdenciária a ser paga por municípios.

Os dois temas são alvo hoje de MP (medida provisória) editada pelo Ministério da Fazenda em 28 de dezembro, com validade a partir de 1º de abril. Já o projeto com urgência constitucional dá a cada uma das Casas o prazo de 45 dias para análise.

O assunto foi discutido em reunião, nesta quarta-feira (21), entre o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o ministro Fernando Haddad (Fazenda), o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e os líderes do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e do Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).

“Com relação à desoneração da folha de pagamento, a construção política está feita no sentido de que eventuais alterações no programa não se darão por medida provisória. O governo já concordou com essa premissa, nós ajustamos isso”, disse Pacheco após o encontro.

“Em breve, o governo deve anunciar a medida tomada para poder retirar da medida provisória o estabelecimento dessas alterações da folha de pagamento. E aí, eventualmente, o governo pode propor alterações, mas o fará a partir de projeto de lei, sem eficácia imediata.”

De acordo com Pacheco, será suprimida da MP a reoneração para 17 setores e para municípios. Permanecem a extinção do Perse (programa de alívio tributário ao setor de eventos), ao menos por enquanto; e o estabelecimento de limite à chamada compensação tributária (quando empresas que pagaram tributos a mais no passado ganham direito de descontar esses valores daquilo que é devido ao governo federal).

Pacheco afirmou que seria ruim para a arrecadação federal interromper o novo regime de compensação tributária enviado pelo governo e que isso influenciou na decisão de manter o tema na MP.

Desde o fim do ano passado, parlamentares defendem que Pacheco devolva a MP da reoneração sob o argumento de que o Congresso já deliberou sobre o tema ao derrubar o veto do presidente Lula e manter o benefício.

Em entrevista à jornalista Miriam Leitão, do jornal O Globo, Haddad afirmou que Pacheco “tem tido uma atitude de estadista”. Segundo o ministro da Fazenda, “a parte referente à desoneração vai ser tratada exclusivamente no PL”, assim como a reoneração da Previdência (parte ligada aos municípios).

Haddad confirmou que os outros dois temas abarcados pela MP, a compensação tributária feita por empresas por meio de decisões judiciais e o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), seguirão tramitando por meio de MP.

“Essa questão da Previdência, que inspira muitos cuidados —nós estamos com um déficit grande ali— vai ser tratada por projeto de lei. Até porque o assunto já foi objeto de deliberação pelo Congresso Nacional“, disse o ministro à colunista.

“As demais matérias continuam tramitando na forma de MP. A parte referente à desoneração vai ser tratada exclusivamente no PL, vai ser suprimida da MP. O Perse e a compensação ficarão na MP como foi feita”, completou Haddad.

Apesar da declaração de Haddad, Pacheco afirmou que a situação do Perse não está definida, e que o tema ainda pode ser discutido via projeto de lei.

Como revelou a Folha, fiscais da Receita Federal investigam indícios de que o programa criado durante a pandemia tenha aberto margem até para operações de lavagem de dinheiro de atividades ilícitas no país.

Diante das suspeitas, Haddad encomendou um relatório ao Fisco com o montante de impostos que cada empresa deixou de recolher a partir do benefício. O valor do programa, estimado inicialmente em R$ 4 bilhões, já passa de R$ 16 bilhões, segundo estimativas da Fazenda.

Segundo Randolfe Rodrigues, Haddad informou que os dados devem ser apresentados pela Receita Federal até 1º de março. Depois da reunião, Jaques sugeriu que o Perse deve ser discutido via MP, não via projeto de lei com urgência.

“[A discussão] está indo para um caminho bom. Vocês já sabem tudo que está previsto. Que a desoneração ou reoneração, como queira chamar, venha com urgência, e que os outros dois temas [compensação tributária e Perse] sejam colocados em uma nova MP”, afirmou.

Nesta quarta, parlamentares favoráveis à desoneração criticaram o governo pela demora. Eles participaram de evento organizado pelo movimento Desonera Brasil, que reúne representantes dos 17 setores econômicos alvo da MP, na Câmara dos Deputados.

A deputada Any Ortiz (Cidadania-SP), que foi relatora do projeto de lei na Câmara que prorrogou até 2027 a desoneração, afirmou nesta quarta que não é possível seguir com a “insegurança jurídica e instabilidade” que, segundo ela, a MP traz.

Ela afirmou ainda que é necessário que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e Pacheco coloquem em votação a medida provisória do governo —indicando que ela será derrotada pelos congressistas.

“Estamos aqui para manifestar o nosso repúdio em relação a essa MP e pedir que tanto Lira quanto Pacheco coloquem a MP em votação, visto que o governo não apresentou o projeto de lei que disse que apresentaria e não retirou a questão da desoneração da MP como disse que faria”, afirmou a deputada.

“Nós vamos trabalhar diuturnamente para que essa medida seja rejeitada”, disse a deputada Bia Kicis (PL-DF).

O senador Efraim Filho (União Brasil-PB) afirmou que o Congresso aprovou medidas econômicas de interesse do Executivo ao longo do ano passado e que a desoneração não é responsável por um eventual descumprimento da meta de déficit zero.

“A agenda econômica que o governo enviou ao Congresso foi, sim, aprovada. Se o governo tivesse pedido mais projetos de compensação naquela época, teríamos tempo de sobra para aprovar. Querer jogar sobre os ombros da desoneração da folha não atingir o déficit zero da meta fiscal não é um argumento válido. É hora do pé na porta.”

O senador afirmou que a possibilidade de o governo apresentar um projeto de lei com o conteúdo do que foi tratado na MP não atende aos parlamentares.

“Quanto mais o texto do governo se aproximar da lei aprovada, mais fácil para o governo angariar votos para aprovar o seu PL. Quanto mais o texto se distanciar da lei e se aproximar da MP eu entendo que mais desafios haverá para que o governo tenha esse voto”, disse.

A desoneração da folha de pagamento vale para 17 setores da economia. Entre eles está o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, empresa que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, entre outros.


Fonte: Folha de São Paulo

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