Proposta da Fazenda para JCP é desidratada após resistências
Previsão de arrecadação com texto inicial era de R$ 10 bi em 2024; agora, estimativa deve ser cortada
Brasília
A proposta do governo que busca eliminar os benefícios tributários do JCP (juro sobre capital próprio), instrumento usado por empresas para remunerar acionistas, foi desidratada pelo relator. Com isso, o potencial de arrecadação da medida –originalmente, calculado em R$ 10 bilhões– deve diminuir.
Essa é uma das iniciativas de elevação de receita defendidas pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) na reta final do ano. O chefe da equipe econômica busca ampliar a arrecadação após ter convencido o restante do governo a manter a meta de zerar o déficit no ano que vem –embora o mercado questione a viabilidade da tarefa.
As mudanças na legislação do JCP foram propostas pelo governo em projeto de lei no fim de agosto. Pelo texto de Haddad, ficaria vedada a partir de 2024 a dedução do instrumento da apuração do chamado lucro real (ao qual é aplicada a tributação) e da base de cálculo da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).
Depois de fazer a proposta, o Ministério da Fazenda reconheceu dificuldades em relação ao texto, passou a buscar alternativas e cedeu nas negociações.
Uma versão atualizada do texto, formulada pelo deputado Luiz Fernando Faria (PSD-MG), mantém a dedutibilidade prevista hoje na lei –mas limita o alcance do que pode ser remunerado a título de JCP. Faria é relator da MP (medida provisória) que trata da subvenção do ICMS e irá incluir o conteúdo da JCP em seu parecer.
Se essa proposta do parlamentar for adiante, poderão fazer parte do cálculo que embasa a despesa com JCP apenas recursos referentes ao capital social realmente integralizado (de fato transferido para as atividades da empresa), reservas de capital e lucro previstas pela lei das Sociedades por Ações (SA), além de ações em tesouraria e montante referente ao lucro registrado.
À Folha o relator confirmou que irá incluir a nova proposta em seu relatório, que já informou isso ao Ministério da Fazenda e que a posição não muda mais. “Entreguei à Fazenda, será esse o texto, vou acolher isso no meu relatório. Isso é fato.”
Ele afirmou ainda que ainda há resistências ao mérito da matéria por parte de senadores, sobretudo de integrantes da comissão mista, e que não irá apresentar seu parecer “para ele ser rejeitado”.
A ideia do relator é construir um texto que seja consensual entre deputados e senadores para facilitar a aprovação da matéria nos plenários das Casas após a discussão em comissão mista.
O deputado diz que não há previsão de apresentar o relatório nesta quinta-feira (7), contrariando expectativas de membros do Executivo.
Segundo relatos de pessoas envolvidas nas negociações, além de questões que ainda precisam ser ajustadas sobre o mérito da MP, há uma insatisfação de parlamentares com o governo federal sobre a execução orçamentária e sobre acordos que o Executivo não estaria cumprindo.
Pesa ainda o fato de o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estar fora do país, em Dubai, onde participa da COP28, a conferência de mudanças climáticas da ONU. Há uma avaliação de que a apresentação do relatório e sua votação em comissão mista possa ficar para a próxima semana.
A interlocutores, Faria tem afirmado que está trabalhando somente com o mérito da MP e que não está tratando de acordos políticos, questão que deve ser resolvida entre o governo federal, líderes partidários e os presidentes das duas Casas.
Robson Gonçalves, economista e professor de MBAs da FGV (Fundação Getulio Vargas), afirma que o novo texto mira as instituições financeiras. Isso porque o texto permite que apenas as reservas de capital previstas pela lei das SA sejam usadas no cálculo do JCP –e não as exigidas pelas regras de Basileia, que são maiores.
“Se você ler nas entrelinhas, isso foi feito de uma maneira para pegar os bancos. São os que mais têm reservas”, diz Gonçalves. “Em vez de criar um imposto sobre o lucro dos bancos, você pega um benefício, modela a base de cálculo e direciona para a estrutura de capital dos bancos”, afirma.
Os benefícios aplicados atualmente ao JCP passaram a ser permitidos durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e já estão em vigor há mais de 25 anos. Uma das principais justificativas para a criação foi aumentar a atratividade de investimento nas companhias.
Na visão do atual governo, no entanto, não há evidências de que o JCP tenha estimulado investimentos. “Na prática, a medida funciona como um sistema de dividendos dedutíveis, além de estimular as empresas a buscarem financiamento externo para remunerar o acionista”, afirma o governo na exposição de motivos da proposta que altera o mecanismo.
O governo diz ainda que o JCP é pago a pessoas que representam menos de 2% da população brasileira, com um valor médio anual de R$ 30,6 bilhões de 2016 a 2020 declarados à Receita Federal. Com Reuters
Fonte: Folha de São Paulo