Senado aprova projeto de lei que muda regras do Carf
Texto devolve voto de desempate ao Executivo
Brasília
O Senado aprovou nesta quarta-feira (30) o projeto de lei que restabelece o chamado voto de desempate no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).
A proposta é uma das principais medidas do ministro Fernando Haddad (Fazenda) para elevar a arrecadação na tentativa de reequilibrar as contas públicas.
O texto foi aprovado por 34 votos a 27. O PL agora segue para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O resultado representa uma vitória parcial de Haddad, que insistiu na aprovação da medida desde o começo do ano. No entanto, ele teve de ceder em diferentes pontos ao longo da tramitação.
O Carf é uma espécie de tribunal (mas de âmbito administrativo, não do Judiciário) que julga disputas bilionárias entre União e empresas sobre o pagamento de impostos.
Os julgamentos do conselho são decididos após votos em igual número tanto da Receita Federal como dos contribuintes; em casos de empate, o presidente da câmara (que é representante da Receita) era responsável pelo resultado até 2020.
Naquele ano, no entanto, o voto de desempate foi retirado do Carf pelo Congresso por meio de uma emenda inserida de última hora em uma MP (medida provisória). O então presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou o texto.
Desde então, o contribuinte passou automaticamente a ser declarado vencedor da disputa em situações de empate. O atual Ministério da Fazenda defende que a mudança gerou perdas bilionárias para a União.
Para Haddad, o modelo do Carf virou uma \”excrescência\”. \”Isso é fruto do patrimonialismo brasileiro, que se apossa do Estado e não quer abrir mão de seus privilégios. É uma excrescência\”, disse em entrevista à Folha em abril.
Mesmo com a argumentação, a proposta passou por percalços. Inicialmente, o governo enviou uma MP (medida provisória) para tratar do tema —mas, após uma disputa entre Câmara e Senado, teve de transformar o texto em um projeto de lei.
Líder da oposição, o senador Rogério Marinho (PL-RN) criticou a mudança e a motivação do governo.
\”Estamos transformando um tribunal para dirimir questões entre quem tributa e quem é tributado num local de arrecadação coercitiva, com o único objetivo de resolver um problema de caixa episódico do governo federal, causado por ele mesmo\”, disse, durante a sessão.
\”O governo aumenta de forma irresponsável os gastos públicos e busca resolver seu problema com receitas não recorrentes, receitas que não vão se repetir no ano subsequente, uma vez que estamos falando de um estoque, que vai se exaurir\”, afirmou.
Líderes do governo, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) e Jaques Wagner (PT-BA) afirmaram que a maior parte das empresas que seriam afetadas pela mudança no Carf são de grande porte.
\”A diferença deste projeto do Carf é que nós queremos colocar para pagar tributos […] aqueles que historicamente sonegam, que historicamente não pagaram\”, afirmou Randolfe.
\”Este projeto do Carf não é para o pequeno [empresário], é para o grande, que não paga tributo e se prevalece de um sistema recursal que só favorece esses grandes\”, completou.
Durante a tramitação, houve resistências tanto do Congresso como da iniciativa privada.
Após conversas entre Fazenda e representantes empresariais, foi selado pelo Ministério da Fazenda em fevereiro um acordo para livrar contribuintes de pagar juros e multas em caso de empate (desde que a dívida seja quitada ainda em âmbito administrativo e não prossiga para o Judiciário).
O governo federal projeta uma arrecadação de R$ 54 bilhões com a redução de litígios no Carf em 2024. Como a Folha mostrou, no entanto, emendas incluídas pela Câmara no texto podem reduzir esse potencial.
O ministro defende que as medidas de arrecadação criadas pelo governo têm como objetivo maior justiça no recolhimento de impostos, mas o ministro também precisa das iniciativas para compensar o crescimento de gastos gerado pelo novo arcabouço fiscal nos próximos anos.
Mesmo diante de mais despesas, Haddad vem prometendo déficit zero em 2024. Na última terça-feira (29), ele confirmou que a proposta de Orçamento para o próximo ano terá essa previsão.
Conforme mostrou a Folha, zerar o déficit já no ano que vem é uma meta considerada ambiciosa por economistas e vista com ceticismo até por membros do próprio governo, incluindo ministros, técnicos e congressistas.
Uma ala do governo vê o fim do ano como prazo final para que a série de medidas de aumento da arrecadação sejam aprovadas. Caso não haja avanço, a mudança na meta fiscal de 2024 vira uma possibilidade mais forte.
Fonte: Folha de São Paulo