Publicação de lei não significa fim da judicialização do Perse

A publicação da lei que altera as regras do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) não deve reduzir a litigiosidade em torno da medida. Advogados de empresas afirmam que irão continuar perseguindo a obtenção do benefício fiscal para seus clientes na Justiça.
O programa que reduz a zero as alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e Cofins pelo prazo de 60 meses tornou-se objeto de disputas no Judiciário pelo menos desde que o Ministério da Economia, hoje Fazenda, editou a Portaria ME 7.163/2021, definindo as atividades que teriam direito ao benefício.
Depois dela, houve a publicação da Medida Provisória 1147/2022 trazendo alterações à lei original, que possibilitaram a edição de outra portaria ministerial e a publicação de uma instrução normativa da Receita Federal. Essas normas delimitaram quem teria acesso ao Perse e foram todas questionadas na Justiça em alguma medida.
Uma das principais indicações dos contribuintes é a de que as regras que excluíram empresas do programa, como a que reduziu o número de setores com direito ao benefício e a que exigia o registro prévio no Cadastur, não estavam previstas na lei original e não poderiam ser impostas por ato infralegal. Em resumo, dizia-se que as normas eram ilegais. Agora esse raciocínio se choca com a nova Lei 14.592/2023, oriunda da conversão da medida provisória e publicada no dia 30 de maio.
“Afinal de contas, agora está previsto em lei. O Congresso aprovou essa medida, ainda que se possa questioná-la,” afirmou Lucas Corsino de Paiva, sócio do BBMM Advogados. “Para as empresas, o cenário que fica é: ‘Estava no Perse desde o início?’ ‘É do setor de eventos?’ Se sim e a sua atividade foi excluída, me desculpa, mas o artigo 178 deve aplicado.”
O artigo 178 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece que uma isenção não pode ser revogada ou modificada por lei se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições.
Foi com base nele que Corsino preparou uma nota para acalmar os afiliados da Associação Brasileira de Eventos (Abrafesta), para a qual advogou. A entidade obteve, em março, uma decisão liminar favorável proferida pela desembargadora Mônica Nobre, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3). E lá estava o
O tributarista assegurou, porém, que o julgado deve continuar a produzir efeitos, por conta do restante da fundamentação, inclusive o tópico da segurança jurídica, manifestado na figura do artigo 178 do CTN e acolhido pela magistrada. De acordo com o advogado, as razões apresentadas no início do processo, quando não havia a Lei 14.592/2023, continuam a ser aplicáveis agora.
Seria diferente se a inicial trouxesse apenas o tópico da ilegalidade. Sozinho, o argumento ficaria prejudicado com a publicação da nova lei, e uma decisão que concedeu o direito para se usufruir dos benefícios fiscais perderia os efeitos. No máximo, haveria uma nova decisão, agora em sentido contrário, afirmou Corsino.
Reconsideração
A retroatividade também é citada pelo professor de Direito Tributário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Arthur Ferreira Neto, advogado de uma empresa que visa a obtenção dos benefícios fiscais do Perse. A dificuldade é a obrigatoriedade de inscrição no Cadastur, que ela não tem.
A exigência surgiu como uma determinação das portarias do Ministério da Economia sobre o assunto. Elas estabeleceram que alguns setores, como bares e restaurantes, deveriam estar em dia com o registro junto ao Ministério do Turismo. O cadastro é facultativo, mas obrigatório para se ter direito ao Perse.
Novamente um dos argumentos era o princípio da legalidade. Uma liminar da juíza Carla Evelise Justino Hendges, da 13ª Vara Federal de Porto Alegre, negou o pedido considerando que, se a empresa não era cadastrada, apesar de poder fazê-lo, “por óbvio que não se considerava como tal, e somente apresenta-se desta forma agora para usufruir dos benefícios fiscais”.
A decisão data de 29 de maio, um dia antes da publicação da lei que altera as regras do programa emergencial. O novo texto agora traz consigo a exigência do Cadastur, incorporando a determinação da portaria, o que trouxe um lampejo para o advogado Ferreira Neto.
Segundo o tributarista, não há problema em demandar a inscrição prévia. É uma prerrogativa do legislador. O ponto controvertido é que não havia nenhuma indicação sobre isso na lei original. Ela vem da portaria e depois é repetida na medida provisória convertida em lei. Para ele, trata-se uma confissão de erro e confirma o que estava sendo dito no processo.
“Não podia ser por portaria, porque é um requisito material não previsto na lei. Cria um ônus que o contribuinte não podia imaginar que estivesse correndo contra ele. Agora, o texto não está dizendo precisa disso. Ele está dizendo precisava disso, em março de 2022. Se a lei está dizendo precisava, ou seja, conjugando o verbo no passado, é uma lei retroativa.”
A equipe de Ferreira Neto entrou com um recurso, argumentando que a exigência não decorreu de “mera conversão do texto da Medida Provisória nº 1.147/2022, tampouco mera incorporação do conteúdo integral das portarias”, mas da aprovação de um projeto de lei com “independência jurídica em relação ao ato normativo precário que havia sido produzido pelo presidente da República e pelos atos ministeriais”.
A defesa pediu a antecipação da tutela para permitir que a empresa tivesse direito ao benefício do Perse. O pedido foi indeferido pelo desembargador Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4).
A visão da PGFN
Camilla Cabral, coordenadora de Estratégias Judiciais da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), contestou a linha argumentativa dos contribuintes. Para a porta-voz, a lei publicada somente ratifica o que já vinha sendo determinado.
Além da exigência do Cadastur, a MP convertida em lei trouxe em um dos seus dispositivos a lista dos códigos CNAE que teriam direito ao Perse. Antes, só havia a previsão por portaria.
“Foi uma opção do legislador. Portaria é um ato infralegal. Uma medida provisória convertida em lei passou pelo processo legislativo, o que dá muito mais força e legitimidade. Mas isso não significa que havia uma ilegalidade. Até porque a própria lei original permitiu o disciplinamento em ato infralegal,” rebateu Cabral.
Sobre a segurança jurídica, a coordenadora afirmou que o benefício do Perse se trata de uma alíquota zero, diferente de uma isenção em sentido estrito. Portanto, não seria possível aplicar o artigo 178 do CTN. A opinião não é isolada. Em entrevista ao JOTA, advogados já tinham se mostrado reticentes quanto à tese.
Cabral informou que o prognóstico de decisões judiciais envolvendo a exigência do Cadastur é positivo, assim como o de julgados sobre os CNAE. A publicação, disse, apenas traz mais tranquilidade no sentido de que ela se coaduna à posição defendida pelo fisco.
Os processos mencionados nesta reportagem, na ordem em que aparecem, tramitam sob os seguintes números: 5003946-64.2023.4.03.0000 (TRF3), 5042023-58.2023.4.04.7100 (TRF4) e 5020869-41.2023.4.04.0000 (TRF4).
Arthur Guimarães – Repórter em São Paulo. Atua na cobertura política e jurídica do site do JOTA. Formado em jornalismo pela Faculdade Cásper Libero. Antes, trabalhou no Suno Notícias cobrindo mercado de capitais.


Fonte: JOTA

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