Governo Lula: 6 meses em 6 gráficos e o que vem pela frente na economia
SÃO PAULO E BRASÍLIA – Após a melhora das expectativas econômicas no primeiro semestre, o governo Lula entra nos últimos seis meses deste ano com desafios bilionários na área fiscal e uma dura batalha no Congresso para colocar de pé políticas fundamentais para a agenda do Ministério da Fazenda nos próximos anos.
Na lista de prioridades estão medidas que garantam o aumento da arrecadação, a conclusão da votação do arcabouço fiscal e da reforma tributária sobre o consumo e o início do debate sobre a taxação da renda.
A missão mais difícil deve se dar nas medidas arrecadatórias. No desenho do novo arcabouço, que vai substituir o teto de gastos, o governo prometeu zerar o rombo das contas públicas já no ano que vem e um superávit primário (saldo positivo entre receitas e despesas, sem contar o gasto com juros) de 1% do PIB 2026, último da atual administração. Mas, para chegar lá, precisa de medidas que turbinem os cofres da União.
“É um Congresso arredio para aumentar as receitas, mas, politicamente, o ambiente está mais favorável, porque está se espalhando (entre os parlamentares) a percepção de que esse governo vai dar certo”, afirma Christopher Garman, diretor para as Américas da consultoria Eurasia. “O poder de barganha do Executivo melhora; ninguém do Centrão vai querer virar as costas (para o governo).”
O arcabouço já foi aprovado pelos deputados e senadores, mas teve de retornar à Câmara por causa das alterações que sofreu no Senado ao longo da sua tramitação. A nova regra para controle das contas públicas prevê que o crescimento dos gastos será limitado a 70% do avanço das receitas e que as despesas terão um aumento real (acima da inflação) de 0,6% a 2,5% ao ano.
“Eu não sei se o Congresso vai estar tão disposto a dar o aumento de receita que está implícito no arcabouço. A gente viu no passado, em outras ocasiões, que isso não aconteceu”, afirma Armando Castelar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Sem o aval do Congresso, a equipe econômica pode ter dificuldade para ver a arrecadação do governo federal avançar, diante do cenário de desaceleração do crescimento previsto para o restante de 2023, apesar dos bons números do primeiro trimestre.
Nas contas do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, se o governo quiser entregar a meta fiscal de 1% do PIB em 2026, a carga tributária do País terá de crescer dois pontos porcentuais e alcançar 36% do PIB. “Isso não é simples de fazer”, diz. “Ou tem um crescimento excepcional para acontecer, que não está no cenário básico de ninguém, ou tem aumento de carga via imposto.”
Na semana passada, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se encontrou com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e já deu o tom da agenda para essa reta final de 2023: projetos arrecadatórios, que incluem a taxação das apostas esportivas e dos investimentos feitos pelos super-ricos, por meio de fundos exclusivos e no exterior; o Orçamento de 2024; e o novo marco das garantias, que tem o objetivo de reduzir o custo dos financiamentos no País.
Nesse contexto de taxa de juros, também há uma grande expectativa para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que será realizada no início de agosto.
O tema gerou trocas de farpas entre integrantes do governo, que pressionam pela queda da taxa básica de juros (Selic), hoje em 13,75% ao ano, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que adota postura mais cautelosa e faz constantes alertas sobre a questão fiscal.
“O ponto dominante neste segundo semestre vai ser a discussão sobre a velocidade com que o Banco Central vai reduzir os juros”, prevê Castelar.
No geral, o mercado financeiro não vê o arcabouço como uma regra ideal para as contas públicas, mas reconhece que ela afasta o risco de uma trajetória descontrolada da dívida.
“O arcabouço cria uma promessa de resolver a questão do (resultado) primário, mas ele também cria obrigação de aumentar gasto de uma série de coisas: mínimo de investimento, mais gastos com educação, mais gasto com saúde, um monte de coisa que está fora dos limites impostos”, diz Castelar.
Os números do Tesouro Nacional já mostram uma piora no resultado fiscal. Entre janeiro e maio deste ano, na comparação com o mesmo período de 2022, as receitas recuaram R$ 2 bilhões, enquanto que as despesas subiram R$ 38,6 bilhões. Como consequência, o superávit recuou de R$ 39,7 bilhões para R$ 2,2 bilhões.
A equipe econômica também vem aumentando a projeção do rombo nas contas públicas para este ano. A estimativa de déficit passou de R$ 107,6 bilhões no primeiro bimestre para R$ 145,4 bilhões no terceiro bimestre, o que equivale a 1,4% do PIB. A meta da Fazenda, porém, é reduzir o saldo negativo para o patamar de 1% do PIB.
“O principal risco (no texto do arcabouço) são as exceções à regra. Elas acabam influenciando a expectativa em relação ao que é resultado primário, resultado nominal e, consequentemente, endividamento”, afirma Alessandra Ribeiro, sócia e economista da consultoria Tendências. “Se você tira da regra, tem uma outra trajetória para a dívida que você está projetando. E é isso que o mercado está olhando.”
O futuro da reforma tributária
Até o fim do ano, o governo também espera concluir a votação da primeira etapa da reforma tributária, que simplifica os impostos sobre o consumo. Trata-se de uma medida de longo prazo, mas que tem efeitos imediatos sobre as expectativas e sobre o humor dos investidores.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) – que unifica cinco tributos em no novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – foi aprovada em dois turnos na Câmara e será analisada pelo Senado em agosto, após o recesso parlamentar.
Assim como no arcabouço, porém, a quantidade de exceções neste texto também preocupa. Isso porque uma série de setores entraram na lista de alíquotas reduzidas, com uma cobrança 60% menor que a padrão, que só será definida em lei complementar. E há ainda uma série de segmentos que foram agraciados com regimes diferenciados, como hotéis, restaurantes e parques de diversões. “Agora, o desafio é tirar parte dessas exceções”, afirma Vale, da MB Associados.
Os tributaristas alertam que, quanto mais elevado for o número de exceções, maior será a alíquota padrão do IVA e menor será o efeito positivo da reforma na economia. Inicialmente, a equipe econômica estimou uma alíquota geral de 25%, mas o Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea) já projeta um patamar de 28,04%.
Concluída essa etapa da reforma, o governo irá se debruçar sobre a taxação da renda, que envolve, por exemplo, a tributação de lucros e dividendos, hoje isentos. Mas a Fazenda já quer antecipar o debate por meio de projetos avulsos, que devem ser debatidos no Congresso a partir de agosto, como a taxação de investimentos no exterior e de fundos exclusivos, voltados aos super-ricos.
Apesar das flexibilizações feitas pelo Congresso, a aprovação do arcabouço fiscal e o encaminhamento da reforma tributária ajudaram o governo Lula a reverter as expectativas desfavoráveis para a economia que vigoravam no início do ano.
No primeiro trimestre, o governo já havia colhido uma boa notícia na economia. Entre janeiro e março, o Produto Interno Bruto (PIB) subiu 1,9% e veio bem acima do projetado pelos economistas. O resultado foi impulsionado pela agropecuária.
Com o encaminhamento de boa parte da agenda, somado ao bom desempenho dos indicadores no início do ano, os analistas passaram a aumentar de forma constante as projeções de crescimento para a economia brasileira em 2023. Elas saíram de 0,8% para 2,2%, apesar da desaceleração já desenhada para o segundo semestre.
No início deste terceiro mandato, havia uma grande desconfiança se a Fazenda iria conseguir endereçar algum tipo de regra fiscal para o País, por exemplo. Falas desencontradas de integrantes do governo e do próprio presidente aumentaram a percepção de risco dos investidores, num cenário que já era delicado por causa da aprovação da PEC da Transição, que abriu um espaço bilionário no Orçamento do governo para novos gastos.
“Não é (um governo) perfeito, não é fantástico, não é maravilhoso, mas o começo foi preocupante, especialmente, na parte macro”, afirma Vale, da MB Associados. “Dava uma sensação, ali em janeiro, ouvindo as entrevistas e os discursos do Haddad, de uma certa falta de percepção em relação ao que era a questão central naquele momento.”
Aos poucos, no entanto, o avanço das medidas econômicas foi abrindo um cenário mais positivo. Um dos termômetros dessa melhora de visão dos investidores com o País se refletiu na cotação do dólar, que chegou a superar a faixa de R$ 5,40 no início do governo, mas passou a rondar o patamar de R$ 4,80 nas últimas semanas.
Um outro ponto que ajudou na reversão das expectativas foi a decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) de manter a meta de inflação em 3% para os próximos três anos.
Dentro do governo Lula, havia ganhado força um discurso de que aumentar o alvo a ser perseguido para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) poderia ajudar numa queda da taxa básica de juros.
Esse discurso nunca foi bem visto pelos investidores, mas acabou perdendo força conforme os resultados do IPCA se mostraram melhores do que o esperado.
“Quando a gente olha para o IPCA, tem algumas linhas que vão ficar muito mais benignas este ano, como a alimentação em domicílio, e a própria questão dos preços de bens industrializados”, afirma Alessandra, da Tendências
A combinação desses fatores abriu um cenário para a queda da taxa básica de juros. No pior momento do ano, quando as incertezas eram grandes, os analistas de mercado consultados pelo relatório Focus, do Banco Central, estimavam que a Selic iria encerrar o ano em 12,75% ao ano. Agora, a expectativa é que ela caia a 12%.
“Prevemos corte de 25 pontos (0,25 ponto porcentual, em agosto), começando de maneira mais cautelosa e acelerando para 50 pontos (0,50 ponto porcentual)”, afirma Alessandra. “Na nossa avaliação, o BC não deve começar num ritmo de 50 pontos porque, olhando para 2024 e 2025, as expectativas de inflação melhoraram, mas ainda seguem distantes da meta.”
Fonte: Estadão