Tributação de investimentos no exterior e fundos de ‘super-ricos’ viram foco do governo para agosto
BRASÍLIA – Ainda que o pacote principal da reforma tributária da renda e do patrimônio só vá ser enviado pelo governo ao Congresso no final do ano, a equipe econômica busca antecipar projetos “avulsos” para aumentar a taxação de contribuintes do “andar de cima”. O governo pretende acelerar para agosto, por exemplo, a discussão sobre a tributação de fundos offshore, ou seja, de investimentos no exterior, além dos fundos exclusivos, voltados à alta renda.
A equipe econômica tem pressa porque o Orçamento de 2024 precisa ser encaminhado ao Congresso até o dia 31 de agosto – e essas medidas são importantes para garantir receitas extras aos cofres públicos. A lei orçamentária está sendo elaborada em cima do novo arcabouço fiscal, ainda pendente de aprovação na Câmara, que estabelece a meta de zerar o rombo nas contas públicas no ano que vem.
O objetivo é visto com bastante ceticismo no mercado financeiro e também no meio político, uma vez que o governo apostou todas as fichas no aumento de arrecadação. Neste ano, a previsão do Ministério da Fazenda é chegar a dezembro com um déficit (ou seja, despesa superior à receita) ao redor de R$ 100 bilhões.
Os projetos envolvendo a tributação da renda que devem ser adiantados pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, são pontos considerados mais avançados no debate. Já a parte mais estrutural da reforma, que deve envolver a taxação de lucros e dividendos, por exemplo, está prevista para ocorrer depois da aprovação da nova cobrança sobre o consumo, ainda em tramitação no Senado Federal.
Um dos projetos da lista é a tributação de fundos no exterior, chamados de offshore. Esses investimentos, muitas vezes, são feitos em paraísos fiscais, livres de impostos. Em maio, o governo editou uma medida provisória taxando esses fundos. A justificativa era de que seria necessário gerar receita para compensar a renúncia fiscal com o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 2.640 (dois salários mínimos).
A MP, porém, tem validade até 27 de agosto e até agora a comissão mista (formada por deputados e senadores) para analisar a proposta não foi instalada. Assim, não há sequer relator designado, o que coloca em dúvida a sobrevida da MP. Segundo apurou o Estadão, o objetivo do governo é aproveitar esse texto, “eventualmente com pequenos ajustes”, afirmou um integrante da equipe econômica.
O Ministério da Fazenda tem uma avaliação positiva da taxação sobre os fundos offshore, pois considera que tributa investidores de alta renda, além de estar de acordo com regras já adotadas pela maioria dos países desenvolvidos, como Alemanha, Canadá, Japão, França e Reino Unido. Pela MP, a partir de janeiro de 2024, os rendimentos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil seriam tributados em 15% e, acima desse patamar, em 22,5%. Rendimentos até R$ 6 mil ficariam isentos.
Em relação à regularização de ativos, a pessoa física residente no País poderá optar por atualizar o valor dos bens e direitos no exterior informados na declaração anual de ajuste, pagando uma alíquota de imposto menor. Segundo cálculos preliminares do Ministério da Fazenda, as medidas têm potencial de arrecadação da ordem de R$ 3,59 bilhões para 2024 e de R$ 6,75 bilhões para 2025.
A mudança na tributação dos fundos exclusivos de investimentos, usados pelos super-ricos, é outro item dessa lista de medidas “avulsas”. Segundo Haddad, o governo vai enviar um projeto de lei ao Congresso em agosto, junto com o Orçamento.
Hoje, os investimentos nos fundos exclusivos são taxados apenas no resgate, o que pode levar anos. A ideia do governo é instituir o sistema chamado de “come-cotas”, como ocorre nos fundos tradicionais, que prevê a cobrança periódica sobre o rendimento.
Garantir a aprovação dessa proposta no Congresso, porém, não será tarefa fácil, uma vez que outros governos já tentaram e não conseguiram. Em 2017, no governo Michel Temer (MDB), a equipe econômica chegou a editar uma Medida Provisória, mas ela caducou sem o aval da Câmara. Na ocasião, o governo previu arrecadar quase R$ 11 bilhões com o projeto.
Pesou, no entanto, o lobby contrário de grandes investidores e de instituições financeiras, temerosos sobre a forma como seria taxado o estoque investido nesses fundos.
O debate se concentrou sobre a constitucionalidade de se cobrar os valores investidos desde antes da vigência da lei. O come-cotas também foi alvo de debate entre advogados, que veem problemas na tributação periódica, mesmo quando não há saque do valor investido.
O objetivo da equipe de Haddad é intensificar o debate sobre a desigualdade na tributação entre ricos e pobres com a reforma da renda e, por isso, esses dois temas são uma prévia do embate.
Apostas esportivas e varejistas internacionais
Em outra frente arrecadatória, o governo prepara o envio ao Congresso dos textos que vão regulamentar as apostas esportivas online e abrir caminho para a taxação desse mercado. A expectativa da Fazenda é levantar até R$ 12 bilhões por ano. Técnicos da equipe econômica admitem, porém, que a cifra é imprecisa, já que o setor ainda é pouco conhecido e mapeado no País.
Após negociações de interlocutores da Fazenda com Lira, ficou acertado que a nova tributação será fatiada em uma medida provisória (MP) e um projeto de lei – ambos já finalizados e na mesa da Secretaria de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, como revelou o Estadão.
O imposto incidirá sobre os prêmios recebidos pelos apostadores (com alíquota de 30% e isenção para valores até R$ 2.112) e sobre os operadores (16% sobre a receita obtida com os jogos, subtraídos os prêmios).
A Receita Federal também prepara para agosto o início do chamado plano de conformidade das varejistas internacionais, com foco nas asiáticas Shein, Shopee e Aliexpress – uma medida marcada por uma série de recuos do governo em meio a pressões políticas e da opinião pública.
Nessa primeira fase, o governo vai isentar do imposto de importação as compras online de até US$ 50. Como contrapartida, os e-commerces terão de fazer uma declaração antecipada de importação e pagar os tributos – quando eles forem devidos, para valores superiores a US$ 50 –, antes da chegada da mercadoria ao País.
Hoje, esse pagamento só é realizado depois que o item chega ao Brasil. Além disso, não haverá isenção para a cobrança estadual do ICMS, que terá alíquota de 17%.
A expectativa é de que haja uma maior formalização desses marketplaces internacionais e, portanto, um aumento de arrecadação. O plano, porém, não foi bem-recebido pelas varejistas nacionais, que veem falta de isonomia na tributação e pressionam a Fazenda por mudanças.
Fonte: Estadão