Projeto do Carf perdoa dívidas, dizem auditores
OUTRO LADO: Associação de representantes dos contribuintes afirma que suspensão do pagamento por discussão de multas não torna empresas devedoras contumazes
A Unafisco, associação dos auditores da Receita Federal, fez uma simulação para mostrar como o impacto do projeto de lei do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) é nocivo aos cofres da União.
O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados e, como mostrou a Folha, o governo calculava ser possível recuperar R$ 34 bilhões com as negociações das multas em discussão no conselho.
No entanto, os \”jabutis\” inseridos no texto desidrataram de tal forma a capacidade de recuperação das dívidas que, ao final, não sobrará nada para o governo.
Um exemplo: uma autuação de R$ 100 milhões, com multa de 75%, aguardando julgamento final há dez anos no Carf, resultaria no pagamento de R$ 332,50 milhões –considerando uma taxa Selic acumulada de aproximadamente 90% no período.
A inflação pelo IPCA foi de aproximadamente 77% no mesmo período.
Antes, com o voto de qualidade, a autuação era mantida. Agora, com o novo voto de qualidade previsto no projeto de lei, o valor cai de R$ 332,5 milhões para R$ 100 milhões, que é apenas o valor principal.
Pelos cálculos, esse valor representa 30% do valor original devido à correção inflacionária do período.
No entanto, segundo a Unafisco, esse valor não precisará ser pago pelo contribuinte. Isso porque podem ser usados prejuízos fiscais, inclusive de outras empresas do grupo, e precatórios de terceiros, para acertar o débito.
Para a entidade, o texto aprovado na Câmara torna a sonegação uma atividade de risco calculado e a inadimplência um grande negócio.
Além disso, as Representações Fiscais para Fins Penais (RFFP) seguirão para o arquivo, não chegando mais ao Ministério Público Federal. O risco de repercussão penal, que sempre foi baixa, agora irá a zero.
A Unafisco pretende agora pressionar contra o projeto junto ao Senado Federal.
\”É um acordo de pai para filho. A ideia do mercado financeiro e das empresas sobre os benefícios de uma inflação maior pode até mudar. Quanto maior a inflação no período, menos tributos serão pagos\”, afirma Kleber Cabral, vice-presidente da Unafisco.
Sem prejudicar a matéria
Wesley Rocha, presidente da Aconcarf (Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf), afirma que as empresas que chegam ao Carf não são devedoras contumazes, como faz parecer a Unafisco. Rocha diz que o Congresso discute separar as duas categorias de devedores, o que pode ser uma vacina contra a preocupação do fisco. \”Um contribuinte que reitera atos de sonegação deve ser tratado de maneira diferente daquele que simplesmente atrasa o recolhimento de tributos sem intenção de obter benefícios próprios\”, disse.
Advogados tributaristas também avaliam que a União não tende a ser prejudicada com as alterações, ainda que possa, de fato, haver queda na arrecadação.
\”De fato, o estado pode arrecadar menos com a redução das penalidades, como foi exposto [pela Unafisco]. Mas, o que não foi dito, é que essas reduções fomentam a adimplência, o que, por sua vez, pode gerar um aumento de arrecadação\”, diz Gisele Bossa, sócia do escritório Demarest e ex-conselheira do Carf.
Edison Fernandes, sócio do escritório FF Law e ex-conselheiro do Carf, avalia que as alterações no texto tornam mais fáceis a quitação dos débitos, contribuindo para a arrecadação do governo.
\”Não há incentivo à sonegação, até porque existem outras repercussões negativas ao contribuinte, como custos de defesa e impossibilidade de certidão negativa, em determinados casos. A Câmara buscou uma solução salomônica para viabilizar a manutenção do voto de qualidade\”, disse.
Com Diego Felix
Fonte: Folha de São Paulo