Entenda o que muda com a volta do voto de qualidade no Carf
Aprovada na última sexta-feira (7/7) pela Câmara dos Deputados, a volta do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) traz também a derrubada de multas e juros cobrados do contribuinte no caso da aplicação da metodologia de desempate, além do cancelamento de eventuais representações fiscais para fins penais — desde que haja o pagamento do débito em até 90 dias. Nestes casos, o pagamento poderá ser feito em até 12 parcelas, com possibilidade de utilização de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL.
A derrubada da multa, de acordo com a redação do PL 2.384/23, que vai ao Senado, vale inclusive aos casos já julgados pelo Carf e ainda pendentes de análise de mérito pelos Tribunais Regionais Federais (TRFs).
A votação representa uma vitória do governo, que defende o voto de qualidade (isto é, voto de minerva do presidente da turma) como critério de desempate. Com isso, haverá peso duplo ao posicionamento do presidente da sessão, sempre um representante do Fisco. A tendência é de desempate é favorável à União, o que pode ter um impacto direto na arrecadação.
Apesar da dificuldade dos próprios parlamentares em entender o que estava sendo alterado, também foi retirado o dispositivo que criava um programa de parcelamento de dívidas em até 60 meses, com redução de até 100% dos juros. A medida era criticada por se assemelhar a um Refis e prever condições muito benéficas.
Para o advogado Carlos Augusto Daniel Neto, sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, a proposta traz um incentivo ao litígio administrativo, ao colocar o litigante em uma situação melhor que aquele que adimpliu no vencimento ou realizou denúncia espontânea.
O tributarista destaca que, além de conceder redução de multas, juros e possibilidade de parcelamento, o Projeto de Lei prevê a possibilidade de utilização de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL de outras pessoas jurídicas.
O parecer do relator previa a utilização de prejuízo de titularidade do próprio contribuinte e de controlada ou controladora de forma direta ou indireta. Segundo o tributarista, essa medida poderá gerar um mercado de compra de empresas que acumulem largos saldos de prejuízos, para a quitação dos passivos tributários.
O texto que vai ao Senado também altera multas aplicadas às pessoas físicas e jurídicas. A multa qualificada, cobrada quando há fraude, conluio ou sonegação por parte do contribuinte, passa a ser de 100%, de acordo com o projeto. Hoje o percentual é de 150%. Segundo o texto do PL, a penalidade só atingirá 150% nos casos em que for verificada a reincidência do contribuinte.
Ana Paula Lui, sócia da área de Tributário do Mattos Filho, apontou uma contradição dentro do próprio texto aprovado pela Câmara. Isso porque o texto prevê o cancelamento de qualquer valor de multa em atuação fiscal que exceda 100% do montante do crédito tributário.
“Um auto de infração hoje e outro auto de infração sobre o mesmo assunto daqui dois anos configura reincidência, e teria aplicação da multa de 150%. Mas o artigo 14 [do PL] está mandando cancelar todas as multas acima de 100%”, disse.
O mesmo artigo que prevê o cancelamento do excesso de multa também define que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) deve providenciar o cancelamento imediato da inscrição de dívida ativa de todo o montante da multa acima de 100% do valor do crédito. A PGFN deverá agir mesmo sem provocação do contribuinte, de ofício.
Ainda segundo o projeto, a multa de 75%, aplicada em casos de falta de recolhimento e declaração ou de declaração inexata, pode ser reduzida em 1/3 nos casos de “erro escusável do sujeito passivo, cujo comportamento demonstre sua cautela para assegurar o adequado cumprimento da obrigação tributária”. Ainda, poderá ocorrer a redução quando o contribuinte tenha agido “de acordo com as práticas reiteradas adotadas pela Administração ou pelo segmento de mercado em que esteja inserido”.
A proposta prevê que a Fazenda Nacional poderá instituir uma transação tributária abrangendo casos decididos por voto de qualidade. Caberá à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) regulamentar a transação, que não poderá ser mais benéfica aos contribuintes do que as demais, e deverá levar em consideração o risco judicial de cada processo. Na última sexta sexta, foi suprimido o trecho do PL que possibilitava a transação também por parte da Receita.
Por fim, o texto garante a possibilidade de sustentação oral nas Delegacias de Julgamento da Receita (DRJs), e prevê a observância, pelos julgadores, das súmulas e jurisprudência do Carf. O PL também reduz a zero as alíquotas de PIS e Cofins sobre a receita auferida com a cessão de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa de CSLL para pessoas jurídicas controladas, controladoras ou coligadas.
Bárbara Mengardo – Editora em Brasília. Coordena a cobertura de tributário nos tribunais superiores, no Carf e no Executivo. Antes de trabalhar no JOTA atuou no jornal Valor Econômico, tanto em São Paulo quanto em Brasília
Gabriel Shinohara
Fonte: JOTA