Voto de qualidade no Carf desejado por Haddad só volta sob condições, diz relator

Concessão de benefício a contribuinte ou desempate por novos conselheiros são opções consideradas
Idiana Tomazelli Victoria Azevedo
Brasília
Uma das principais medidas do pacote do ministro Fernando Haddad (Fazenda) para tentar reequilibrar as contas públicas, a retomada do chamado voto de qualidade no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), só será possível mediante a negociação de condições. A declaração é do relator do projeto de lei sobre o tema, deputado Beto Pereira (PSDB-MS), em entrevista à Folha.
O Carf é o tribunal administrativo que julga casos bilionários de disputa entre União e contribuintes sobre o pagamento de impostos. Já o voto de qualidade é o instrumento que, em caso de empate nas votações, dá ao presidente do colegiado (indicado pelo Ministério da Fazenda) o poder de decisão.
O voto de qualidade foi derrubado em 2020 pelo Congresso, ampliando as perdas da União no tribunal —que já servia como instrumento de manobra de grandes empresas para adiar por anos o recolhimento de tributos.
A retomada do instrumento é uma das bandeiras de Haddad para ampliar as fontes de receita do governo federal, diante das metas de reduzir o rombo nas contas este ano e zerar o déficit em 2024.
\”O voto de qualidade só tem probabilidade de voltar se tiver condicionantes\”, diz Pereira, que foi designado relator da matéria na segunda-feira (12) e já teve reuniões com Haddad e com representantes da Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas), uma das entidades atuantes na discussão. \”Não será um voto de qualidade solto.\”
Em fevereiro, a Fazenda, a Abrasca e a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) chegaram a selar um acordo em torno da retomada do voto de qualidade, que livrava os contribuintes de multas e dava descontos nos juros em caso de um empate no julgamento no Carf.
O argumento das empresas era de que o placar indicava a existência de controvérsia sobre a cobrança, o que deveria isentar as empresas da penalidade (multa) —uma espécie de benefício da dúvida. Haddad afirmou em abril à Folha que não cederia mais no caso do Carf após ter fechado o acordo.
A solução foi inicialmente criticada por parlamentares e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por ter sido pactuada entre entidades que não têm competência para legislar sobre o tema —tarefa que cabe a \”quem tem voto\”, segundo essas críticas.
Agora, há boa vontade em analisar os termos firmados, embora não exista garantia de incorporação integral. Segundo o relator, a lógica de conceder algum tipo de benefício pode ser uma saída. \”Pode ter um benefício para quem chegou ao voto de qualidade\”, afirma.
Outra opção, diz Pereira, é prever uma regra de desempate via ampliação do colegiado. Ele cita o exemplo do CPC (Código de Processo Civil), que prevê julgamento de alguns tipos de recursos por um colegiado de três juízes, com ampliação para cinco caso a primeira votação não seja unânime.
Ao ser designado para o posto, o relator conversou com Lira. Segundo Pereira, o presidente da Casa quer \”rebalancear\” o Carf —que, no formato pré-2020, era visto como pró-Fisco e, sem o voto de qualidade, ficou só pró-contribuinte, segundo ele. O relator avalia que não é mais tabu no Congresso discutir a retomada do instrumento derrubado pelos próprios parlamentares.
Pereira também pretende revisar a proposta de elevar para mil salários mínimos (R$ 1,32 milhão) o valor mínimo em disputa para o contribuinte ficar habilitado a recorrer ao Carf. Hoje, esse limite é de 60 salários mínimos (R$ 79,2 mil).
Há uma avaliação de que a mudança pode limitar a capacidade de contribuintes questionarem as infrações lançadas pela Receita Federal em âmbito administrativo. Por isso, o relator pretende reavaliar esse trecho.
Outro ponto considerado \”pilar\” nas discussões é a chamada \”classificação de conformidade\”, iniciativa incluída no projeto e que autoriza a Receita a deixar de punir contribuintes que tenham uma espécie de selo de bom pagador de tributos, caso eles deixem de cumprir momentaneamente alguma obrigação junto ao Fisco.
A ideia do governo é que o conceito de conformidade seja baseado em critérios como regularidade do cadastro e do recolhimento dos tributos, exatidão das informações prestadas, entre outros itens definidos pela Receita.
Pereira avalia que é preciso \”deixar mais nítido\” quais são os critérios, embora ainda não tenha definido como isso será feito em seu parecer.
A indicação da relatoria e a consequente sinalização de avanço na agenda do Carf significam uma mudança em relação a prognósticos anteriores de congressistas e da própria Fazenda, de que o projeto poderia ficar parado na Câmara. A boa relação de Haddad com Lira, porém, tem contribuído para destravar a agenda econômica.
Inicialmente, a proposta havia sido enviada pelo governo Lula (PT) por meio de MP (medida provisória). Diante do impasse sobre o rito da tramitação das MPs e com risco de perder validade, a matéria foi transformada em um projeto de lei com regime de urgência. Com isso, ela tranca a pauta de votações da Câmara a partir da próxima quarta-feira (21).
Apesar da tentativa de votar o texto até essa data, líderes reconhecem dificuldades em seguir o cronograma, uma vez que o relator ainda irá se reunir com as bancadas e terá que construir um texto que seja consensual.
Além do tempo para discussão da proposta, Lira deverá ficar fora da Câmara em viagem entre os dias 22 e 29. Por isso, o presidente da Câmara pediu ao relator para que o texto seja votado antes disso


Fonte: Folha de São Paulo

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