Suspeitas em recuperações judiciais vão de carimbo forjado a desvio por sócios
Representantes das instituições financeiras envolvidas na acusação de suspeitas em recuperações judiciais veem no uso de Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (Fidcs) uma evolução de antigas estratégias de devedores e fraudadores. Para eles, há uma falha de mercado, fruto do elevado apetite de investidores por recebíveis, de um lado, e o abuso de fraudadores, do outro.
O mercado estava com apetite de títulos e atraiu empresários de má fé”, afirma um advogado que atua na área e não quis se identificar. “As recuperações judiciais passaram a ser vítimas, o que não existia no passado, e os Fidcs passaram a ser o alvo preferencial”.
Segundo advogados, haveria casos nos quais os Fidcs chegam a até 80% das dívidas informadas na recuperação judicial. Também seria comum que o grosso do dinheiro levantado por esse instrumento pela empresa suspeita tenha sido conseguido poucos meses antes do pedido de proteção contra as dívidas chegar à Justiça, entre cinco a seis meses.
O objetivo seria levantar o máximo de recursos possíveis, antes da estratégia ser descoberta. Assim como no caso do Grupo DOK, também seria comum que os títulos forjados sejam acompanhados do selo de alguma grande varejista, com uma nota fria.
Segundo a acusação, a dona da Ortopé teria falsificado carimbos de grupos como Renner e Riachuelo. A Mixtel, de acordo com os as instituições, teria usado o nome da Havan em notas referentes e mercadorias não reconhecidas pela varejista catarinense.
O advogado da DOK, Daniel Amaral, afirmou, à época, que as investigações criminais não influenciarão na recuperação judicial. O representante da Mixtel diz que não se pronuncia fora dos autos do processo.
Há ainda a suspeita do uso de empresas de fachadas que serviriam para pagar parte dos títulos, para não levantar suspeitas e aumentar os limites de crédito. O problema é que as mercadorias não seriam entregues. Além disso, a existência de dívidas surgiria de maneira inesperada nos pedidos de recuperação judicial.
Documentos contábeis
Boa parte do problema estaria oculta em uma questão aparentemente burocrática: a divergência em documentos financeiros. Em petições juntadas ao processo de recuperação judicial da transportadora Graneleiro, representantes dos fundos de investimentos acusam a empresa de ocultar do mercado que o patrimônio líquido estava negativo em R$ 93 milhões.
Os documentos da recuperação da transportadora também mostrariam que um mesmo título foi cedido a mais de um fundo, além de outras práticas suspeitas, como o pagamento de títulos diretamente à empresa, em vez da instituição financeira credora.
A transportadora de 45 anos atua em oito Estados e teve a recuperação deferida em março. Em abril, o juiz do caso mandou suspender a recuperação judicial por “disparidade nos balanços contábeis” até a apreciação do mérito do recurso.
O banco Scania pediu revogação da RJ por “constatação de fraude contábil no balanço da requerente”. Diante das acusações, o juiz avaliou que o tema deveria ser investigado com mais profundidade.
O advogado da Graneleiro, Márcio Nakano, nega que os créditos tenham sido obtidos de forma fraudulenta. Para ele, mesmo se isso for comprovado, a fraude “deverá ser apurada em meios próprios”.
Nakano também diz que “quaisquer erros que possam ter sido cometidos foram diante do desespero ocasionado pela operação extremamente alavancada sob taxas de juros exorbitantes”. Ele acusa os Fidcs de tentar prejudicar a empresa “a todo custo” e que “a causa da própria RJ foi as altas taxas de juros praticadas pelos fundos”.
Grupo econômico
No processo da empresa de plásticos Riopet, fornecedora da Coca-Cola, também há questionamentos sobre documentos contábeis. A principal suspeita levantada pelos credores é de que os recursos conseguidos junto aos fundos de investimentos teriam sido repassados a empresas do mesmo grupo econômico. O instrumento da recuperação judicial teria sido usado como forma de não pagar esses recursos.
“Conclui-se que as FIDCs acusam as recuperandas de fraudes para obter os créditos, não usar os créditos obtidos para investimentos e transferir fração relevante dos créditos para outras empresas do grupo econômico além de usar o processo de recuperação judicial para não pagar tais valores”, afirma parecer do Ministério Público no processo.
Mais de 10 fundos de investimento pediram a impugnação da RJ. Segundo eles, houve “prática da retenção ilícita da propriedade de terceiros” e um rombo de cerca de R$ 250 milhões de reais “operado em 2022 sem a devida contraprestação, ou com retenção do patrimônio de terceiros”.
Advogados de defesa da empresa disseram que os documentos solicitados pelo MP-RJ já foram entregues. A RJ foi deferida em novembro de 2022 e o plano de recuperação foi apresentado em janeiro.
Fonte: Estadão