Julgamentos nas DRJs poderão ter decisões individuais e sustentação oral
Após alterar o critério de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) no início do ano, o governo modificou as regras das Delegacias de Julgamento da Receita Federal (DRJs), a primeira instância de julgamentos do contencioso tributário do país. A principal mudança é a previsão de decisões monocráticas, ou seja, individuais, dos julgadores em casos de pequeno valor ou baixa complexidade. Além disso, os contribuintes poderão apresentar sustentação oral gravada para os julgamentos.
As alterações constam na Portaria MF 20/2023, publicada na última quarta-feira (22/2) e que entra em vigor a partir de 3 de abril. As decisões monocráticas só serão possíveis para o contencioso de pequeno valor (casos envolvendo até 60 salários mínimos) ou de baixa complexidade (processos de até mil salários mínimos).
A Portaria 340/2020, norma anterior que regulamentava o funcionamento das delegacias e que foi revogada pela portaria de hoje, não previa a possibilidade de decisões monocráticas e de apresentação de sustentação oral em nenhuma circunstância.
A alteração com relação a esses pontos acontece após a edição da Medida Provisória (MP) 1.160/23, que restabeleceu o voto de qualidade como único critério de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e elevou o limite de alçada para o acesso ao tribunal administrativo. Antes em 60 salários mínimos, o limite agora é mil salários mínimos. Processos discutindo valores inferiores serão encerrados na DRJ, sem a possibilidade de recurso ao Carf.
As DRJs são compostas exclusivamente por representantes do fisco, enquanto as turmas do Carf são formadas por representantes do fisco e do contribuinte em igual número. Além disso, no conselho os contribuintes têm direito à sustentação oral durante as sessões presenciais e virtuais, tanto nas turmas ordinárias quanto na Câmara Superior. Já nas DRJs, não havia possibilidade de sustentação oral antes da portaria desta quarta-feira.
Guilherme Manier, sócio da área tributária do Viseu Advogados, criticou a possibilidade de decisões monocráticas nas DRJs. O advogado argumenta que é um problema que um único auditor fiscal seja responsável por analisar e julgar o trabalho de meses de outro auditor que lavrou o auto de infração.
“O auto de infração bate na empresa, a empresa apresenta a impugnação e um julgador sozinho vai analisar essa matéria de um auto de infração do colega dele, que senta ao lado, faz um curso interno juntos, têm a mesma visão. Ele vai analisar essa matéria sozinho e contra essa decisão não cabe recurso ao Carf”, disse Manier.
De acordo com a Portaria 20, as decisões monocráticas podem ser alvo de recurso para decisão colegiada em última instância nas Turmas Recursais, especializadas por matéria e compostas por três a sete julgadores, todos auditores fiscais.
Francielle Sezotzki, advogada associada ao Cascione Advogados, ressalta que a possibilidade de apresentar recurso a uma segunda instância na DRJ não soluciona integralmente a questão criada pela elevação do limite de alçada para acesso ao Carf. Segundo ela, a possibilidade de acessar a Turma Recursal após a decisão monocrática equivaleria a uma espécie de “Carfinho”, porque traria a possibilidade de recurso para processos de pequeno valor e baixa complexidade. Porém, não há paridade entre os julgadores ou possibilidade ampliada de discussão dos temas.
“Diferentemente do que ocorre no Carf, não haverá julgamento paritário no ‘Carfinho’, dado que as Turmas Recursais serão sempre compostas por auditores fiscais da Receita Federal. Além disso, a complexidade e relevância das questões, que muitas vezes implica em debate mais amplo, com a participação de representantes dos contribuintes, não pode ser aferida simplesmente com base no valor em discussão”, disse.
Normas para decisão monocrática
Além da definição de limites, o novo normativo prevê que os julgadores de processos com decisão monocrática poderão pedir diligência ou perícia “quando imprescindíveis” e deverão apresentar os motivos dessa decisão. Depois da realização da diligência, o julgador terá até 90 dias para proferir a decisão.
O entendimento deverá conter relatório, fundamentos legais, conclusão e ordem de intimação. A relação de processos para serem julgados monocraticamente será realizada em conformidade com ato ainda a ser publicado do Secretário Especial da Receita Federal.
Julgamento virtual
A Portaria também define que as sessões de julgamento serão realizadas preferencialmente de forma virtual e prevê duas modalidades: síncrona, por meio de videoconferência, ou assíncrona, com agendamento da pauta a prazo para os julgadores postarem seus votos.
Os processos de pequeno valor e de baixa complexidade serão analisados em sessões assíncronas, mas o presidente da Turma Recursal poderá levá-los para julgamentos síncronos “sempre que justificável”. A regulamentação das sessões assíncronas será feita posteriormente, em ato do Secretário da Receita Federal.
O normativo também prevê que os contribuintes poderão apresentar sustentação oral gravada nos julgamentos de recursos. A gravação deverá ser encaminhada digitalmente em prazos e termos ainda a serem estabelecidos pela Receita Federal.
Manier, do Viseu Advogados, elogia a preferência por julgamentos virtuais. Segundo ele, seria uma adaptação aos tempos atuais. “Para a Receita Federal, levando em consideração que a gente está na primeira instância, me parece que é um movimento bom, vejo isso com bons olhos. O futuro é esse, não é o presencial para tudo, o futuro é o virtual”.
Acompanhamento das sessões
O advogado Marcos Matsunaga, sócio do Ferraz de Camargo e Matsunaga Advogados, mostrou preocupação com relação à possibilidade de acompanhamento das sessões de julgamento. O tributarista observa que isso não fica claro na portaria desta quarta. Segundo ele, nunca foi possível acompanhar julgamentos na DRJ.
“Você pode enviar a sustentação oral em formato digital, mas não há referência à possibilidade de assistir às sessões. Eu acho que faria bem à transparência se o público e as partes pudessem assistir para acompanhar os debates entre os julgadores. O grande elefante na sala é o quão imparciais serão essas sessões”, afirma.
Matsunaga diz ainda que há dúvidas sobre como será aplicado o limite de mil salários mínimos para acesso ao Carf. Segundo o tributarista, há casos no contencioso administrativo fiscal que, embora tratam do mesmo contribuinte e da mesma discussão, são divididos em mais de um processo. Ele cita como exemplo processos envolvendo declarações de compensação referentes a diferentes períodos.
“São casos que, às vezes, não chegam a mil salários mínimos isoladamente. Mas se você vê o valor total daquela discussão, ao longo do ano, geralmente ultrapassa [o limite de alçada]. Não está claro, na portaria, como isso vai ser considerado, se vai ser o caso isolado ou se vão criar um sistema melhor, reconhecendo a conexão entre esses casos para que a gente possa recorrer ao Carf [em caso de derrota na DRJ]”, comenta.
Gabriel Shinohara – Repórter na cobertura do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)
Fonte: JOTA