Carf volta a suspender sessões enquanto governo negocia MP do voto de qualidade
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) suspendeu as sessões de julgamento que estavam previstas para ocorrer entre 14 e 16 de fevereiro nesta semana. É a segunda semana consecutiva em que os julgamentos são cancelados. Caso as sessões fossem mantidas, uma nova leva de teses poderia ser revertida a favor da Fazenda Nacional com a aplicação do voto de qualidade.
Estavam agendados julgamentos da 2ª Turma da Câmara Superior e das turmas ordinárias da 3ª Seção. A pauta da Câmara Superior trazia temas que chegaram a ser revertidos a favor das empresas em 2022 pelo desempate pró-contribuinte. Entre eles, a incidência de contribuição previdenciária sobre stock options (opções de compra de ações) e sobre a Participação nos Lucros e Resultados (PLR).
O voto de qualidade confere aos presidentes das turmas do Carf, sempre representantes do fisco, o voto de minerva em caso de empate. Assim, na maioria das vezes, o desempate é a favor da União. Em abril de 2020, com a Lei 13.988, passou a valer, em caso de empate, o desempate pró-contribuinte. A alteração, no entanto, foi revogada pelo novo governo.
A suspensão das sessões, prevista na Portaria 1.490/2023, tem relação com as negociações para possíveis alterações na Medida Provisória (MP) 1.160/2023, que restabeleceu o voto de qualidade como único critério de desempate no Carf.
Logo após a edição da MP, nos primeiros dias de fevereiro, o Carf realizou uma leva de julgamentos sob a nova regra de desempate. Alguns contribuintes obtiveram liminares para retirada de seus casos de pauta, sob o argumento da precariedade de estabelecer a regra de desempate por medida provisória. Outros não foram bem-sucedidos na Justiça e perderam no Carf pelo voto de qualidade. Isso ocorreu em processos envolvendo teses como tributação de lucros no exterior e amortização de ágio interno, que haviam sido revertidas a favor das empresas pelo desempate pró-contribuinte.
Repercussão
A nova suspensão das sessões causou reações diversas. Apesar de considerarem acertada a decisão do presidente do Carf, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, de aguardar uma definição sobre a MP 1160/2023 para realizar os julgamentos, advogados que atuam no tribunal criticaram a demora para decidir sobre o cancelamento. Segundo eles, o anúncio já no fim da semana acabou causando prejuízos, devido a passagens adquiridas e hotéis reservados em Brasília, onde fica a sede do tribunal.
“A suspensão das sessões, apesar de tardia, e de gerar transtornos com cancelamentos de passagens e hospedagens, é bem-vinda para evitar uma onda de judicialização dos julgamentos ocorridos durante a discussão das regras processuais que passarão a valer para o Carf”, comentou Carlos Augusto Daniel Neto, sócio do Daniel e Diniz Advocacia Tributária.
Os conselheiros do Carf também consideraram negativo o fato de o anúncio de suspensão ter vindo na última hora. Eles pontuaram que também há aquisição de passagens e reserva de hotéis para os julgadores, custeada com dinheiro público. Outro impacto desfavorável, segundo eles, é a paralisia do tribunal após vários meses sem julgamento em 2022 devido à mobilização dos auditores fiscais pela regulamentação do bônus de eficiência. Como muitos conselheiros fazendários aderiram ao movimento, o Carf só funcionou plenamente no segundo semestre.
Ao JOTA, um conselheiro disse que o tribunal poderia manter ao menos as sessões virtuais, para julgar casos que envolvem teses pacificadas, sem chances, portanto, de terminar em empate. “Eu, particularmente, acho que deveriam ao menos fazer sessões virtuais. Se o contribuinte não quisesse julgar, era só pedir que o processo fosse para sessão presencial. Evitaria mais quatro meses com tudo parado”, comentou.
O Carf tem um estoque acumulado de mais de R$ 1 trilhão relativo a processos aguardando julgamento. Além da paralisação dos auditores fiscais, o órgão foi prejudicado pela pandemia, período em que só realizou sessões virtuais e julgou os casos de menor valor.
Outro julgador criticou a falta de previsibilidade para quem atua no tribunal administrativo. “Advogados de mãos totalmente atadas para pedir a retirada de pauta ou para o efetivo julgamento, conselheiros apreensivos com a precária e confusa situação institucional [do Carf] e todos escravos da falta de razoabilidade dos acontecimentos, especialmente pela impossibilidade de organização, seja no âmbito pessoal ou profissional. É um desgaste, econômico, financeiro e emocional, totalmente desnecessário”, disse.
Mariana Branco – Repórter especializada em Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)
Fonte: JOTA