Permissão do STF para cobrança retroativa de tributos vai reforçar caixa do governo, diz Ceron
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) permitindo à Receita Federal cobrar impostos de empresas que já tinham conseguido no passado decisão favorável transitada em julgado na Justiça vai ajudar a reforçar o caixa do governo. O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, explicou ao Estadão como serão os mecanismos de negociação com as empresas.
Ceron admitiu que a decisão da mais alta Corte do País contribui para aumentar a arrecadação prevista no conjunto de medidas, mas preferiu não fazer previsões. Segundo o secretário, essas empresas podem aproveitar o incentivo da chamada denúncia espontânea, tirando toda a incidência de multa sobre esses débitos. A denúncia espontânea é um instrumento que existe no Código Tributário Nacional que permite ao devedor se antecipar e confessar para o Fisco os débitos em atraso.
Na prática, para as empresas pode ser melhor seguir esse caminho para diminuir o impacto do prejuízo com decisão do STF. Algumas companhias com ação na Bolsa já divulgaram fato relevante ao mercado com os valores envolvidos. A decisão do STF impacta vários casos, desde empresas que não foram autuadas até aquelas que já estão discutindo na Justiça as multas que foram aplicadas pelos fiscais da Receita. O Fisco poderá inclusive fazer novas autuações.
“Tem empresas que estão em discussão no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) com o Fisco e outras que ainda não estão, mas poderão ser autuadas”, disse Ceron. Ele afirmou que as empresas podem fazer a denúncia espontânea tirando toda a incidência de multa sobre esses débitos – o STF permitiu a cobrança de juros e multas.
O Carf é o tribunal administrativo que julga ações de contribuintes contra autuações da Receita. Segundo o secretário, a medida é um benefício importante porque as multas de ofício e de moratória juntas quase dobram o valor do débito.
Nos casos em andamento, a empresa pode desistir da ação na Justiça com o pagamento do débito parcelado em 12 meses. “O benefício que nós já colocamos tanto na denúncia espontânea quanto na desistência de contencioso é significativo. Já ajuda bastante”, avaliou o secretário.
Embargo
O procurador especial tributário do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Luiz Gustavo Bichara, informou ao Estadão que deve entrar com o chamado embargo de declaração no STF para pedir esclarecimentos sobre temas que ficaram com lacunas na decisão.
“A polêmica acerca do tema da coisa julgada não se esgotou no julgamento de ontem. Há inúmeras outras questões sobre as quais o Supremo provavelmente terá de se debruçar”, disse. Entre esses problemas, está a aplicação da multa. “Faz o que com a multa? Ninguém pode ser multado por ter seguido uma decisão judicial transitada em julgado.”
O advogado Pedro Grillo, do Brigagão, Duque Estrada Advogados, afirmou que o próximo passo é discutir o período da cobrança. A ideia é de que não haja cobrança retroativa. “Cobrar o passado gera insegurança jurídica e tem impacto orçamentário enorme. As empresas se orientavam e se guiavam na certeza de que tinham ganhado os processos individuais”, disse Grillo.
Ele explica que as empresas devem usar um recurso chamado embargo de declaração – quando se alega omissão –, pontuando omissão em relação a um posicionamento do Supremo Tribunal de Justiça em 2011, dizendo que uma mudança de entendimento do STF não invalida a decisão de um processo individual do contribuinte.
As empresas que devem encabeçar esses recursos são as envolvidas no caso explicitado no julgamento desta quarta, sobre a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). “Nos anos 1990, várias empresas, como Samarco e Braskem, conseguiram na Justiça o reconhecimento da inconstitucionalidade da CSLL. Depois, em 2007, o Supremo declarou constitucional a lei que instituiu a CSLL –ou seja, validou a contribuição desse tributo”, explicou Grillo.
Com a decisão do Supremo, essa mudança de entendimento determina que as empresas paguem o tributo sem a necessidade de o Fisco entrar na Justiça para cobrá-lo – com uma chamada ação rescisória –, ou seja, de forma automática, além de retroativa: não só daqui para frente, mas de 2007 a 2023. “As empresas vão tentar recorrer para que pelo menos essa cobrança seja feita a partir de 2023″, disse.
Ele explica que, além da CSLL, há diversos outros casos tributários sobre os quais o STF mudou o entendimento e que passarão a ser cobrados, como IPI na revenda de mercadorias importadas, contribuição patronal sobre o terço de férias e Cofins devido sobre a sociedade prestadora de serviços.
Marcelo Guaritá, sócio de Peluso, Stupp e Guaritá Advogados, afirmou que há um receio de que essa revisão de uma decisão definitiva, chamada de “coisa julgada”, possa abrir margem para outras áreas além da tributária. “Coisa julgada é o que a gente tem de mais sagrado no Direito, que é a decisão definitiva. Depois que um processo termina, passa por todas as instâncias, você tem uma decisão. O que está se discutindo é qual é o alcance disso, porque a decisão do Supremo é tributária, só que o fundamento dela é processual, ou seja, pode valer para outras coisas”, disse.
“Se o STF determina que um imposto é constitucional e o contribuinte deixou de recolher o tributo e aí, anos depois, o Supremo decide que aquele tributo é constitucional, aquela ‘coisa julgada’, aquela decisão que era imutável, não é mais. E a mudança agora é automática. Isso causa uma insegurança jurídica muito grande, porque vai mexer em situações já consolidadas”, afirmou ele. “O potencial arrecadatório (do governo com a medida) é monstruoso, mas essa conta é incalculável.”
O que diz a decisão e como ela afeta as empresas
Fonte: Estadão