STF volta após ataques e mira julgar limites a engavetamentos da PGR
Tribunal retoma trabalhos nesta quarta-feira (1º), em plenário restaurado após destruição por bolsonaristas
José Marques
Brasília
No semestre em que retoma as atividades após a destruição do seu prédio principal por golpistas que apoiam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o STF (Supremo Tribunal Federal) irá se debruçar sobre temas que questionam o poder do Ministério Público Federal e do procurador-geral da República, Augusto Aras.
Aras, que foi indicado ao cargo duas vezes por Bolsonaro e desejava se tornar ministro do Supremo, ficou marcado pela inação contra o golpismo do ex-presidente e de seus aliados durante os últimos anos.
A pauta do Supremo entre os meses de fevereiro e julho foi divulgada na última semana pela presidente da corte, a ministra Rosa Weber. A partir desta quarta (1º), os ministros voltarão às sessões de julgamento do plenário físico, que acontecem às quartas e quintas-feiras.
A pauta divulgada pelo Supremo não é definitiva e deve ser ajustada, mas é um indicativo do que deve ser a prioridade da corte. Os ministros não costumam julgar grande parte das ações que são previstas, e outras tendem a serem incluídas conforme entendimento da presidente Rosa Weber.
Rosa, que tem um perfil discreto e prefere que o STF não seja o foco das atenções por polêmicas, deixou de fora temas que podem causar acirramento de ânimos contra o tribunal, cuja sede foi a mais depredada durante os ataques do último dia 8.
Por exemplo, um julgamento que não foi pautado é o do processo do marco temporal, que discute se a data da promulgação da Constituição de 1988 deve ser usada para definir a ocupação tradicional da terra por indígenas.
Em setembro do ano passado, logo após ser empossada na presidência da corte, Rosa se reuniu com indígenas e se comprometeu a pautar o assunto. Ela se aposenta em setembro deste ano e tem sinalizado que o caso será julgado antes do fim da sua gestão na presidência do Supremo.
A ministra incluiu na pauta, porém, um recurso que discute como agir quando o procurador-geral da República pede o arquivamento de investigações sobre supostos crimes cometidos por autoridades.
Esse recurso afirma que, se um ministro do STF encaminhar à Procuradoria-Geral da República um pedido de investigação para oferecimento da denúncia e o procurador decidir pedir arquivamento, o caso deve ser enviado para revisão do Conselho Superior do Ministério Público Federal, composto por dez integrantes.
Também diz que um ministro do Supremo não pode determinar o arquivamento por meio de uma decisão monocrática (de apenas um ministro), e que o caso deve ser julgado em plenário.
A ação sobre o tema trata de um pedido de investigação do então vice-presidente Hamilton Mourão, por ele supostamente ter feito apologia a um \”autor de crimes, o público e notório torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra\”.
Aras entendeu que Mourão não cometeu crime, porque \”se limitou a expor a opinião acerca de pessoa com a qual, segundo afirmou, manteve duradoura relação de amizade\”. O ministro Luís Roberto Barroso determinou o arquivamento, e o autor da ação recorreu.
A ação foi levada a plenário virtual, e o ministro Edson Fachin pediu vista (mais tempo para análise). Agora, a ação foi pautada por Rosa Weber para o plenário do STF.
É praxe que os ministros arquivem investigações após pedido do Ministério Público, mas já ocorreram negativas, inclusive da própria Rosa Weber em um inquérito no qual Bolsonaro era investigado sob suspeita de prevaricação no caso do processo de compra da vacina indiana Covaxin.
À época, isso levou a atritos de Aras com a ministra. Após um segundo pedido, ela decidiu arquivar a apuração.
Há na pauta, ainda, duas ações da Adepol (Associação dos Delegados de Polícia do Brasil) pautadas para março, que questionam se o Ministério Público pode fazer investigações criminais e se há, em determinados casos, usurpação das competências da polícia nessas apurações.
Apesar de poucos casos polêmicos, o Supremo ainda pode ter alguns outros julgamentos de repercussão neste semestre. Um deles questiona se o presidente da República pode bloquear o acesso às suas contas nas redes sociais, como Twitter e Instagram.
Outro decidirá acerca da emenda à Constituição que não considera cruéis práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, como a vaquejada.
Há ainda uma ação que questiona a alteração dos limites da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará. Essa alteração permitiria a criação do Ferrogrão, projeto ferroviário que era tocado pelo governo Bolsonaro e que enfrenta resistências de ambientalistas, lideranças indígenas e do Ministério Público.
Na seara econômica, como mostrou a Folha, está pautado o julgamento para definir se trabalhadores têm direito a uma correção monetária maior dos valores depositados no FGTS. O impacto da mudança para o fundo é calculado em mais de R$ 300 bilhões.
As novas regras de funcionamento da corte também poderão provocar o retorno de casos antigos ao plenário. Segundo uma mudança no regimento interno aprovado no fim do ano passado, os pedidos de vista deverão ser devolvidos ao colegiado em até 90 dias.
Caso contrário, eles ficarão automaticamente liberados para a continuação do julgamento.
O Supremo voltará aos seus trabalhos ainda com o prédio principal em reforma. O plenário, onde acontecem os julgamentos, estará restaurado após ter sido destruído no dia 8.
Porém outros setores do prédio principal, que foi destruído, ainda ficarão em reforma durante todo o semestre.
Após a invasão do prédio principal, a segurança se concentrou em proteger o subsolo do Supremo e os prédios anexos, onde ficam os gabinetes dos ministros e outros setores administrativos do tribunal. Oito pessoas foram presas em flagrante na ocasião —uma delas vestida com uma das togas dos ministros.
Fonte: Folha de São Paulo