Como freada do mundo afetará Brasil?
O Banco Mundial reduziu sua projeção de crescimento da economia global em 2023 de 3% para 1,7% na publicação Prospectos Econômicos Globais (traduzido do inglês), de janeiro deste ano. Se o prognóstico estiver correto, tirante a pandemia e a crise financeira global, será o pior desempenho em cerca de duas décadas.
A equipe econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva certamente deve levar esse fator em consideração ao traçar seus planos para 2023.
O problema, porém, como aponta o economista Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central, é que o cenário de desaceleração global este ano é meio binário na suas consequências, não só para o Brasil como para a maior parte do mundo.
Se os principais bancos centrais do globo, liderados pelo Federal Reserve (Fed, BC americano), se sentirem confiantes na eventual queda da inflação diante dos apertos monetários em curso, isso abrirá um horizonte para a queda dos juros de diferentes prazos.
Esse é um bom cenário para a economia brasileira e muitas outras, porque trará liquidez, otimismo e inclusive deve rebater positivamente nos futuros de commodities (o Brasil se beneficia como grande exportador de matérias-primas).
Já a conjuntura em que a economia americana e global desacelera, mas a inflação teima em não cair, é \”um cenário em que ninguém se salva\”, como aponta Volpon.
Nesse caso, os bancos centrais ficarão desconfortáveis em sinalizar qualquer alívio monetário à frente e, no limite, podem ter que mostrar disposição de apertar ainda mais. Os juros permanecerão altos, a aversão a risco pode aumentar e as commodities ficariam prejudicadas tanto nos mercados à vista quanto futuros.
Como resume o economista, é um cenário em que \”a desaceleração está contratada, mas não a desinflação, um tipo de estagflação\”.
O mercado e o Fed travam uma certa queda de braço sobre quando o alívio monetário vai começar. O BC americano tem batido na tecla que não vê queda dos Fed Funds, taxa básica, este ano, mas a curva de juros apontava hoje uma primeira redução em julho-agosto.
Volpon está cautelosamente otimista, mas vê certo exagero no mercado. Para o economista, o primeiro corte talvez venha mais para o final do ano.
Por enquanto, ele diz, não há muito sinal de desinflação nem de desaceleração mais generalizada. Já há recessão no mercado imobiliário e o setor industrial desacelera, mas 60% a 70% da economia, representados pelo setor de serviços, ainda continua forte, e o desemprego está em torno de 3,5%.
Mas Volpon vê indícios de que o enfraquecimento está se espalhando, até mesmo em áreas do setor de serviços que cresceram muito pós-pandemia, como a financeira, em que já começam as demissões. O mesmo ocorre com as grandes empresas de tecnologia e já houve bolhas estourando nas franjas mais arriscadas, como os criptoativos e alguns segmentos locais do mercado residencial.
\”É uma questão de tempo, demora mas [a desaceleração generalizada da economia americana, ou até recessão] vai chegar\”, ele resume.
Uma questão paralela muito importante, acrescenta o economista, é a China.
Há duas visões sobre o país, também bastante conflitantes. A primeira é que, após um grande pico de Covid com o recente fim da política de Covid zero e a total liberalização da circulação de pessoas, a economia se normaliza e retoma forte, compensando no Oriente a desaceleração de Estados Unidos e Europa.
A outra visão, mais pessimista, vê novas ondas de Covid e, diante de excesso de contaminações e mortes, a possibilidade de que o governo chinês volte atrás e imponha de novo restrições à circulação, com todos os efeitos deletérios que isso traria à economia do país este ano.
De qualquer forma, há certa complexidade na interação entre riscos na China e nos países ocidentais avançados. Se a economia chinesa não tiver a decolagem prevista pelos otimistas, isso pode tirar pressão de demanda global e ajudar os BCs em geral no trabalho de desinflação.
O economista Bráulio Borges, da consultoria LCA e do IBRE-FGV, nota que, nas novas projeções do Banco Mundial, o Brasil desacelera mais entre 2022 e 2023 (de 3% para 0,8%) do que o grande grupo, do qual faz parte, dos países exportadores de commodities, que sai na média de 2,8% para 1,9%.
Esse desempenho particularmente fraco do Brasil, para o analista, deriva de algumas idiossincrasias. A política monetária brasileira foi especialmente contracionista desde meados de 2022 -e ainda sofre impacto de recentes sinais de que a Selic pode ser mantida no atual nível até pelo menos o fim do ano, em função das incertezas fiscais ampliadas pela PEC da Transição.
Já o impulso fiscal do governo federal, acrescenta Borges, pode ser em boa parte neutralizado pelos Estados, que devem cortar investimentos, de alto efeito multiplicador, como reação às perdas de receitas na esteira da onda de desonerações.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Fonte: Estadão