Risco fiscal pode fazer juro baixar só em 2024 e travar o crescimento do PIB, dizem analistas
A incerteza fiscal provocada pelas sinalizações do governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pode fazer com que a economia brasileira caminhe para anos de baixo crescimento. Parte do mercado financeiro já começa a projetar que uma queda da Selic – atualmente em 13,75% ao ano – deve ocorrer apenas em 2024. No ano que vem, se houver um corte, ele será mais brando do que se previa há algumas semanas, dada a nova conjuntura.
Nas últimas semanas, a preocupação com as contas públicas ficou evidente com a disparada dos juros futuros. Na prática, empresas e bancos, sobretudo os de médio porte, já pagam mais para captar recursos. O investimento, portanto, está mais caro, o que afeta o desempenho econômico do País. Sem uma reversão nas expectativas, o custo do crédito para as famílias também deve subir.
“Eu temo que (esse movimento) não reflita apenas as discussões em torno da chamada PEC da Transição”, diz José Julio Senna, ex-diretor do Banco Central e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
“Eu acho que também está refletindo uma expectativa de política econômica para os próximos anos. Se o pensamento é de que mais dispêndio público é que promove crescimento, isso é compatível com políticas de estímulos de outra natureza também. Vamos voltar a ter juros subsidiados para expandir a demanda? É uma dúvida”, acrescenta.
O cenário para o próximo biênio já era de bastante fraqueza. Para 2023, os economistas consultados pelo relatório Focus, elaborado pelo Banco Central, estimam que o Produto Interno Bruto deve avançar apenas 0,75%. Para 2024, o desempenho projetado para a economia brasileira é um pouco melhor, mas ainda modesto, com avanço do PIB de 1,7%.
“Nossa previsão é que o corte (de juros) só tenha início no terceiro trimestre de 2024″, afirma Rafael Castilho, economista do Credit Suisse Brasil. Ele também afirma que uma Selic alta vai levar “a um menor crescimento econômico”.
Na cidade de São Paulo, o Sindicato da Habitação (Secovi-SP) avalia que a piora do ambiente econômico e a incerteza com o novo governo levaram a uma deterioração do setor. Em novembro e dezembro, de acordo com a entidade, serão lançadas de 12 mil a 13 mil unidades a menos na comparação com os meses anteriores.
“Isso aconteceu por conta de eleições em outubro, Copa do Mundo em novembro e festas em dezembro”, afirma Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP. “A taxa de juros alta e o ambiente econômico também influenciaram, evidentemente”, acrescenta Ely Wertheim, presidente executivo da entidade.
Para o acumulado de 2022, o Secovi-SP estima queda de 15% nos lançamentos e uma estabilidade nas vendas.
Agenda de incertezas
São vários os sinais que indicam um crescimento das despesas nos próximos anos. Ainda em discussão, a PEC da Transição abre a possibilidade de R$ 168 bilhões em gastos extras em 2023 e 2024 para que o novo governo acomode as promessas da campanha eleitoral deste ano, como o Bolsa Família no valor de R$ 600.
A equipe econômica de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também não definiu qual âncora fiscal deve substituir o teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. Além disso, a indicação de Aloizio Mercadante para a presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não foi bem recebida. A preocupação dos investidores é com a oferta de crédito subsidiado pela instituição, como já ocorreu no passado.
“Antes desse ruído fiscal, eu projetava uma Selic abaixo do consenso, indo a 10,5%. A revisão de cenário é drástica”, afirma Marco Maciel, sócio e economista da Kairós Capital. “Agora, o Banco Central deve manter a Selic em 13,75% no ano que vem e ter algum espaço para reduzir a Selic no fim de 2024.″
Com todos esses riscos, o Brasil pode entrar num cenário já conhecido. O câmbio fica mais volátil e se desvaloriza, o que ajuda a alimentar a inflação e obriga o Banco central a ser mais duro para cumprir a meta de inflação de 2023, cujo centro é de 3,25%, podendo oscilar de 1,75% a 4,75%, e a de 2024, que tem como alvo central 3%, com limite inferior de 1,5% e superior de 4,5%.
Neste mês, um novo relatório divulgado pelos integrantes do grupo de macroeconomia da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) – composto por 25 economistas de instituições associadas, entre elas os bancos Bradesco e Santander – aumentou a previsão para a Selic ao fim de 2023 de 10,5% para 11,5%.
“Na nossa visão, a Selic ainda cai, mas cai mais devagar do que prevíamos antes, porque os integrantes do grupo aumentaram a probabilidade de ter um cenário para mais gastos e, portanto, de mais risco para taxa de juros”, diz Fernando Honorato Barbosa, coordenador do grupo de macroeconomia da Anbima.
“Houve um certo otimismo com o corte de juros, que era a previsão de (Selic a) 10,5%, mas esse cenário também dependia de ter um arcabouço fiscal já definido”, diz Barbosa, também economista-chefe do banco Bradesco.
Em Brasília, o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem defendido o controle das contas públicas. Na terça-feira, em sua primeira entrevista coletiva, ele se comprometeu a buscar “obstinadamente” o ajuste fiscal e a antecipar em 2023 o envio ao Congresso do projeto de criação de um novo arcabouço fiscal.
Banco Central independente
O futuro governo Lula ainda vai enfrentar um cenário inédito, com a independência do Banco Central. Roberto Campos Neto, presidente da instituição, foi indicado pelo governo Jair Bolsonaro e deve seguir no cargo até 2024.
Antes, todos os presidentes eleitos indicaram o nome para comandar o BC.
”O ideal seria a administração federal e o BC darem as mãos para o combate à inflação”, diz José Júlio Senna. “O governo eleito é super preocupado com o lado social, que indiscutivelmente merece uma atenção especial no Brasil. Mas, especialmente, para quem tem essa preocupação, seria interessante olhar para a inflação, porque ela atinge mais as pessoas menos favorecidas.”
Fonte: Estadão