Transição: os planos do governo Lula para regulação de plataformas digitais
Paulo Bernardo, ex-ministro das Comunicações (governo Dilma Rousseff) e do Planejamento (governo Lula), encabeça hoje os trabalhos do Grupo Técnico Comunicações do governo de transição. Entre outros temas na mesa está a regulamentação das plataformas digitais. Em entrevista ao JOTA, ele explica como o GT pretende trabalhar pontos como o marco legal regulatório, o modelo tributação inspirada no modelo europeu, a responsabilização por divulgação de fake news, além do que pode vir a ser a futura Secretaria de Serviços Digitais, sob o Ministério das Comunicações.
O governo de transição vai apresentar proposta de regulação das plataformas digitais?
Vamos fazer sugestões e alertas de pontos que devem ser tratados posteriormente. Neste caso, estamos sugerindo fazer uma regulação específica para essa questão das plataformas digitais.
Como seria a regulação?
Não vamos fazer o conteúdo da regulação. Vamos sugerir que seja feita. O governo certamente fará um grupo de trabalho específico, ouvindo as partes envolvidas: o Ministério das Comunicações, o Ministério da Justiça, o Ministério da Ciência e Tecnologia. E vai dar um prazo para produzir um documento sobre isso. Já há muitas referências sobre isso, particularmente o que tem na Europa, o que foi feito lá. Não precisamos inventar coisas, já tem experiências de regulação que foram feitas e trabalho que foi executado e que podemos nos basear. A ideia é como trabalhar isso e a questão tributária é apenas um aspecto.
A questão digital entra no plano dos 100 primeiros dias do governo Lula?
A nossa sugestão é essa. Temos que entregar o primeiro relatório agora dia 30 e outro, que vai ser um pouquinho mais detalhado, dia 11. Não tem como fazer projeto, tentar fazer discussão sobre conteúdo de um trabalho como esse. Estamos apontando que este devia ser o rumo. A ideia dos 100 dias surgiu por causa disso.
A ideia é apontar a questão no dia 30 e, no próximo relatório, ter algo mais definido?
Mais definido não. Ter alguma coisa mais detalhada, mas não sei se vai ser nisso, porque temos que detalhar a estrutura do ministério e sugestões de alteração nessa estrutura. Então, vamos ter só que apontar o rumo mesmo. Isso é uma tarefa do governo. Não é só um grupo da transição.
A regulamentação depende de uma discussão com o Congresso, não?
Nós vamos fazer primeiro uma discussão pública, com uma consulta pública provavelmente, aí o Congresso pode se manifestar nesse período. Depois que tiver uma proposta, vamos mandar para o Congresso, onde vai ser o fórum de debate. O Congresso está incluído no primeiro momento, se quiser participar, os parlamentares ou grupos que quiserem participar do debate público. Depois, eles vão ter a atribuição de debates, aprovar ou não, ou alterar.
Do ponto de vista da tributação, o que o GT pode apontar para ser discutido com o Congresso e as empresas?
Nós estamos sugerindo que seja alguma coisa nos moldes da Europa. Não sei se vai ser igual. Não precisa ser igual. Mas a gente tem que ter uma solução para isso também. Esse é um setor econômico fortíssimo, com diversas ou talvez ‘n’ maneiras de faturamento. Eles faturam de diversas formas e como qualquer atividade tem de ser tributada, tratada sob o ponto de vista da tributação. Queremos avaliar isso. Mas a Europa já deu algumas soluções e não precisamos ficar inventando coisas. Pode ser que a gente aqui possa ser diferente um pouquinho, mas acho que o rumo está dado.
Algo sobre faturamento?
É isso, alguma coisa sobre o faturamento. Acho que tem uma ideia para começar a trabalhar.
A criação da Secretaria de Serviços Digitais está desenhada na estrutura do Ministério?
Vamos fazer a proposta, apontado que essa seria uma necessidade. O ministério tem de ter gente trabalhando e elaborando políticas públicas para tratar disso. No caso das plataformas digitais, acho que ficou claro, particularmente na eleição, o peso que elas têm na comunicação de uma maneira geral. Veja que o TSE teve que se desdobrar para dar conta de conter alguns aspectos da luta eleitoral dentro das plataformas. Isso tem de ser observado. Temos de olhar o que foi feito no TSE. Me parece que uma grande parte disso tem de virar lei. Não é possível que eles toda vez tenham de ficar fazendo resoluções, correndo para resolver coisas que podemos ser resolvidas de forma mais definitiva. Não quer dizer que uma lei vai resolver tudo, mas pode apontar uma série de problemas, regular e, depois, o que aparecer de coisas inovadoras o TSE certamente vai tratar novamente.
O combate às fake news esteve na pauta da visita de Lula ao TSE, certo? Ele tratou disso com os ministros, certo?
Tratou e me parece que já falou explicitamente que ele quer que isso seja observado, que a gente tenha que produzir legislação para ajudar nisso.
Fake news é um ponto sensível para o governo?
É bom frisar que é preciso discutir a responsabilização, principalmente, da questão das fake news. Precisamos ter uma normatização que limite essa coisa caótica que observamos neste ano.
Mas como definir o que é fake news e a atribuição das plataformas?
Acho que quem divulgar fake news ou notícias falsas tem de ter responsabilização. Ou vai ser do usuário da rede ou da própria rede. Você não tem a priori [que definir] o que é fake news, mas divulgou e não provou tem de ter responsabilização.
Seria uma responsabilização jurídica ou financeira?
Jurídica e financeira: multa e penalização. Como é que faz se as pessoas divulgam uma coisa que não pode ser provada e ofende o direito de alguém? Isso tem que ter uma responsabilização.
Há uma discussão jurídica sobre isso. O TSE foi quem avançou mais?
Exatamente, mas já deu um rumo para a gente. Já sabemos um rumo de como tratar.
Com quem Lula conversa sobre a questão digital? Quem ele ouve?
Conversei muito rapidamente com ele. Mas ele conversa com Janones, com outros parlamentares, gente que trabalhou na campanha. Ele tem noção muito clara de que esses assuntos têm de ser resolvidos e o ambiente tem de ser democrático. Nós achamos que o governo tem de fazer algumas propostas, talvez colocar em consulta pública, o que não pode ser indefinida. A consulta tem de ser razoavelmente breve, tipo 30 dias, depois consolidar o projeto e mandar para o Congresso.
É possível fazer isso nos 100 primeiros dias?
Acho perfeitamente possível.
A regulamentação das plataformas pode acontecer em 2023?
É, com certeza.
Nivaldo Souza – Repórter freelancer
Fonte: JOTA