Transição já tem ao menos cinco propostas de nova regra fiscal em análise
Em meio à discussão emergencial da PEC para liberar gastos fora do teto no ano que vem, a equipe de transição tem recebido uma série de propostas para alterar as regras fiscais. Já são ao menos cinco sugestões, algumas mais conceituais, outras até já com redação para tramitar no legislativo (como a feita pelo secretário de Fazenda, Felipe Salto). Elas já começaram a ser avaliadas pelo grupo econômico e podem ajudar na formulação de uma regra a ser apresentada ao Legislativo ao longo do ano que vem.
Nessa semana, os líderes da transição – o ex-ministro Aloizio Mercadante e o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin – apontaram que havia intenção de se incluir na PEC um comando determinando a revisão do teto de gastos, por meio de lei complementar. Dessa forma, deu-se efetiva largada para uma rediscussão mais profunda e com ótica de longo prazo para a política fiscal, ainda que os riscos de a PEC não avançar pareçam crescentes.
Como já mostramos em análise na última terça-feira, essa ideia levantada por Mercadante e Alckmin não busca só desconstitucionalizar a política fiscal, mas também garantir que o fôlego a ser dado nas despesas discricionárias com a retirada do Auxílio Brasil do teto continue nos anos seguintes. Se o teto continuar do jeito que está, naturalmente esses gastos como investimentos voltarão a ser comprimidos pelas despesas obrigatórias mesmo com o programa social blindado, o que pode complicar o governo em 2025 ou 2026.
Para além disso, há também uma preocupação em se construir uma regra fiscal que dê um horizonte para os agentes econômicos sobre os rumos das contas públicas. Nesse sentido, há uma percepção na transição de que é preciso ter alguma regra de controle de despesas, mas também se buscar receitas para se melhorar a trajetória do resultado primário e manter a dívida sob controle – e até reduzi-la ao longo do tempo. Há uma leitura que, ao menos em 2025, já se deve ter consolidado um retorno a superávits primários.
No caso da despesa, também há clareza de que algumas delas precisam ter tratamento especial, como os investimentos, saúde e educação, evitando tratamento mais duro quando se precisar fazer um ajuste.
Apesar desses pontos e das ideias que continuam chegando ao time liderado por Alckmin, a realidade é que ainda não há um modelo pronto para esse arcabouço fiscal novo, só realmente algumas intenções, como voltar a valorizar o resultado primário e também se estabelecer alguma forma de vinculação da regra com a trajetória de dívida.
Especialista em orçamento, Leonardo Ribeiro destaca que, seja qual for o sistema a ser adotado, é importante que ele seja simples e flexível, entre outros elementos. “Enquanto nosso Tesouro vem apresentando um novo modelo complexo e que mistura diversas métricas e tipos de regras fiscais, o Tesouro neozelandês divulgou em maio um modelo simples, com duas regras: controle da dívida com controle de resultados operacionais do setor público. A regra da dívida ancora as expectativas com a trajetória que se busca, e, no dia a dia, os resultados fiscais perseguem esses objetivos de médio e longo prazo”, destacou.
Na semana passada, vale lembrar, o Tesouro brasileiro trouxe a público sua proposta de novo arcabouço fiscal, que atrela espaços novos no teto a uma trajetória de dívida e também bonifica com possibilidade de aumento de gastos a melhora no resultado primário. A proposta também está sendo avaliada na transição.
Ribeiro comenta que o teto de gastos brasileiro tenta limitar despesas obrigatórias enquanto a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) veda o seu contingenciamento, uma evidente desarmonia. “Esse é o principal problema e cuja solução passa pelo fortalecimento da LRF, uma regra sofisticada e injustamente criticada. Muitos influenciadores não conhecem os dispositivos dessa lei, o que dificulta aprimorar o rico arcabouço nela regulamentado”, salientou. “E a tal da natureza pró-cíclica das regras fiscais? Isso se combate com instituições fiscais independentes, tecnicamente robustas para influenciar as decisões políticas que naturalmente cercam os orçamentos”, completou.
Para o diretor do Observatório Fiscal do FGV Ibre e ex-secretário de Política Econômica do ministério da Fazenda, Manoel Pires, há quatro itens importantes para serem contemplados em uma nova regra fiscal. “A cobertura do agregado que você quer controlar, é importante que seja amplo, ainda que tenha algumas exclusões; as cláusulas de escape, como se desvia e se traz de volta para a trajetória; qual o plano de médio prazo para a questão da sustentabilidade fiscal; e as sanções para o caso de descumprimento”, sumarizou.
Pires lembra que o orçamento brasileiro é muito rígido, uma peculiaridade local que complica o processo de construção do sistema novo. “A meta fiscal tem que oferecer trajetória de sustentabilidade, mas sem inviabilizar o orçamento, que é a razão porque o teto tem sido mudado todos anos”, explicou.
Nesse sentido, o economista também aponta que a discussão de uma regra precisará vir acompanhada de um “plano de ação fiscal”, seja de aumento de receitas ou de corte de gastos nos próximos anos, o que não existe hoje. “Precisa de um plano de ação fiscal em companhia para complementar o sistema fiscal que está sendo criado”, adicionou.
Certamente há mais questões a serem levadas em conta nesse tema, mas o mais importante é que o novo governo tenha clareza de que, apesar de haver de fato problemas no sistema atual do teto de gastos, é preciso que se construa algo crível para se colocar no lugar.
As urnas deram mandato para que se interrompa a trajetória de redução do Estado imposta pelo teto. Mas, ainda que sem detalhes, também foi-se declarado um compromisso com a responsabilidade fiscal antes do fechamento das urnas em outubro, o que significa que uma nova regra, seja ela qual for, precisar ter clareza que a capacidade de financiamento do estado não é infinita e que processos mal coordenados – como tem sido, por exemplo, a negociação da PEC da transição – no fim das contas prejudicam a todos.
Fabio Graner – Analista de economia do JOTA em Brasília
Fonte: JOTA