Após 10 anos, implementação do Código Florestal segue dificultada
O aumento expressivo do desmatamento ilegal ao longo dos últimos quatro anos é “superprejudicial” para discussões do Brasil sobre carbono e também um impasse para se avançar com o tema nas pautas nacionais e internacionais. A avaliação é do pesquisador da FGV Agro – Observatório de Bioeconomia, Eduardo Assad, em painel sobre os 10 anos do Código Florestal no Summit Agro 2022, do Estadão.
Segundo ele, “98% das propriedades rurais seguem a legislação ambiental, mas 2% mancham a imagem do agronegócio brasileiro”. Para Assad, “exagerou-se tanto” na falta de fiscalização que o mercado está dizendo “não compro”.
Enfrentamento
O pesquisador disse ainda que a União Europeia está “doida” para ver o País errar. “Eles pegam esses 2% e amplificam. A gente não toma nenhuma atitude necessária para poder controlar isso. Temos ferramentas para fazer direito e acabar com irregularidades”, ponderou.
No mesmo painel, o ex-assessor de Assuntos Socioambientais do Ministério da Agricultura e consultor da Sociedade Rural Brasileira (SRB), João Adrien, disse que o Cadastro Ambiental Rural (CAR), previsto no Código Florestal, permitiu ao Brasil ter um mapa completo da situação florestal do País, ao cruzar esses dados com os de satélite do MapBiomas. “Conseguimos identificar, por exemplo, que 98% dos imóveis rurais não tiveram desmatamento este ano.” Agora, porém, o maior desafio que o setor encontra é como “conseguir fortalecer os Estados para avançar na análise e validação do CAR, além da implementação do Programa de Regularização Ambiental (PRA)”.
Adrien diz que o governo federal conseguiu dar o primeiro passo, ao construir a base do CAR, mas análise e validação é atribuição dos Estados. “Para analisar a base, desenvolver o PRA e regularizar ambientalmente as propriedades rurais, precisamos de mais passos junto com os Estados, que são fundamentais nesse processo.”
Sob esse aspecto, Adrien disse que, apesar de ser um desafio analisar o CAR, “nem sempre há vontade política nos Estados”. Ele citou que o Ministério da Agricultura lançou, em 2021, a Análise Dinamizada do CAR, que permite a análise computadorizada e célere dos cerca de 5 milhões de Cadastros Ambientais Rurais preenchidos até hoje pelos proprietários rurais. “Mas nem todos os Estados aderiram.” Adrien disse que São Paulo abraçou a análise dinamizada e conseguiu avaliar 94% dos cadastros preenchidos no Estado.
Para o presidente do Instituto Mato-Grossense da Carne (Imac), Caio Penido, que também é pecuarista em Mato Grosso, o Código Florestal está funcionando, mas ainda é um tema complexo e esbarra em alguns obstáculos para sua implementação, como a delimitação de onde começa um bioma e termina outro.
Pioneirismo
Penido elogiou a lei ambiental brasileira, dizendo que “nenhum país havia feito uma lei tão complexa como o Brasil”. “Estamos na frente e precisamos terminar a implementação do Código, mas há desafios que a gente encontra nas fazendas, com particularidades por região”, continuou.
Ele disse, por exemplo, que em Mato Grosso é difícil separar onde começa o bioma Pantanal, a Floresta Amazônica e o Cerrado. “Há também sobreposição com áreas públicas ou privadas e a questão fundiária, menos do que na Amazônia, mas tem.”
Dessa forma, segundo Penido, a regularização ambiental é demorada porque não é uma questão pragmática. “Nós, no Imac, estamos tentando implementar e esse é o papel do setor produtivo”, continuou. “Por isso, a União Europeia, em vez de punir produtores, dizendo que não vai comprar produtos provenientes de áreas de desmatamento, deveria ajudar o Brasil a regularizar sua situação ambiental.” Penido defendeu que isso não é “pedir esmola”, mas sim um “comércio justo”.
Para a advogada e mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade Luiza de Araujo Furiatti, a implementação do Código Florestal tem, de fato, esbarrado mais em questões no Judiciário do que de ordem técnica. A advogada, que também é membro das comissões do Pacto Global e de Direito Ambiental da OAB do Paraná, disse, por exemplo, que as várias prorrogações da implementação do Código desde que ele foi promulgado, há dez anos, “geram uma insegurança jurídica, o que acaba também promovendo e fomentando processos no Judiciário”.
Insegurança
O prazo final de preenchimento do CAR para que o produtor pudesse aderir e auferir os benefícios do Programa de Regularização Ambiental, por exemplo, foi objeto de inúmeros adiamentos, o que gerou insegurança jurídica.
Para evitar isso, ela disse que o papel do setor privado é fundamental, em parceria com o público, para implementar a lei ambiental. “O setor privado precisa pressionar para que o CAR e o PRA sejam instrumentos de gestão da propriedade rural”, disse. “É preciso lembrar que uma propriedade regularizada consegue inúmeros benefícios, com o CAR analisado e validado”, continuou ela, referindo-se a benefícios ligados às práticas ESG – governança, ambiental e social. “Com a propriedade regularizada pode-se abrir novas frentes de negócios.”
Em relação à atualidade do Código Florestal, Furiatti disse que, embora seja um texto complexo, “ainda é bastante contemporâneo”. “Precisamos, porém, ver seus resultados na prática para fazer uma avaliação mais profunda”, pontuou. Mas ela defendeu que é necessário usar todas as restrições ambientais embutidas nessa lei ambiental não como obstáculo, mas “como um ativo ambiental”, ou seja, um produtor que respeita a lei ambiental do País pode trazer isso a seu favor.
Fonte: Estadão