Carf deveria sobrestar temas afetados como repetitivo ou em repercussão geral?
A proposta está entre as elencadas pela comissão de juristas para reforma do processo tributário: sobrestar, na esfera administrativa, processos relacionados a temas com repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou que serão analisados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sob a sistemática dos recursos repetitivos.
A ideia, que recebe elogios de tributaristas, é otimizar o sistema como um todo, evitando recursos desnecessários à Justiça. Mas há o outro lado da moeda. Integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) temem o aumento do estoque e o esvaziamento das discussões no tribunal.
A possibilidade de sobrestamento consta no PL 2483/2022, protocolado em 16 de setembro. De acordo com o texto, os processos relacionados a temas com repercussão geral ou que serão analisados sob o rito dos repetitivos deverão ficar paralisados no Carf até decisão definitiva de mérito pelo STJ ou STF. O sobrestamento, porém, só deve ser seguido caso haja pedido do relator do caso nos tribunais superiores.
Hoje, apesar de ser obrigado a seguir as teses firmadas pelo STF e pelo STJ, o Carf não precisa sobrestar temas com repercussão geral ou que serão analisados como repetitivo. A paralisação dos casos na esfera administrativa chegou a ser incluída no regimento interno do conselho em 2010, porém a determinação foi revogada em 2013.
De acordo com o advogado Leonel Pittzer, membro da comissão de juristas para a reforma do contencioso tributário, o objetivo da alteração, entre outros, é evitar que as partes recorram à Justiça para anular decisões tomadas pela esfera administrativa em descompasso com precedentes tomados em repercussão geral ou recursos repetitivos. Seria o caso, por exemplo, da situação em que o contribuinte perde uma discussão no Carf, mas pouco tempo depois o STJ ou o STF definem a tese em sentido oposto.
“É como se a gente tivesse só mudando o guichê. Vai ficar parado o processo, só que ao invés de ficar parado no guichê do Judiciário vai ficar parado no guichê da esfera administrativa, com um custo menor, porque vamos evitar que processos que estejam desalinhados com o que o Supremo ou o STJ vierem a decidir cheguem ao Judiciário”, diz.
“Não adianta o Carf julgar hoje e daqui há um ano vir um repetitivo ou uma repercussão geral e ter um entendimento diverso”, concorda o advogado Tiago Conde Teixeira, sócio do Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados.
São inúmeros os casos analisados pelo Carf envolvendo temas que são objeto de repercussão geral ou recurso repetitivo. Um exemplo é a discussão sobre os efeitos da coisa julgada em matéria tributária, ou seja, se uma decisão do STF cessa automaticamente os efeitos de uma decisão transitada em julgado.
Os REs 949297 e 955227, que versam sobre o tema, foram pautados para análise do STF entre 18 e 25 de novembro, porém o tema é analisado há anos pelo Carf. Em junho, por exemplo, ao julgar o processo 16327.720446/2015-04, a 1ª Turma da Câmara Superior afastou a cobrança da CSLL em um caso em que o contribuinte obteve decisão judicial transitada em julgado declarando a não obrigatoriedade de recolher a contribuição. A decisão favorável à empresa, porém, é anterior à declaração de constitucionalidade da CSLL pelo Supremo.
A ideia de sobrestar os processos no Carf agrada até mesmo integrantes da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Para o procurador Moisés de Sousa Carvalho Pereira, a proposta é positiva, “porque evita julgamentos do Carf contraditórios ao que venha a ser definido nos repetitivos”.
Aumento de estoque
Há, porém, quem se oponha ao sobrestamento de casos no Carf. Ao JOTA, integrantes da direção do tribunal afirmaram que o movimento acarretará em aumento do estoque.
O argumento, entretanto, é questionado. “Em termos de uma ampla análise do contencioso tributário, o que aumentou de estoque no Carf reduziu no Judiciário. Não há perda ou prejuízo efetivo”, defende Caio Quintella, advogado e ex-conselheiro da Câmara Superior do Carf.
“Não dá para separar o Carf, como se fosse um orçamento que não está incluso no orçamento geral da União. O que estamos tentando mostrar com essa proposta é que não adianta esse processo prosseguir, reduzindo o estoque no Carf, e aumentar o estoque na esfera judicial, com um custo maior para a mesma União”, argumenta Leonel Pittzer.
Também há a preocupação com o esvaziamento das discussões no Carf. A conselheira Thais De Laurentiis, vice-presidente da 1ª Turma da 2ª Câmara da 1ª Seção do tribunal, lembra, por exemplo, que o STF deverá analisar, no RE 796.939, a validade da multa de 50% pela não homologação de pedidos compensação, tema extremamente comum no tribunal administrativo. “Se você sobresta os processos no Carf a respeito desse tema você sobresta todos os processos de PerdComp [Pedido Eletrônico de Restituição, Ressarcimento ou Reembolso e Declaração de Compensação]”, diz.
Outro exemplo é a multa qualificada, de 150%, aplicada quando há dolo, fraude ou conluio. A constitucionalidade da penalidade, que frequentemente é debatida pelo Carf, deverá ser analisada pelo STF por meio do RE 736.090, cuja repercussão geral foi reconhecida em 2015.
Para a conselheira, seria necessário estabelecer mais critérios para o sobrestamento de casos na esfera administrativa, que evitassem a paralisação das discussões por muitos anos.
Bárbara Mengardo – Editora em Brasília
Fonte: JOTA