TSE precisa ‘baixar a temperatura’ das campanhas, diz advogado especialista em direito eleitoral
Especialista em Direito Eleitoral, o advogado Fernando Neisser afirma que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem a prerrogativa de ser mais “intolerante” com o uso de informações descontextualizadas e também distorcidas. Segundo o advogado, a Corte, que também tem como atribuição a administração das eleições, pode agir de maneira mais “ativa” para “baixar a temperatura” das campanhas.
Neisser é defensor da ideia de que a Corte possa ter uma postura dura durante o pleito, mesmo que pontualmente venha a se debater o mérito das decisões referentes a retirada de conteúdo e direitos de resposta. Pondera, no entanto, que a Corte deve adotar o mesmo critério para ambos os lados no segundo turno.
Em entrevista ao Estadão, o advogado afirmou ainda que a nova resolução que acelera a retirada de conteúdo falso do ar tornará mais efetivo o cumprimento das decisões judiciais. Leia abaixo, os principais trechos da entrevista.
O TSE mandou tirar do ar materiais da campanha de Lula e de Bolsonaro que reproduziam fatos, como a declaração de um ex-ministro do STF e uma fala pretérita do candidato, mas que poderiam conter ofensas ou distorções. Excessos estão sendo cometidos?
Acho difícil essa compreensão [de que houve excessos]. Eu acho que a leitura geral na sociedade com relação a 2018 foi de um fracasso do TSE no controle da disseminação de desinformação. Essa foi uma leitura que foi concebida pelo TSE. Logo em seguida da eleição, assumiu a gestão do ministro Luís Roberto Barroso e conduziu um programa de enfrentamento à desinformação multifacetado que envolveu aproximação das plataformas, a criação de convênios com elas e termos de cooperação que permitiram a Justiça Eleitoral ter muito mais fôlego, e que alterou inclusive a forma de comunicação da Justiça Eleitoral para disputar o discurso público sobre o sistema de votação.
Do ponto de vista de entendimento jurisprudencial, houve um posicionamento muito importante no julgamento do caso do deputado Francischini, de que também a desinformação sobre o próprio sistema de votação é apta a causar danos à legitimidade normalidade das eleições. E, no caso do julgamento da chapa Bolsonaro/Mourão, de que disseminação de desinformação de forma maciça é apta, se bem provada, a levar à cassação de uma candidatura de um mandato e a declaração de inelegibilidade dos responsáveis. Este foi o entendimento, mesmo que não tenha sido comprovado no julgamento em questão.
Houve um posicionamento da sociedade muito contundente nos últimos quatro anos pedindo e exigindo da Justiça Eleitoral um posicionamento firme e contundente para evitar o que aconteceu em 2018. E é muito complicado fazer uma análise no varejo diante de um movimento tão amplo.
A partir do momento que a gente terminou o primeiro turno, a leitura geral foi: o problema desse ano não foi a desinformação. Mas não foi porque as coisas resolveram. As pessoas não pararam de disseminar desinformação. Não, foi um trabalho muito bem feito. Não, foi porque se desenvolveu com as plataformas novas estratégias, técnicas que nem chegam ao conhecimento público, mas hoje ninguém consegue mais sair criando contas, criando grupos de WhatsApp, por exemplo. Não tem empresas vendendo disparo em massa. Isso não caiu do céu.
O que me parece ter sido foi: a partir da virada do segundo turno houve um aumento substancial na circulação de desinformação. Isso foi percebido não só genericamente pelas pessoas. Índices de circulação, de encaminhamentos de mensagens de publicações. Os índices técnicos mostram que houve um incremento disso de forma brutal. E a preocupação do TSE é como evitar que isso possa ser responsável por macular a eleição no segundo turno.
Eu pessoalmente gosto dessas decisões todas, mesmo olhando no varejo, como proporcionais. Sobre a questão da descontextualização, acho que isso é um ponto muito importante, porque a gente precisa entender por que a Justiça Eleitoral, de alguns anos para cá, passou a acreditar que era importante controlar a descontextualização. Ela não achava.
Mas o papel da Justiça é controlar fake news patente ou também analisar questões mais subjetivas como a descontextualização? Caso sim, isso não demanda um cuidado maior para evitar a retirada equivocada de material verídico?
Concordo que em qualquer controle de conteúdo você tem um espaço de subjetividade, não tem jeito. É assim no Brasil e em qualquer lugar. Há seis ou oito anos atrás, dez anos atrás, praticamente o único canal de propaganda eleitoral era o horário eleitoral gratuito em rádio televisão.
Com isso, você garantia, de certa forma, que todos os candidatos tivessem acesso ao mesmo tipo de eleitor, que eram as pessoas que assistiam o horário eleitoral no rádio e na televisão. E a Justiça Eleitoral podia adotar uma postura mais minimalista, menos intervencionista de dizer: Ora, se eu tenho uma dúvida aqui do caráter sabidamente inverídico dessa afirmação, é melhor deixar fluir, porque o outro lado tem o seu horário eleitoral para responder para o mesmo público, que vai ter acesso a essa informação.
Essa lógica, esse monopólio que rádio e televisão da comunicação, um para muitos, foi quebrado pela internet. Hoje, qualquer pessoa que tenha um grupo de seguidores de uma página, de um perfil, tem acesso a fazer esse mesmo tipo de comunicação para muitos, de uma forma que só aquele público vai ter acesso.
E aí essa argumento de que “a outra campanha que responda” não é suficiente, porque você não tem como garantir que a outra campanha consiga chegar nas pessoas que tiveram acesso àquele tipo de informação, ou pelo menos, daquele tipo de público.
Isso levou a Justiça Eleitoral, de certa forma, a baixar a baliza do controle, a pegar mais coisas. Algumas afirmações que ficavam no espaço de dúvida entre o fato falso, o fato descontextualizado, passaram a precisar ser controladas para que você tenha uma efetividade maior disso. A par dessa mudança tecnológica, as pessoas que estudam a desinformação como um fenômeno informacional, não só no Brasil, mas no mundo, têm diagnosticado algumas estratégias das máquinas de disseminação de desinformação.
Uma delas é efetivamente não usar fatos objetivamente falsos, mas preferir descontextualizar fatos. É exatamente para tornar mais difícil o controle das autoridades judiciais ou do sistema judiciário do país. O TSE não pode adotar uma postura ingênua, de deixar que essa estratégia dê frutos simplesmente porque não estou diante de, abre aspas, um fato sabidamente inverídico.
Em um dos caso de retirada de conteúdo do ar, uma propaganda mostra uma frase que foi efetivamente dita pelo adversário, mas num período não tão distante, como um ano atrás. Não deixa de ser um fato, a pessoa disse aquilo. Onde está a distorção?
Eu acho que no varejo a gente pode ter entendimentos diferentes. Eu acho que descontextualizou, outro não acha. O que me parece é que o TSE fez, veja, simultaneamente no caso da pedofilia nas meninas da Venezuela e fez em questões que a campanha do Lula pediu foi tentar adotar um padrão mais uniforme. Nos vamos ser mais intolerantes a essa descontextualização para baixar a temperatura do jogo.
Ao meu modo de ver, e hoje teve uma reunião na qual o TSE deu publicidade com os jurídicos das campanhas pedindo para baixar o tom. Mais ou menos como a gente viu o ministro Toffoli, em 2014, quando presidiu o TSE fazer com as campanhas do Aécio e da Dilma. Teve esse mesmo tipo de conversa. A Justiça Eleitoral tem uma peculiaridade importante. Ao mesmo tempo em que é um órgão jurisdicional que, portanto, decide diante de casos concretos, que são levados a ela, também é um órgão administrativo que tem a tarefa de tocar as eleições.
Ela pode assumir essa postura mais ativa, porque ela tem essa tarefa. Cabe a ela fazer com que o processo eleitoral seja conduzido de forma a garantir legitimidade, normalidade. Essa é a missão constitucional dela. Entender que o clima está tenso demais, e é importante que as campanhas abaixem um pouco a temperatura e, para isso, a Justiça Eleitoral adotar, desde que de forma uniforme para os dois lados, uma mesma regra me parece dentro da tarefa administrativa da Justiça Eleitoral de conduzir as eleições.
O TSE aprovou uma resolução para acelerar a retirada de conteúdo falso do ar. Sempre há muita reclamação das defesas de candidatos de que a Justiça Eleitoral nunca chegava a tempo para evitar que uma fake news se espalhasse porque demorava a retirada do erro. Como é que o senhor vê essa resolução? Ela torna mais efetivo o cumprimento das decisões judiciais?
Então, acredito que sim. E houve um diálogo com as plataformas para se chegar a um período ou prazo de cumprimento que fosse possível de ser cumprido. Claro que há alguma resistência normal. Toda vez que você cria este trabalho, você tem alguma resistência, mas, nada que seja considerado de difícil cumprimento pelas plataformas, que têm estrutura, departamento jurídico de áreas técnicas estruturadas equipadas para dar cumprimento.
Esse é um reclamo de todos os candidatos. Há duas questões em jogo e normas que foram aprovadas hoje que são muito relevantes. A primeira é o prazo. Às vezes, 24 horas é muito.
E segunda questão é que, assim como o mundo das fake news tem adotado a descontextualização ao invés do fato objetivamente inverídico como estratégia, também adotou a ideia de você subir de novo o material já considerado ilegal em outra URL, outro endereço, outro perfil, outro canal. Depende da plataforma.
E você cria um jogo de gato e rato. Você coloca os candidatos a enxugar gelo, dedicar tempo pessoal, horas de trabalho para localizar novos endereços, ficar impetrando com novas ações de algo que a Justiça Eleitoral já decidiu, e, portanto, muito inteligente e eficaz a medida de simplesmente a própria Justiça Eleitoral, recebendo a informação de quem quer que seja, e verificando que se trata do mesmo material, poder dar uma ordem de extensão daquela decisão judicial que já havia sido dada.
Fonte: Estadão