O racha e o inevitável
O Brasil sai destas eleições rachado ao meio. A única demonstração – previsível – de unidade nacional neste resto de ano será a proporcionada pela torcida para a seleção brasileira na Copa do Mundo do Qatar, em novembro.
Mas, para além das rachaduras, haverá uma inevitabilidade a enfrentar, qualquer que venha a ser o próximo governo. É a da necessidade da adoção de uma âncora fiscal, o grande tema ausente dos debates eleitorais, onde quase tudo ficou nas pauladas recíprocas.
O teto de gastos instituído durante o período Temer, em 2016, cumpriu seu papel, porque, de alguma maneira, conteve alguns excessos. Mas está abalado por orçamentos secretos e emendas do relator.
Certa redução da dívida bruta ao longo do governo Bolsonaro só foi possível graças a dois fatores não recorrentes: à inflação, que aumentou a arrecadação, que se baseia nos preços; e ao adiantamento de receitas de dividendos das estatais, pagamentos de outorgas de concessões e devolução de dívidas do BNDES com o Tesouro Nacional. Agora, para cobrir novas despesas eleitoreiras e de aliciamento de apoios, Jair Bolsonaro passou uma palavra de ordem curta e grossa à sua equipe econômica: “virem-se”.
Há pouco mais de um mês, a área do ministro da Economia, Paulo Guedes, lançou o balão de ensaio da criação da meta cambial ou meta das reservas, uma esquisitice concebida para respaldar nova expansão dos gastos a serem cobertos pela queima do volume das reservas externas que excedesse a meta que viesse a ser determinada
O candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já avisou que vai revogar o teto de gastos porque entende que “não funcionou”. Não disse que âncora fiscal colocaria no lugar. Nos bastidores, admite-se a adoção de uma certa política anticíclica, que também não se sabe o que é, mas que na formatação Dilma Rousseff, descambou nas pedaladas e no resto.
O equilíbrio das contas públicas não é uma exigência da ortodoxia monetária. É pressuposto para execução de qualquer política econômica, seja ela socialista, liberal, neoliberal ou, simplesmente, progressista. O Estado precisa ter condições necessárias para investir e promover o desenvolvimento. Mais despesas cobertas com mais dívida pública ou com mais emissões de moeda empurram a economia para a inflação e para perda de confiança e, nas curvas seguintes, para a ingovernabilidade.
Isso nada tem a ver com ideologia. É como funciona uma economia, seja de uma família, de uma empresa ou de um país. A alegação, tantas vezes repetida, de que “os outros estão pior do que nós” não derruba essa lógica.
Fonte: Estadão