Amazonas vive crise de violência associada a crime ambiental
Mortes de Dom Phillips e Bruno Pereira expuseram atuação de grupos ligados ao tráfico de drogas e à exploração ilegal da Amazônia
Rosiene Carvalho
Manaus
Rota internacional do narcotráfico, fronteira com três países e um território maior que a região Nordeste. Com essas características geográficas, o Amazonas, em quatro anos de governo Bolsonaro (PL), passou do status de estado mais preservado da Amazônia para o epicentro de conflitos socioambientais e um dos líderes em degradação e violência contra populações tradicionais.
Em 2022, a administração do estado é disputada por oito candidatos, entre os quais três já comandaram o estado: o atual governador Wilson Lima (União Brasil) e os ex-governadores Amazonino Mendes (Cidadania) e Eduardo Braga (senador pelo MDB). Nos planos de governo, os gargalos ambientais do estado são ignorados.
A violência é um capítulo dos problemas da região e foi exposta nos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips, mortos por contrariarem interesses da pesca ilegal no Vale do Javari. A terra indígena fica na região de fronteira com Peru e Colômbia, marcada pela influência do tráfico de cocaína e contrabando de riquezas naturais.
É nessa região que o Amazonas, estado que concentra a maior população indígena do país, tem outra peculiaridade: a maior população de índios em isolamento voluntário do mundo.
\”Tem uma coisa que articula todos os problemas: o padrão de desenvolvimento que vem predominando na Amazônia toda e no estado do Amazonas. Uma modernização que se beneficia da exploração de recursos naturais —madeira, terra, minério, águas— e ignora o conhecimento e os modos de vida das populações locais\”, avalia Marcelo Seráfico, sociólogo e professor da Ufam (Universidade Federal do Amazonas).
O Amazonas saltou de quarto estado no ranking de desmatamento da Amazônia, em 2020, para o segundo lugar em 2021, mostra o RAD (Relatório Anual de Desmatamento) do MapBiomas. O processo de derrubada de árvores vem na esteira do fortalecimento da chamada Amacro, nova fronteira de expansão do agronegócio na divisa de Amazonas, Acre e Rondônia.
Segundo o MapBiomas, em três anos, o Amazonas apareceu pela primeira vez na frente de Mato Grosso e Maranhão, atingindo assim o segundo lugar na lista de estados que mais desmatam.
Cidades como Humaitá, Lábrea e Apuí tiveram altas de desmatamento que alavancaram o estado no ranking negativo. Os três municípios ficam no sul do Amazonas, na região da Amacro, onde também é preocupante a disparada dos focos de incêndio nos últimos anos.
Dos dez municípios com maior registro de incêndios acumulados entre janeiro e agosto deste ano, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), quatro são do Amazonas: Apuí, Novo Aripuanã, Manicoré e Lábrea.
No primeiro ano do governo Bolsonaro e de seu aliado no Amazonas, Wilson Lima, os registros de focos de incêndio saíram de 3.873, em 2018, para 7.889, em 2019, um aumento de 104%.
Em 2022, embora haja queda de 5% na comparação entre o período de janeiro a agosto deste ano com o mesmo de 2021, os dados continuam altos quando a referência é o ano anterior à posse de Bolsonaro e Lima.
Recentemente um incêndio em 1.800 hectares (o equivalente a 11 parques Ibirapuera) na região do rio Manicoré espalhou fumaça até Manaus. Dois meses antes, o governador havia dito, ao visitar a área em campanha, que iria \”até as últimas consequências\” para impedir a criação de uma RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável) no local.
O Amazonas também lidera há três anos o ranking de homicídios de indígenas, de acordo com relatório do Cimi (Conselho Indigenista Missionário). Em 2021, foram 38 assassinatos.
O aumento dos crimes ocorre em paralelo a uma fragilização dos órgãos de defesa dessa população, destaca Gersem Baniwa, doutor em antropologia social indígena e professor da UnB (Universidade de Brasília).
\”A Funai não serve mais em lugar nenhum do Brasil para defesa ou proteção dos povos indígenas, mas se tornou órgão assessor e de implementação da política do governo federal contrária aos povos indígenas\”, diz.
Uma das maiores fontes de pressão sobre os povos originários da floresta é o garimpo ilegal, especialmente na Terra Indígena Yanomami, que vai do Amazonas a Roraima —o maior território demarcado no país.
O governo Bolsonaro, que tem projeto de liberação da mineração em terra indígena, potencializou sua defesa dessa pauta com a Guerra da Ucrânia e a crise de fertilizantes.
A solução proposta no Plano Nacional de Fertilizantes é liberar a exploração de potássio —e uma das maiores jazidas do mundo está no município de Autazes (AM). A exploração do minério, que chegou a receber autorização do órgão estadual Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), é questionada pelo MPF (Ministério Público Federal) por não ter sido feita consulta prévia aos povos que serão impactados.
Segundo o MPF, a obra para exploração da reserva fica a menos de 3 km da Terra Indígena Jauary, a cerca de 6 km da Terra Indígena Paracuhuba e a 12 km da Terra Indígena Guapenu.
O avanço do garimpo no estado do Amazonas também ficou evidente em novembro do ano passado, quando um grupo de garimpeiros ilegais desafiou as forças de segurança do estado e montou uma espécie de cidade flutuante para a exploração do ouro. Naquele período, centenas de balsas e dragas foram instaladas no rio Madeira, a 112 km de Manaus.
A cena não foi uma novidade no Madeira, que sofre degradação pelo garimpo ilegal há décadas. No entanto, nunca havia sido registrada uma ação dessas proporções tão próxima da capital, que concentra as forças de repressão do estado.
\”[Os ribeirinhos] encontram uma ocupação [no garimpo ilegal], não melhoram suas condições de vida, ficam expostos à violência e ainda participam de algo que não participavam, que é a própria degradação do meio ambiente por completa ausência de perspectiva\”, conclui Seráfico.
Fonte: Folha de São Paulo