Indenizações por danos coletivos devem ir para fundos federais, dizem especialistas

O Supremo Tribunal Federal (STF) deveria reconhecer a procedência dos argumentos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 944 apresentada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). No processo, a entidade questiona decisões da Justiça do Trabalho em condenações por danos morais coletivos em ações civis públicas que deram destinação às indenizações diversas daquelas legalmente estabelecidas. É o que pensam especialistas ouvidos pela reportagem.
A discussão estava no plenário virtual, mas foi paralisada em 6 de maio, quando o ministro André Mendonça pediu vista, e não tem previsão de ser retomada.
Até a paralisação do julgamento, apenas a ministra relatora, Rosa Weber, havia votado. A magistrada não conheceu da ação e disse em seu relatório que não é possível ao Supremo analisar a questão porque a ADPF não seria o instrumento jurídico adequado para a discussão de direitos e interesses individuais e concretos, como argumentado pela CNI na ação. Além disso faltaria legitimidade à Confederação, na visão da ministra, para o ajuizamento da ação.
O professor de Direito da Universidade de Brasília (UnB) André Macedo de Oliveira, sócio da BMA Advogados em Brasília, concorda com os argumentos da CNI. O julgamento da questão pelo Supremo, na avaliação do professor, daria “segurança jurídica ao tema”.
“Há motivos razoáveis para que suspendam as decisões trabalhistas de forma cautelar, como pede a ADPF, e depois continuem julgando a ação”, comentou, destacando o artigo 13º da Lei 7.347/1985, que trata da Ação Civil Pública. Segundo Oliveira, a legislação deixa claro que a destinação de indenizações deve se dar para fundos públicos e não privados, conforme argumenta a CNI.
O artigo mencionado por Macedo diz que “havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados”.
Fernando Hugo Miranda, doutor em Direito pela USP e sócio em Brasília do Escritório Paixão Côrtes Advogados, mencionou a mesma legislação e disse que as decisões da Justiça do Trabalho não têm fundamento na Constituição, mas estão sendo baseadas em uma interpretação sistemática que tem levado em conta resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). “A ADPF 944 se apresenta, portanto, como uma relevante oportunidade de esclarecimento definitivo da questão”.
O diretor jurídico da CNI, Cassio Borges, avalia que a matéria levada ao STF é amplamente amparada na tônica constitucional e na legislação – ele citou, além da Lei 7.347/1985, o Decreto 1.306/1994, que regulamentou o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDDD), e a Lei 9.008/1995, que criou o Conselho Federal Gestor, responsável por gerir os recursos do FDDD.
Ao explicar a importância da ADPF, Borges destacou justamente a necessidade de garantir segurança jurídica. “O empresário quer saber, se for condenado em uma ação por danos morais coletivos, se corre o risco de ter que criar um fundo, ou de fazer doações, ou até de criar e de manter uma fundação, ou seja, se vai ficar à mercê da vontade de cada juiz trabalhista. A ADPF busca segurança jurídica para poder empreender”, afirmou.
Os empregadores industriais têm interesse na observância constitucional da destinação dessas condenações. O fato de serem potenciais réus condenados por ofensas reconhecidas em ações civis públicas no âmbito da Justiça do Trabalho não macula seu interesse jurídico, ao contrário, o reforça. É absolutamente pertinente que queiram ver respeitado o destino legalmente imposto aos valores por eles porventura pagos em condenações judiciais.
O só fato de outros empregadores para além do setor secundário da economia também sofrerem impactos com o mesmo tipo de interpretação inconstitucional da Lei de Ação Civil Pública não desqualifica o interesse da CNI para aventar a questão tratada na ADPF; ao contrário, apenas amplia, horizontalmente, o número de setores legitimados para, por meio de suas confederações nacionais e associações nacionais de classe, deflagrar o debate constitucional perante a Suprema Corte.
O advogado trabalhista Gaudio Ribeiro de Paula disse ver com preocupação “o juiz do trabalho, ao lado do Ministério Público do Trabalho (MPT), fazer uso desses instrumentos [decisões] para tentar interferir na dinâmica social”. “Claro que são animados dos mais nobres propósitos. Mas quando passam a adotar essa postura de agente de transformação social, há um risco de se tornarem justiceiros, porque passam a interferir nas dinâmicas sociais sem estar tecnicamente preparados para este trabalho”, disse.
De Paula destacou que, por mais que tenha havido problemas de malversação dos recursos dos fundos oficiais de amparo ao trabalhador – os fundos de pensão já foram alvo de inúmeras denúncias -, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou Fundo de Defesa do Direitos Difusos (FDDD), esses são os canais para “destinação de recursos para melhorar as condições de trabalho”.
Na peça apresentada ao STF em fevereiro, a CNI requer a declaração de inconstitucionalidade das decisões, sentenças e acórdãos proferidos pela Justiça do Trabalho argumentando que a destinação aos fundos “é legalmente obrigatória” e que são inconstitucionais as determinações de “constituição de fundações privadas, fixando condenações que deverão ser vertidas para tais fundações a título de dotação patrimonial” ou “estabelecem obrigações de efetuar “doações diretas” em prol de entidades públicas e/ou privadas”.
“O modelo constitucional de separação de Poderes tem sido repetidamente violado por diversas decisões da Justiça do Trabalho que, com a intenção de fugir do regime constitucional de Direito Financeiro e Orçamentário, têm determinado que condenações monetárias em ações civis públicas sejam destinadas não para os fundos públicos criados pela legislação ordinária — cujos recursos deveriam integrar a Lei Orçamentária Anual e ter sua aplicação controlada pelo Poder Legislativo e pelo Tribunal de Contas —, mas para fundações criadas ad hoc e supervisionadas apenas pelo Ministério Público; e/ou para órgãos públicos e/ou privados com programas de ação diretamente selecionados pelo Ministério Público”, diz a ADPF.
A CNI argumenta ainda que as decisões vão de encontro ao “princípio da separação de Poderes, da legalidade orçamentária, à competência privativa do chefe do Poder Executivo para propor a lei orçamentária anual; e à proibição de criação de fundos sem prévia autorização legislativa”.
Cassio Borges classificou as decisões da Justiça do Trabalho como “uma hipótese clara de ativismo judicial”. “Não caberia ao Poder Judiciário conferir um tratamento em desacordo com a lei.”
A Confederação também afirma que, ao ganharem uma destinação distinta dos fundos públicos federais, “recursos que deveriam ser tratados como receitas públicas — e, depois, gastos por meio do regime constitucionalmente previsto para as despesas públicas — são colocados inteiramente à margem do sistema público de competências, deliberação, controle e fiscalização”.
Após o voto de Rosa Weber na ação, a Procuradoria-Geral da República enviou uma manifestação pedindo que “antes de qualquer pronunciamento da Corte sobre o mérito da ação” suas considerações e da Advocacia-Geral da União fossem consideradas. A PGR concorda com os argumentos de Weber, afirmando que “a análise da demanda sob os parâmetros constitucionais indicados fica a depender de prévio confronto entre as decisões judiciais impugnadas e a legislação infraconstitucional”. A AGU não se manifestou no caso até o momento.
“Quando fomos provocados por nossa base, analisamos as decisões judiciais e entendemos que elas refletem sobre as empresas industriais, que têm sido rés em ações judiciais trabalhistas”, diz Borges. O diretor jurídico da CNI disse esperar que o plenário revise o entendimento da ministra.
O advogado Fernando Miranda comentou que o debate sobre pagamento de indenização em condenações por danos morais coletivos já foi iniciado no Supremo e mencionou a ADPF 58 e a Reclamação 33.667. “Na notória discussão sobre a destinação dos valores pagos pela Petrobras em acordo firmado com o MPF (Acordo de Assunção de Obrigações), no âmbito da operação Lava-Jato, as partes optaram por homologar acordo determinando a destinação dos valores à conta do Tesouro Único. Antes disso, fora concedida medida liminar na ADPF para destinação dos valores ao orçamento público”.
Redação JOTA – Brasília


Fonte: JOTA

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