STF: Lei de Improbidade não deve retroagir, salvo para processos em curso
Não há retroatividade da prescrição; portanto, políticos como Arruda e Lira não serão beneficiados pela nova lei
O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou nesta quinta-feira (18/8) que Lei de Improbidade Administrativa, sancionada em 2021 pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), não deve retroagir para os casos em que já existe uma condenação. No entanto, prevaleceu o entendimento de que a lei pode retroagir somente para ações em curso que discutem a modalidade culposa, que deixou se existir com o advento da nova lei. O novo prazo prescricional — de oito anos — e a prescrição intercorrente — no curso do processo — também não retroagem, mesmo para processos em curso.
A decisão se deu após quatro dias de análise da matéria (ARE 843.989). Há 1147 ações sobre o tema suspensas aguardando a decisão do Supremo. Entre os políticos que esperam o resultado e as consequências estão o atual presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o ex-governador do DF, José Roberto Arruda (PL-DF), o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (União-RJ) e o ex-prefeito do Rio César Maia (PSDB-RJ).
Com a decisão do Supremo, as partes dos processos em curso que tratam sobre a modalidade culposa de improbidade podem pedir a revisão. No entanto, não podem fazer o mesmo com a prescrição. Políticos como Arruda, Lira e Garotinho não serão beneficiados porque dependiam da retroatividade para prescrição.
Voto do relator
O julgamento se subdividiu em quatro pontos principais:
• Se a lei poderia retroagir para ações em curso;
• Para ações finalizadas, isto é, transitadas em julgado;
• Para a prescrição intercorrente, de 4 anos, e para a prescrição geral, 8 anos. Em todos esses itens prevaleceu o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes.
O relator, Alexandre de Moraes, votou por uma espécie de irretroatividade parcial nos processos em curso na modalidade culposa, que não existe mais na nova lei. Assim, o ministro entende que a lei não retroage apenas para aplicação no caso de decisões definitivas e processos em fase de execução das penas. Em outras fases processuais, seria possível.
Para Moraes, caberá ao juiz da causa analisar em cada caso se há dolo. Se o juiz considerar que houve, a ação prossegue. No entanto, não poderá haver punição por ato culposo nas ações de improbidade que já estão em andamento, pois não é possível futura sentença condenatória com base em lei revogada anteriormente.
Moraes refutou a irretroatividade para as prescrições. Pela nova lei, a prescrição geral passou a ter um prazo de 8 anos — antes era 5. Também passou a permitir a prescrição intercorrente, que antes não era possível.
Durante a leitura de seu voto, Moraes ressaltou: “Combate à imoralidade no cerne do poder público é imprescindível porque a corrupção não é a causa imediata, mas causadora mediata de inúmeras mortes, falta de recurso para segurança”. Segundo ele, “quem desvia os recursos necessários para efetiva e eficiente prestação dos serviços não só corrói os pilares do estado de direito, mas contamina a legitimidade dos agentes públicos e prejudica a democracia”.
Outros posicionamentos
No entanto, durante as discussões foram surgindo novos posicionamentos. Os ministros André Mendonça, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski votaram de forma mais permissiva quanto ao alcance da retroatividade para ações em curso e transitadas em julgado. Para eles, a irretroatividade poderia alcançar ações finalizadas, desde que o autor entrasse com uma ação rescisória.
Integraram a corrente que permite a lei retroagir para processos em curso, conforme o voto do relator, os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Já os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia votaram de uma forma mais rígida. Para eles, não seria possível nenhum tipo de irretroatividade, nem para ações em curso, nem para prescrição. Essa corrente entende que a retroatividade só se aplica para casos penais, conforme a Constituição e que a lei de improbidade tinha natureza cível.
“A norma da Constituição Federal [de retroatividade] merece interpretação restritiva, circunscrita ao direito penal. Não alcança o direito administrativo. Improbidade administrativa não está no Código Penal. Assim, prevalece o princípio da irretroatividade da lei”, defendeu Rosa Weber durante o seu voto.
A prescrição apresentou divergências entre os ministros. Embora tenha vencido a posição do relator da irretroatividade tanto da prescrição geral quanto intercorrente, os ministros Nunes Marques, Toffoli, Lewandowski e Gilmar Mendes entendiam que a retroatividade da prescrição geral era possível.
No caso da intercorrente, Nunes Marques e Mendes defendiam a retroatividade. Já o ministro André Mendonça teve um entendimento à parte. Para ele, se já tivesse começado a contar à prescrição, valeria o prazo da lei antiga, que é de 5 anos. Se não, valeria o prazo da lei nova, 8 anos. Mendonça ainda entendia que a prescrição intercorrente, no curso do processo, começa sempre a partir da entrada em vigor da nova lei.
Para Gilmar Mendes, os atos de improbidade não se esgotam no âmbito do direito civil. Ele defende que o direito administrativo também é sancionador. “Ação de improbidade não se presta a evitar ilícitos, mas a puni-los (não para recompor o patrimônio público, mas para punir o acusado). Assim, é difícil às vezes separar os ilícitos penais dos atos de improbidade”, afirmou.
“A Lei de Improbidade consagra sua proximidade com o direito penal. Não constitui ação civil, e a própria lei administrativa diz que é sancionatória. Assim, deve ser preservado o princípio da lei mais benéfica. E deve ser aplicada a quem foi processado por improbidade administrativa, como ocorre com a lei penal”, disse Lewandowski durante o voto.
Tese aprovada
1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – dolo;
2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada, nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;
3) A nova lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos, praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.
4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.
Caso concreto
O caso analisado em sede de repercussão geral trata de uma ação proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra uma servidora contratada pelo órgão e acusada de “conduta negligente” na atuação em processos judiciais. O INSS pede o ressarcimento de R$ 391 mil pela servidora. A ação foi ajuizada antes das alterações de 2021 na Lei de Improbidade Administrativa, no entanto, a servidora recorreu ao Supremo e argumentou ser aplicável o prazo prescricional de cinco anos para o ajuizamento da ação de ressarcimento ao erário, assim, a ação do INSS estaria prescrita. No caso concreto já há maioria pela procedência do recurso, mas pelo motivo de prescrição da ação.
Como votaram os ministros
• Ações anteriores à lei (já com trânsito em julgado)
Lei não retroage: Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Lei retroage: Nunes Marques, Dias Toffoli e Gilmar Mendes
Lei retroage (com ação rescisória): André Mendonça, Ricardo Lewandowski
• Ações anteriores à lei (ainda em curso)
Não é possível sentenciar com base em norma revogada: Alexandre de Moraes, André Mendonça, Nunes Marques, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Sentencia com base em norma revogada: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
• Prescrição intercorrente
Lei não retroage (começa a contar de 26/10/2021): Alexandre de Moraes, André Mendonça, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Lei retroage: Nunes Marques, Dias Toffoli.
• Prescrição geral
Lei não retroage: Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Lei retroage: Nunes Marques, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes
Posição alternativa: André Mendonça
Flávia Maia – Repórter em Brasília
Fonte: JOTA