STF: Alexandre de Moraes vota contra retroatividade da Lei de Improbidade
Já o ministro André Mendonça entende que cabe ação rescisória nos casos anteriores de condenação na modalidade culposa
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator da ARE 843.989, votou nesta quinta-feira (4/8) contra a retroatividade da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14.230/2021) — ou seja, para que não alcance casos anteriores à sua sanção, em outubro de 2021. Conforme esse entendimento, políticos e gestores públicos acusados de improbidade e com processos em andamento antes da mudança da lei não são beneficiados pelas alterações legislativas.
Por se tratar de um recurso extraordinário, a decisão do Supremo deve criar um precedente que deve ser seguido pelo Judiciário. Pelo menos 1147 ações sobre o tema estão suspensas em todo o Brasil aguardando a decisão do Supremo. O julgamento tem interesse de políticos que buscam uma definição sobre a sua situação jurídica, seja para voltarem a ser elegíveis ainda neste ano, seja porque precisam dar uma satisfação para seus eleitores e não terem sobre si uma acusação de improbidade.
Entre os políticos que podem ser beneficiados com a decisão estão o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o ex-governador do DF, José Roberto Arruda (PL-DF), Anthony Garotinho (União-RJ) e o ex-prefeito do Rio César Maia (PSDB-RJ). No caso de Arruda, por exemplo, se a lei retroagir, ele pode ser beneficiado pela prescrição intercorrente que passou a existir a partir da nova lei. A prescrição intercorrente ocorre quando o autor perde o direito de ação por conta de sua inércia no decorrer do processo.
Moraes votou contra a retroatividade em casos de políticos ou agentes públicos condenados antes da nova lei. Para ele, o princípio fere as regras constitucionais de regência da administração pública. Além disso, ele entendeu que Estado agiu legalmente ao julgar casos anteriores, o que torna impossível mudar tais decisões.
Em seu voto, o ministro relator lembrou que a Lei 14.230/2021 determina ser necessário o dolo (intenção de agir) do agente para configuração de atos de improbidade administrativa previstos no artigo 10, deixando assim de existir a modalidade culposa. Para ele, a retirada da modalidade culposa (não intencional) de improbidade é uma opção legislativa legítima.
No entanto, o ministro entende que a norma mais benéfica relacionada às condutas culposas não retroage para aplicação no caso de decisões definitivas e processos em fase de execução das penas. Em relação àquelas ações em que não há trânsito em julgado, não é possível aplicar a ultra-atividade da norma revogada, cabendo o juiz analisar em cada caso se há má-fé ou dolo eventual. Se o juiz considerar que houve, a ação prossegue. No entanto, não poderá haver punição por ato culposo (como inabilidade ou inaptidão) nas ações de improbidade que já estão em andamento, pois não é possível futura sentença condenatória com base em lei revogada anteriormente.
Sobre os novos prazos de prescrição previstos na lei, o ministro considerou que eles não podem retroagir em observância aos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança. Além disso, para o ministro, os novos prazos não se aplicam às ações de ressarcimento decorrentes de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, conforme entendimento da Corte (Tema 897 da Repercussão Geral), que julgou esses casos imprescritíveis.
O ministro Alexandre de Moraes ressaltou no seu voto que a “corrupção corrói a República, a própria essência da democracia”. “Combate à imoralidade no cerne do poder público é imprescindível porque a corrupção não é a causa imediata, mas causadora mediata de inúmeras mortes, falta de recurso para segurança. A corrupção é negativa do estado constitucional. (…) Quem desvia os recursos necessários para efetiva e eficiente prestação dos serviços não só corrói os pilares do estado de direito, mas contamina a legitimidade dos agentes públicos e prejudica a democracia.”
O segundo e último a votar nesta quinta-feira foi o ministro André Mendonça. Ele se posicionou a favor da retroatividade em casos culposos (quando não há intenção) por julgar que cabe, neste caso, a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica. Ou seja, a mudança beneficia os acusados e deve ser aplicada a casos anteriores.
Mas, diante da proteção constitucional à coisa julgada, a aplicação da tese, quando cabível, aos processos já transitados em julgado, dependerá do manejo de ação rescisória, nos termos do art. 525, §§ 12 a 15 do CPC/2015.
O que a PGR defende
Por sua vez, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu que as alterações trazidas pela Lei de Improbidade não devem retroagir para beneficiar agentes públicos já condenados com base em regras que vigoravam anteriormente (Lei 8.429/1992). No entendimento da PGR, os novos prazos prescricionais só devem ser computados a partir de 2021.
De um lado, membros do Ministério Público — principal autor de ações de improbidade — defendem que a retroatividade e o prazo de prescrição menor trarão insegurança jurídica para o país, pois haverá um pedido em massa de arquivamento e de pedidos de indenização para o estado. Além disso, sustentam que podem diminuir o trabalho dos órgãos públicos que trabalham pelo combate à corrupção.
Por outro lado, entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira dos Municípios (ABM), defendem que a retroatividade seja válida não apenas no direito penal, mas também no direito administrativo, ou seja, onde os casos de improbidade se encontram. Para essas entidades, a retroatividade deve ser adotada quando beneficia o acusado. Além disso, sustentam que é diferente um gestor corrupto e de um inábil, por isso, a lei deve retroagir.
Fonte: JOTA