Carf tem ‘dança das cadeiras’, e conselheiros apostam em mais mudanças

Julgadores afirmaram que o objetivo é que as turmas de julgamento tenham um perfil mais ‘técnico’ e ‘acadêmico’

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) passa por mudanças sob a gestão de Carlos Henrique de Oliveira, nomeado em maio para a presidência do tribunal. Sua decisão de participar das sessões de julgamento já impactou a Câmara Superior, onde temas decididos pelo desempate pró-contribuinte passaram a ter maioria contra a tese do fisco.

Agora, o Carf destituiu conselheiros e nomeou outros em uma série de portarias publicadas nesta terça-feira (19/7) no Diário Oficial da União. Ao JOTA, fontes disseram que se trata de um projeto de “oxigenação” do tribunal, e que mais mudanças ocorrerão.

Julgadores afirmaram à reportagem que o objetivo é que as turmas de julgamento tenham um perfil mais “técnico” e “acadêmico”. Contudo, alguns admitem que há uma tendência a afastar a “velha guarda” da Receita Federal e avaliam que a mudança pode acabar favorecendo os contribuintes.

Entre os conselheiros destituídos está o presidente da 3ª Seção, Rodrigo Pôssas, substituído na presidência pela conselheira Liziane Angelotti Meira. Além disso, foi dispensado Luiz Eduardo de Oliveira Santos, que, segundo apuração do JOTA, será substituído na 3ª Turma da Câmara Superior por Rosaldo Trevisan. Ex-conselheiro, Trevisan foi dispensado a pedido em 2019, mas segue vinculado ao Carf como especialista. Por fim, o conselheiro Vinícius Guimarães foi destituído da 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 3ª Seção e nomeado presidente da 2ª Câmara da 3ª Seção. Todas as alterações envolvem conselheiros representantes do fisco.

Segundo conselheiros do Carf, as mudanças não teriam relação com uma tentativa de driblar a mobilização dos auditores fiscais, que dura desde janeiro e tem inviabilizado o funcionamento da maioria das turmas. Uma conselheira afirmou que o objetivo é tornar o colegiado mais “técnico” e com votos “bem fundamentados”.

Outro julgador destacou que o presidente do Carf já havia anunciado sua intenção de aprimorar a qualidade dos julgamentos. “Carlos [Henrique de Oliveira] havia comentado, logo que tomou posse, que queria um perfil técnico dos dois lados [contribuinte e fazenda]. A 3ª Turma da Câmara Superior era muito criticada por isso, não por ser fiscalista, mas pela composição”, diz. Conforme o julgador, outras mudanças devem acontecer.

Ele apontou como próximo alvo a 1ª Seção do Carf. Segundo o conselheiro, as alterações serão publicadas pelo Ministério da Economia “a conta-gotas”. De acordo com o julgador, o conselheiro Fernando Brasil de Oliveira Pinto, que integra a 1ª Turma da Câmara Superior, deve substituir a ex-conselheira Andréa Duek Simantob, nomeada diretora de Programa na Secretaria Especial da Receita Federal, como presidente da 1ª Seção do Carf. O conselheiro citou ainda Guilherme Mendes, ex-conselheiro do Carf e professor da USP, como provável opção para completar o quórum do colegiado com a saída de Simantob.

Cenário favorável ao contribuinte
O julgador avaliou que as mudanças não necessariamente levarão a posicionamentos mais favoráveis ao contribuinte no tribunal. “O placar provavelmente vai ser muito pouco alterado por conta desses remanejamentos e muito mais por conta do art. 19-E [da Lei 10.522/2002, que instituiu o desempate pró-contribuinte]. A mitigação do voto de qualidade [desempate pelo voto duplo do presidente da turma] vai mudar muito a jurisprudência do Carf. O que eu garanto com certeza é que os debates e as fundamentações vão ser de um nível elevadíssimo”, afirmou.

Em contrapartida, uma fonte acredita que conselheiros com um perfil mais “acadêmico” e “técnico” tendem a proferir mais votos favoráveis aos contribuintes, o que agradaria o setor empresarial e advogados. “Conselheiros com esse perfil mais acadêmico terminam por ter um entendimento mais ‘privatista’ do que focado no interesse público”, disse.

Conselheiros disseram ainda que a decisão de Carlos Henrique de Oliveira de participar das sessões de julgamento levará à saída da conselheira Rita Eliza Bacchieri da vice-presidência do Carf. A razão é que a julgadora não conseguirá acompanhar todas as sessões. A conselheira Ana Cecília Lustosa da Cruz, da 2ª Turma da Câmara Superior, é apontada como a provável substituta.

“Ana Cecília mora em Brasília e poderia estar participando com o presidente de todas as turmas da Câmara Superior”, comentou uma conselheira. A vice-presidência é ocupada por conselheiros representante dos contribuintes. Com a participação do presidente nos julgamentos, é necessária também a participação do vice para garantir a paridade.

Mudanças de posicionamento
Na última semana, quando ocorreram julgamentos da 1ª Turma da Câmara Superior, o colegiado formou maioria pró-contribuinte em dois casos em razão de votos do presidente do Carf, Carlos Henrique de Oliveira. Além disso, em um terceiro caso, em que Oliveira deu o voto de qualidade, ou seja, com peso duplo, a decisão foi favorável ao contribuinte, o que é raro.

No processo 19515.005446/2009-03 foi afastada a trava de 30% para aproveitamento de prejuízo fiscal e base negativa da CSLL no momento de extinção da empresa. Com o voto de Carlos Henrique de Oliveira a favor do contribuinte, o placar ficou em 5 a 3 pela não observância da trava. No ano passado, o tema havia sido decidido pelo desempate pró-contribuinte.

Já no processo 10480.725593/2015-11, os conselheiros decidiram que os créditos presumidos de ICMS eram subvenção para investimento, e não para custeio, não compondo a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Um dos votos favoráveis à tese do contribuinte foi do presidente do Carf, levando a um placar também de 5×3 para afastar a cobrança dos tributos.

Por fim, no julgamento do caso 11516.720988/2019-51, que tratava da exclusão de uma empresa com débitos tributários do Simples, Carlos Henrique de Oliveira proferiu voto de qualidade a favor da permanência da empresa, que tinha regularizado sua situação em 30 dias, no regime.

Apesar da instituição do desempate pró-contribuinte no Carf, o Ministério da Economia entende que o voto de qualidade é aplicável a situações que não envolvem autuação fiscal. É o caso de exclusão de empresas do Simples.

Mariana Branco – Repórter especializada em Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).


Fonte: JOTA

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