Recessão global é um risco concreto, diz ex-ministro Joaquim Levy
Para diretor do Safra, reservas internacionais de US$ 300 bilhões são escudo valioso para o país
São Paulo
Para Joaquim Levy, diretor de estratégia econômica e relações com mercados do Banco Safra, o remédio amargo da alta de juros nos mercados desenvolvidos para combater a inflação leva a um \”risco concreto\” de a economia global atravessar um período de recessão em 2023 ou 2024.
\”Uma pequena recessão para reequilibrar a economia pode ser uma forma rápida de voltar a ter mais investimentos em 2024 e 25. Nos Estados Unidos, as coisas muitas vezes são resolvidas com surpreendente velocidade\”, diz Levy, em entrevista por email à Folha.
O diretor do Safra, que foi ministro da Fazenda no ano de 2015 e presidente do BNDES de janeiro a junho de 2019, afirma ainda que uma recessão pode afetar o preço das commodities, mas que as reservas internacionais do Brasil representam um escudo valioso. \”Mas temos que estar atentos.\”
Como o sr. tem acompanhado a evolução do quadro fiscal do Brasil nos últimos meses? O Banco Central tem comentado nas atas que o quadro atual é de crescente incerteza, com iniciativas que podem afetar o comportamento da inflação ao longo do tempo. O Copom não incluiu os eventos mais recentes na última decisão sobre a Selic, mas sinalizou que eles deverão considerar na próxima reunião, o que pode afetar os próximos aumentos da taxa de juros.
Quais as perspectivas para o quadro macroeconômico do país no segundo semestre? O BC tem sinalizado a expectativa de desaceleração da economia, provavelmente pelo próprio efeito da inflação, que tem diminuído a renda real das famílias. Este ano, a opção de aumentar o endividamento para aumentar a renda disponível está também mais difícil para a maior parte das famílias, porque os juros estão mais altos, e em alguns casos as famílias terão que retomar pagamentos que foram suspensos durante a Covid.
Os bancos centrais das economias desenvolvidas precisam acelerar o ritmo de alta dos juros para controlar a pressão inflacionária em escala global? A pressão inflacionária é real. Em parte, por causa de choques de demanda, como os vários trilhões de gasto público nos Estados Unidos em 2020 e 2021 que ainda estão sendo digeridos; em outra parte, por choques de oferta, como a desorganização de cadeias de produção, e a questão do petróleo e de grãos, que surgiu com a invasão da Ucrânia pela Rússia.
A resposta a choques de demanda é mais simples, e os juros resolvem o problema em alguns trimestres. Choques de oferta são mais complicados, porque representam um empobrecimento, ainda que temporário, dos países. Então, quando se olha a Europa, e o choque de energia que ela está sofrendo, o BCE (Banco Central Europeu) deverá ser cuidadoso, sem deixar a inflação se enraizar.
Qual o risco de a economia global atravessar uma recessão em 2023? É um risco concreto. No caso dos Estados Unidos, seria uma forma de voltar a trajetória tendencial, porque eles cresceram muito rápido na esteira do aumento de gasto público, mesmo considerando o aumento de importações. Então uma pequena recessão para reequilibrar a economia pode ser uma forma rápida de voltar a ter mais investimentos em 2024 e 25. Nos Estados Unidos, as coisas muitas vezes são resolvidas com surpreendente velocidade.
Quais implicações uma recessão global pode trazer para o Brasil? O Brasil tem tido um ambiente externo extremamente favorável nos últimos quatro anos, com preços das commodities incrivelmente bons e juros baixos. Uma recessão pode afetar o preço de algumas commodities, o que é típico desde os idos do século 19. Ainda temos US$ 300 bilhões de reservas, um escudo criado há 15 anos e que continua muito valioso. Mas temos que estar atentos.
Raio-X | Joaquim Levy, 61
É diretor de estratégia econômica e relações com mercados do Banco Safra. Nascido no Rio de Janeiro em 1961, doutor em economia pela Universidade de Chicago e graduado em engenharia naval pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Levy assumiu o Ministério da Fazenda em janeiro de 2015, no início do segundo governo Dilma Rousseff (PT), sendo substituído em dezembro do mesmo ano por Nelson Barbosa. De janeiro a junho de 2019, foi presidente do BNDES, e ocupou o cargo de diretor geral e financeiro do Banco Mundial, de janeiro de 2015 até novembro de 2018.
Fonte: Folha de São Paulo